Na passada semana, conduzi o encerramento de um encontro de comunicação e marketing político, que teve lugar em Oeiras, o ‘Reboot’. Do lado de lá da câmara estava Devin Nunes, ex-congressista norte-americano, luso-descendente e atual CEO da Truth Social, a rede social de Donald Trump. Quando falava da sua relação com as origens açorianas, e da relação de Portugal com mundo, Devin dizia que ainda que ainda que este seja um pequeno país, mantém uma «pegada muito grande» (a «very large footprint»). É isso que os portugueses de hoje parecem esquecer.
Há, pelo menos, dois ‘Portugais’. Há um Portugal universal, aberto, cosmopolita, feito de pontes e de uma singular capacidade de relacionamento com ‘o outro’. Há, também, aquele Portugal que ficou para trás: o Portugal pequenino, rançoso e bolorento, ainda saudoso de se se sentir ‘orgulhosamente só’. Nos tempos atuais, escasseia quem inspire o grande Portugal e abunda quem exalta o Portugal do ranço.
No 10 de Junho deste ano, a presidente da Comissão Organizadora do dia, Lídia Jorge, fez, provavelmente, o mais extraordinário discurso que algum dia se ouviu a um responsável sobre esse dia. Recordou-nos de onde vimos e de quem somos, da soma de tudo o que passámos e nos trouxe até aqui – aceitando e assumindo a nossa realidade.
Este discurso é, para a maioria das pessoas, extraordinário pela eloquência e pela sistematização, mas… realista: somos o que somos. No entanto, no próprio dia, o agente libertador de quase todas as energias negativas da nossa sociedade, lá estava, desdizendo o que foi dito, mentindo na sua meia-verdade, como sempre vai fazendo. Na esteira do ‘rançoso-mor’, vieram então os seguidores, não cidadãos, mas apenas seguidores, deturpando e libertando o seu veneno.
O discurso de Lídia Jorge está, naturalmente, alinhado com o discurso do Presidente Marcelo Rebelo de Sousa e do provável futuro Presidente, Henrique Gouveia e Melo. Assim como tem sido o caminho do Governo da República. Não se confunda o bom senso do controlo de fronteiras, bem como o conhecimento de quem entra ou está em território português, com o populismo e a tacanhez de quem veio criticar a natureza óbvia do que disse Lídia Jorge.
O veneno tem, porém, um segredo que todos sabemos, mas que demasiadas vezes ignoramos: só funciona se tomarmos. Nós precisamos, urgentemente, de recusar beber do veneno do retrocesso.
Portugal fez-se, como costuma dizer o grande cantor Vitorino, na «cultura da viagem». «A sorte é de quem a terra amou». É urgente pasteurizar a nossa sociedade e entender que foi ‘na viagem’, e no ‘encontro com o outro’ que Portugal se fez imenso. Assim se construiu a dita ‘pegada’.
Os portugueses, demasiadas vezes perdidos em estéreis discussões sobre o óbvio, permitem-se desperdiçar tempo e degradar o tecido social. E que tal assumirmos a condição de ponte singular, de modo que o país possa voltar a ser imenso?
Os portugueses são muito mais do que aquilo no qual a minoria rançosa os quer transformar.
P.S. – No dia no qual se cumpriram 30 anos das agressões que levaram à morte de Alcino Monteiro, foi severamente agredido o ator Adérito Lopes, à porta do teatro ‘A Barraca’, onde interpreta o papel de Camões. De acordo com o JN, um indivíduo condenado por aquele homicídio esteve envolvido nesta agressão. O ranço teve e continuará a ter consequências. Um nojo!