Já passaram muitos dias, mas, a saudade permanece. Diria mesmo, parece aumentar à medida que o tempo vai passando. Resta-nos a consolação, fazendo fé no testemunho de quem o acompanhou nos últimos momentos, da sua partida ter sido «rápida e sem sofrimento». E aquele gesto do adeus com que se despediu, diz bem daquilo que era o nosso querido Papa Francisco. ‘Homem rico na pobreza’, simples como nunca se tinha visto, focado nos pobres e nos desfavorecidos, lutando pela paz e pela liberdade, mensageiro da esperança, lançando nesta terra sementes de amor. No exercício do seu pontificado, muitos viram-no como um inovador, outros alguém muito à frente do seu tempo, mas, para alguns, talvez um pouco avançado demais. Uma coisa é certa: nunca excluiu ninguém. Antes pelo contrário. Acolheu todos, todos, todos os que se queriam aproximar de Deus abrindo-lhes as portas da Igreja independentemente da sua situação ou orientação sexual. Com ele nunca ninguém se sentiu diferente nem a mais e a força da sua voz foi para muitos o conforto e o amparo de que precisavam na sua caminhada nesta terra. Um pouco por tudo isto, o Papa Francisco é hoje recordado com saudade por crentes e não crentes, adultos e jovens, pessoas de todos os quadrantes políticos e até pelas outras confissões religiosas, penetrando plenamente no coração dos homens a quem deu uma verdadeira lição de amor.
Do ponto de vista médico, o seu caso era bastante complexo. Teve vários internamentos alguns dos quais com intervenções cirúrgicas que associadas aos seus antecedentes pessoais deixavam antever um prognóstico pouco animador. A sua última passagem pela clínica Gemelli no qual teve um acompanhamento médico e de enfermagem ao mais alto nível, foi como um sinal para o mundo de que o Sumo Pontífice estava prestes a deixar-nos. As noticias que nos chegavam iam-nos preparando para aquilo em que ninguém queria acreditar. Ficaram-me os olhos no procedimento de classe médica no qual me revi como profissional de saúde. Um médico só pode estar ao serviço de vida humana e a sua missão é acompanhar o doente nas horas boas e más lutando sem cessar para lhe prestar todo o tipo de cuidados de que ele necessita. Teve alta muito debilitado, com o sofrimento que transportava consigo naquela cadeira de rodas. Desobedeceu aos conselhos médicos que lhe recomendaram uma convalescença mais prolongada? Tudo parece indicar que sim e a sua aparição precoce em plena Praça de S. Pedro no domingo de Páscoa é a prova evidente da decisão que quis tomar. Terá sido isso que precipitou o desfecho final? Não o sabemos. Contudo, se não o fizesse, face à gravidade da doença, mais tarde ou mais cedo, o resultado seria o mesmo. Como católico interrogo-me sobre a sua presença naquele local no domingo de Páscoa, por sinal, o dia mais importante para nós. Sabendo-se agora que horas depois ele partia para o Pai, não foi por acaso que isso aconteceu. A sua intenção foi despedir-se de nós.
O Papa Francisco foi para mim a personalidade a nível mundial que mais admirei. Tinha muito gosto em tê-lo conhecido pessoalmente. Acreditei que isso seria possível, até por ele ter estado mais de uma vez em Portugal, mas, nunca tive tal privilegio. Falei dele duas vezes neste espaço, a primeira em 2017 e a segunda mais recentemente por ocasião das Jornadas Mundiais da Juventude. Escrevi um poema ao qual dei o nome de Francisco que viria a dar origem ao hino em sua honra com o mesmo nome musicado pelo Padre António Cartageno e letra da minha autoria. Esse hino foi cantado por um grupo de crianças quando o Santo Padre aterrou no aeroporto de Monte Real o que muito me emocionou.
Não escondo por isso a ninguém a profunda estima e admiração que tinha por esta figura impar que o mundo acaba de perder.
Deus ajude o seu Sucessor para que todo o trabalho desenvolvido até aqui não corra o risco de cair no esquecimento
‘Na casa do Pai há muitos moradas’. Ele já lhe destinou a sua. Papa Francisco: antes de um dia, finalmente, nos encontrarmos, peço-lhe que vá olhando por nós e por este mundo à deriva e sem valores onde ficámos mais pobres e mais sós. Perdemos uma referência, um verdadeiro irmão, um amigo fiel, mas ganhámos uma luz no Céu a iluminar as nossas vidas. E essa luz, jamais se apagará.
(À memoria do Papa Francisco)
Médico