Elon Musk. O dono de uma motosserra que ficou aquém das expectativas

A entrada de Elon Musk na cena política foi alvo de debates acalorados durante o último ano. O convite de Donald Trump para que liderasse o Departamento de Eficiência Governamental foi encarada, por alguns, com esperança, mas os resultados acabaram por ficar bastante aquém do esperado.

Elon Musk tornou-se uma figura inevitável da política americana desde o ano passado. Um dos empresários mais ricos do mundo, conhecido pelas várias empresas que fundou – da Tesla à SpaceX – decidiu apoiar a candidatura à presidência de Donald Trump, mesmo tendo admitido que no passado havia votado no Partido Democrata. «Apoio plenamente o Presidente Trump e faço votos para que recupere rapidamente», escreveu Musk na sua conta oficial do X, antigo Twitter, da qual é também proprietário, na sequência da tentativa de assassinato da qual Trump foi vítima num comício de campanha em Butler, no Estado da Pensilvânia.

A sua aproximação ao então ex-presidente foi um dos temas quentes da campanha eleitoral, e o magnata chegou a doar cerca de 75 milhões de dólares à campanha dos republicanos. Musk tornou-se politicamente ativo, o que provocou uma onda de críticas, tendo apoiado vários movimentos nacional-populistas europeus, dos quais se destaca a AfD na Alemanha, e demonstrado uma simpatia especial pelo presidente argentino Javier Milei.

A génese

Esta admiração por Milei, que está a levar a cabo um ajuste económico e financeiro na Argentina, aniquilando a despesa pública, o défice orçamental e a inflação, terá sido, talvez, a inspiração de Musk e de Trump para introduzirem um departamento dedicado às mesmas causas nos Estados Unidos – cuja despesa e dívida pública têm crescido a um ritmo que poderá colocar em xeque a saúde financeira dos EUA. É assim que nasce o DOGE – Department of Government Efficiency (Departamento de Eficiência Governamental, em português) – um acrónimo que faz referência à criptomoeda criada por Musk, que utilizou um meme de um cão chamado Doge como inspiração.

Poucos dias após a vitória eleitoral, o então presidente-eleito Trump anunciou a criação do departamento que seria liderado por Musk e contaria ainda com a presença de Vivek Ramaswamy, um ex-candidato às primárias republicanas que acabou por apoiar Trump, tornando-se numa das principais figuras do seu núcleo duro. «Juntos, estes dois maravilhosos americanos vão abrir caminho para que a minha Administração desmantele a Burocracia Governamental, reduza o excesso de regulamentos, corte nas despesas supérfluas e reestruture as Agências Federais – Essencial para o Movimento ‘Salvar a América’», escreveu, à data, Trump, acrescentando ainda que estava «ansioso para que Elon e Vivek» fizessem «mudanças na burocracia federal com um olho na eficiência e, ao mesmo tempo», tornassem «a vida melhor para todos os americanos».

É então, a 20 de janeiro, dia da tomada de posse, que Trump cria, através de uma ordem executiva, o DOGE: «Esta Ordem Executiva cria o Departamento de Eficiência Governamental para implementar a Agenda DOGE do Presidente, modernizando a tecnologia e o software federais para maximizar a eficiência e a produtividade governamentais», lê-se no documento publicado no website oficial do governo americano. A 28 de março, também num documento publicado pelo governo intitulado «A missão do DOGE de fazer com que a administração pública volte a funcionar», encontram-se várias citações de responsáveis da agência, das quais se destacam, naturalmente, duas de Elon Musk. A primeira revela a reação do empresário à situação com a qual se deparou nos primeiros tempos de ação: «A quantidade de desperdício e de fraude no governo é espantosa – é alucinante. Encontramos habitualmente desperdícios de mil milhões de dólares ou mais – casualmente». A segunda resume a missão do DOGE: «No final do dia, a América vai estar em muito melhor forma. A América será solvente. Os programas essenciais de que as pessoas dependem vão funcionar e o futuro vai ser fantástico».

Ao fim de menos de seis meses, Elon Musk anunciou que está de saída do departamento. Mas será que, ao fim de menos de seis meses, os objetivos foram cumpridos? Bem, nem os dados nem as declarações de Musk parecem animadores.

Um departamento ineficiente

Primeiro, vejamos a evolução da despesa e da dívida pública americana na última década. De acordo com dados da Trading Economics, a primeira passou de 3,31 mil milhões de dólares no segundo trimestre de 2015 para 4 mil milhões no último trimestre de 2024. A segunda registou um aumento de mais do dobro – de 19 mil milhões em dezembro de 2015 para 36, 2 mil milhões em dezembro de 2024. Mais que relevantes, estes números são reveladores, e Elon Musk parecia determinado, desde o primeiro momento, em reverter esta tendência, garantindo que a agência que passaria a tutelar seria responsável por cortes na despesa no valor de «pelo menos 2 biliões» de dólares. Este objetivo inicial demonstrou-se manifestamente exagerado, com Musk a prever, em abril de 2025 numa reunião do executivo, que o DOGE teria a capacidade de atingir a marca dos «150 mil milhões de dólares em cortes nas despesas». Isto é, apenas 7,5% do que foi inicialmente estimado.

