Que balanço faz do setor da produção da energia em Portugal?
Em 2024 conseguimos incorporar na produção de eletricidade 80% de energia proveniente de fonte renovável e nos primeiros quatro meses do ano já vamos com 83,3%. Do ponto de vista do benefício que traz, quer para os consumidores empresariais ou residenciais, quer para tudo o que tem a ver com a atração de investimentos estrangeiros devido à elevada incorporação de renováveis na produção da eletricidade revela um perfil de que Portugal é desejável. Da Europa a 27, incluindo a Noruega, Portugal fica sempre em quarto país com maior incorporação de renovável face aos restantes países da União Europeia. Apesar da avaliação ser claramente positiva, isso não significa que não tenhamos muito trabalho ainda por fazer e que temos muitos desafios para ultrapassar.
No apagão houve quem alertasse para a excessiva dependência das renováveis…
Ter renováveis é sinal de ter independência energética. Utilizar combustíveis fósseis, gás natural e petróleo é sinal de ter dependência energética. Todos sabemos que, quer o petróleo, quer o gás natural são energéticos que são carbonizáveis, quer pela OPEP, no caso do petróleo, quer pelos mercados de gás natural. Não é verdade que quando incorporamos renováveis aumentamos a nossa dependência. Estamos a suprir uma necessidade com uma energia que reduz a nossa dependência energética do exterior. Se tenho os centros eletroprodutores localizados em Portugal ou na Europa e produzo eletricidade a partir daí tenho total controle sobre eles e não aumenta a dependência, reduz a dependência. O que tem sido dito é um mito urbano, não há nenhuma correlação entre haver excesso de renováveis e haver queda do sistema elétrico. Percebo que é muito simples acusar as renováveis.
Acha que as renováveis são usadas como bode expiatório?
Claro, até porque essas pessoas não têm nenhum interesse em que o país ande para a frente e que evolua numa ótica de competitividade energética. Continuam agarrados aos mitos do passado e achar que temos de voltar ao carvão e a soluções energéticas que não fazem qualquer sentido.
Há quem diga que tenha havido uma precipitação em relação ao fecho das centrais a carvão…
Primeiro, o apagão não foi provocado em Portugal, foi provocado em Espanha. Depois não foi um problema nem da geração da eletricidade, nem do seu consumo. Foi um problema da rede elétrica de Espanha, ou seja, o equivalente à REN em Espanha e teve a ver com a forma como dividiram a incorporação da eletricidade entre o consumo e a produção. Anteriormente já tínhamos tido imensos dias com muito mais incorporação do renovável no mix elétrico e não tivemos nenhum apagão. Mas há sempre a tentação para se fazer essa correlação, não percebo bem com que objetivo porque isso não beneficia em nada o país.
Disse em abril que o setor está a começar a ter dificuldades em financiar projetos. Essas dificuldades já foram ultrapassadas?
Isso tinha um nexo de causalidade e estava relacionado com uma proposta de projeto de lei do Partido Socialista para se aplicar IMI às renováveis. O IMI é um imposto para aplicar a prédios e a edifícios e querer aplicá-lo às renováveis de forma cega cria não só uma nova estrutura de custos como também não faz sentido nenhum do ponto de vista legal. Temos decisões de tribunais a dar razão aos eólicos e a outros eletroprodutores, pois já pagamos IMI no que é considerado edifício e não me parece que faça qualquer sentido pôr por lei equipamentos a tornarem-se edifícios, independentemente da sua natureza. Se continuarmos a aumentar esta carga, seja agora o novo IMI sobre as renováveis, seja o clawback [medida de correção de preços no mercado grossista de eletricidade em Portugal], seja a CESE [Contribuição Extraordinária sobre o Setor Energético], seja o financiamento da tarifa social estamos a pôr uma carga muito grande de impostos e de taxas em cima do setor elétrico e como não podemos repassar esses custos para o mercado, porque o mercado é um mercado ibérico, corremos o risco, quer em Portugal, quer em Espanha, de ver reduzido o número de projetos que podem ser financiados. Era nesse enquadramento que me estava a referir, continuamos a financiar projetos em Portugal, tanto que temos vindo a duplicar, desde 20233, o fotovoltaico de ano para ano e a expectativa é que até ao final de 2030, 2031, 2032 também se implemente as outras tecnologias que fazem parte do Plano Nacional de Energia e Clima 2030.
Que projetos estão em cima da mesa?
Fizemos um cálculo para chegarmos às metas do PNEC e só do ponto de vista da geração de eletricidade, ou seja, investir em centrais eólicas, em fotovoltaicas, em armazenamento, em centrais hídricas, em centrais de outras tecnologias renováveis, no aproveitamento das redes que já existem para fazer hibridização estamos a falar na casa dos 20 mil milhões de euros só para geração. Mas se somarmos o que é preciso fazer em redes e o que é preciso fazer do lado do consumo estamos a falar de um investimento muito significativo até ao final de 30/31. E todo este investimento a ser implementado e a ser utilizado em Portugal gera, obviamente, mais investimento, emprego e emprego gera receita fiscal, etc. Temos aqui um ciclo virtuoso da economia e isso está perfeitamente ao nosso alcance, Mas também é preciso que se consiga desenvolver diplomacia económica para atrair novos consumos elétricos, como são os data centers, as tecnologias verdes para produção que utilizamos a partir de energia renovável, com hidrogénio verde e metanol verde. Tudo isso aumentará o consumo elétrico e com esse aumento iremos ter cada vez mais investimento.
Falou em impostos que penalizam o setor, mas as empresas continuam a pagar a Contribuição Extraordinária sobre o setor energético…
Já houve uma sentença inicial a considerar que a CESE é inconstitucional, ainda estamos a aguardar para ver quais serão os próximos passos. A aplicação da CESE à energia renovável é o financiamento da tarifa social por parte dos produtores da eletricidade quando isso é uma função do Estado, não me parece que faça muito sentido. Mas a regra que temos é pagar sempre e discutir depois. No entanto, isso tem, obviamente, acréscimos de exigência em termos de necessidades de financiamento para aquilo que chamamos de capital circulante, porque as empresas têm uma estrutura de capital, se as receitas caem e aumentam os custos vai requerer financiamento de curto prazo. Estamos a pôr uma exigência tal que, a partir de determinado momento, os projetos começam a não ser financiáveis.
Com a mudança de Governo poderá haver algum recuo por parte desta nova taxa de IMI já que foi uma proposta do PS?
Espero que deixe de haver o entusiasmo que houve em relação a esta medida porque não faz qualquer sentido. Já pagamos IMI sobre aquilo que é considerado edifício, ou seja, pagamos IMI sobre os edifícios de comando, pagamos IMI sobre as valas para a passagem de cabo, pagamos IMI sobre as estruturas metálicas de assentamento dos painéis, no caso do fotovoltaico, e pagamos IMI sobre as sapatas onde assentam as torres eólicas. Agora, começar a pagar IMI sobre equipamentos, como são os próprios painéis em si ou passar a pagar IMI sobre o sistema que está no topo das eólicas que faz com que consiga converter a energia do vento em eletricidade é um bocadinho demais. Estamos a tentar transformar por decreto equipamentos em edifícios. Os produtores de eletricidade já declararam publicamente que têm todo interesse em discutir e em conversar com a Associação Nacional de Municípios para arranjar uma solução que beneficie os municípios. Não pode é ser em sede de património, tem de ser sempre em sede de rendimento. Mas as produtoras estão completamente disponíveis para discutir as comparticipações às autarquias.
A recente instabilidade política pôs em causa alguns projetos?
O que sentimos é que estas questões geram sempre algum abrandamento nos projetos que estão em curso, mas também foram dois meses e não teve impacto significativo. Neste caso, o que é importante é que, do ponto de vista de política energética, seja possível fazer um conjunto de avanços importantes, apesar de, obviamente, sempre que temos a queda de um Governo, a mensagem que passa para fora de Portugal é que estamos a aumentar o nosso risco país e isso, obviamente, é de evitar porque quando aumentamos o nosso risco país aumentamos o custo de financiamento e de endividamento e isso não beneficia os consumidores da eletricidade, só prejudica.
Em relação ao Plano Nacional de Energia. Este impasse no Governo comprometeu algumas metas?
As mudanças governamentais o que impedem é de acelerarmos aquilo que são alguns obstáculos. Ainda na semana passada, de acordo com um relatório que saiu a analisar os planos de energia e do clima, a União Europeia afirmou que os países estão em linha com as metas. Portugal tem a vantagem, como disse há pouco, de já incorporar 80% de energia renovável na produção de eletricidade.