Na página inicial do website oficial do DOGE encontramos, no topo, dois grandes números: as poupanças estimadas e o total poupado por cada contribuinte. As primeiras, que são uma «combinação de vendas de ativos, cancelamentos e renegociações de contratos/locações, eliminação de fraudes e pagamentos indevidos, cancelamentos de subvenções, poupanças de juros, alterações programáticas, poupanças regulamentares e reduções de pessoal», atingem os 175 mil milhões de dólares. O segundo indicador, «calculado com base numa estimativa de 161 milhões de contribuintes federais individuais», aponta para os 1087 dólares.

Ainda assim, um estudo independente da Partnership for Public Service (PSP), que, de acordo com a CBS News, «procura contabilizar os custos associados à colocação de dezenas de milhares de funcionários federais em licença remunerada, à recontratação de trabalhadores despedidos por engano e à perda de produtividade», estimou que as «ações do DOGE custarão 135 mil milhões de dólares este ano fiscal». «A estimativa do PSP», continua a CBS, «baseia-se nos 270 mil milhões de dólares em custos anuais de compensação para a força de trabalho federal, calculando o impacto das ações da DOGE, desde as licenças pagas até aos aumentos de produtividade. O custo de 135 mil milhões de dólares para os contribuintes não inclui as despesas de defesa de múltiplas ações judiciais que contestam as ações da DOGE, nem o impacto da perda estimada de cobranças de impostos devido a cortes de pessoal no IRS». Este artigo foi publicado em abril e, à data, o governo respondeu que este estudo fazia parte de um leque de «tentativas contínuas de semear a dúvida sobre as enormes realizações deste esforço nunca antes visto para tornar a administração pública mais eficiente dizem mais sobre a ilegitimidade dos que propagam estas falsidades do que sobre o bom trabalho do DOGE».

Fareed Zakaria, em novembro do ano passado, escreveu que o DOGE «é uma ideia essencial e importante», isto porque «o governo federal tornou-se claramente demasiado expansivo e o seu mandato demasiado pesado. Existem mais de 180.000 páginas de regulamentos federais. Certamente vale a pena examiná-las de perto e reformar muitas delas». Zakaria identificou as principais áreas onde o DOGE deveria atuar: «Segurança Social, Medicare, Medicaid, seguro de desemprego e outros programas obrigatórios [que] representam cerca de 60 por cento do orçamento federal». «Segue-se o Departamento de Defesa», continua o jornalista e analista americano, «com mais de 800 mil milhões de dólares, que tem sido geralmente considerado intocável por razões políticas – embora seja provavelmente o departamento que mais desesperadamente precisa de ser otimizado. (…) Seguem-se os juros da dívida, igualmente intocáveis, que são quase tão grandes quanto o orçamento do Pentágono. O que sobra é cerca de 15% do orçamento federal, que inclui certos benefícios a veteranos, subsídios agrícolas, despesa em estradas e autoestradas, etc». E é aqui que Zakaria realça a dificuldade que o DOGE teria pela frente: «Para conseguir os cortes de despesas de 2 biliões de dólares (…) teria de eliminar todas as despesas com a defesa. E depois ainda teria trabalho a fazer».

Em abril deste ano, já com quatro meses de trabalho do DOGE, Zakaria escreveu outra coluna de opinião, publicada pelo Washington Post, onde constata que «a guerra contra a eficiência do governo é tudo menos eficiente», uma vez que «o DOGE começou o seu trabalho não com os alvos mais lógicos se estivéssemos realmente à procura de desperdício, fraude e abuso – locais como a Medicare e o Departamento de Defesa, com os seus orçamentos gigantescos. Não, o seu primeiro grande alvo foi uma pequena agência de que a maioria dos americanos provavelmente nunca tinha ouvido falar».

Despesa má, despesa boa

A ineficiência do DOGE, com todas as suas nuances, pode ser resumida a um simples dado. Comparemos a despesa pública nos primeiros 70 dias da administração de Joe Biden com a despesa pública nos primeiros 70 dias desta segunda administração Trump. Enquanto nos primeiros cerca de dois meses da presidência do democrata a despesa se encontrava nos 2,2 biliões de dólares, na do republicano atingiu os 2,4 biliões de dólares, o que se traduz num aumento de 200 mil milhões de dólares, mesmo contando com o apoio do DOGE. Este número mostra a ineficácia do departamento, é certo, mas revela também outro facto: o de que Trump é, ele próprio, despesista. A diferença é que canaliza a despesa para outros setores. E isto será possivelmente um dos fatores explicativos para o afastamento, e demonstrações de insatisfação de Musk.

O recente «grande e belo», como lhe chamou Trump, pacote legislativo apresentado a votação no Congresso que prevê um aumento da despesa pública na ordem dos 5 biliões de dólares, é um exemplo. Na quinta-feira passada, no X, Musk anunciou que se vai definitivamente afastar e garantiu que «a missão do DOGE só se fortalecerá com o tempo, à medida que se tornar um modo de vida em todo o governo», depois de ter dito, em entrevista à CBN, que ficou «desapontado ao ver a enorme lei das despesas» que «aumenta o défice orçamental» e «prejudica o trabalho que a equipa do DOGE está a fazer». O empresário sublinhou ainda o facto de o DOGE estar a ser utilizado como «bode expiatório» para o fracasso na redução da despesa e da dívida pública, dizendo, na quarta-feira ao Washington Post, que «a situação da burocracia federal é muito pior do que imaginava».

Assim, a rutura, que já havia começado aquando do “Dia da Liberação” no qual Trump anunciou um extenso pacote tarifários, entre Musk e a administração americana está consumada, mesmo que seja, aparentemente, amigável. E, no final de contas, o DOGE acabou por ficar bastante aquém dos objetivos aos quais inicialmente se propôs.