O dia da raça voltou

Entre o ressurgimento de batalhas que julgávamos ultrapassadas e a ascensão de políticos loucos, valha-nos o Papa Leão XIV.

O mundo está chato e perigoso e os últimos dias provam-no. Está tudo zangado com a vida, furioso com o vizinho do lado, capaz de arriscar partir tudo. O incerto deixou de dar medo. É melhor qualquer coisa do que o que há.

Tudo isto esteve presente nas comemorações do 10 de Junho, o dia de Portugal, de Camões e das comunidades portuguesas, que no tempo da outra senhora era chamado de dia da raça. Pois bem, a outra senhora voltou e assentou arraiais no dia que já lhe pertenceu. O tema do conflito racial ocupou todo o espaço das cerimónias oficiais em Lagos. Em Lisboa houve impropérios contra o líder da comunidade muçulmana, português desde que nasceu e um ator foi agredido por manifestantes de extrema-direita que aproveitaram a data para defenderem a causa do português puro.

Ao mesmo tempo, as televisões repartiam o espaço mediático entre a cerimónia oficial em Lagos e mais um horrível atentado, desta vez na Áustria, onde mais uma vez um aluno descarregou a sua raiva demente contra alunos e professores.

Estranhos tempos os que estamos a viver. Como é que chegámos aqui? Nem um século passou sobre a segunda guerra mundial e parece que voltámos à casa de partida que ditou a morte a muitos milhões de pessoas.

Líderes mundiais radicais aprovados e eleitos democraticamente por largas maiorias. Nacionalismos exacerbados, alimentados por narrativas de ódio contra a diferença. A juventude dominada pela influência de redes sociais que difundem e selecionam informação, capaz de formar mentalidades.

As dificuldades económicas e os problemas que daí advêm. Uma cultura woke que se impõe e impõe o direito de minorias a maiorias que não têm o mínimo. São os ingredientes de um contexto em que as maiorias consideram que já não têm nada a perder.

Acompanhar a vida política por estes tempos é uma coisa estranha. Enchemos a boca a dizer que é preciso resolver os problemas das pessoas para evitar este caminho para o abismo. O pior é que já não sei se isso será suficiente, até porque muitos dos problemas não têm soluções simples.

Tomemos como exemplo o recém-criado ministério da Reforma do Estado. No sucesso da sua ação estão depositadas muitas esperanças. Mas será que a turba em fúria em que se transformou a nossa sociedade quer mesmo reformar o estado a sério? E quando os milhares de funcionários que se ocupam das burocracias que desejamos eliminar forem obrigados a trabalhar em áreas onde verdadeiramente fazem falta, ou a abandonar a função pública? E quando muitas empresas que sobrevivem à custa de uma participação do Estado se tiverem de fazer à vida sem o conforto dos dinheiros públicos? E quando se assumir que é preciso diferenciar alguns funcionários públicos essenciais ao país, como os profissionais de saúde e os professores, pagando-lhes melhor do que aos outros trabalhadores do estado? Será que se isto for feito, os eleitores vão perceber que sem isso as suas vidas não melhoram? Será que o partido de protesto que representa os insatisfeitos vai apoiar um estado mais magro e eficiente? Duvido.

Nos Estados Unidos, depois de eleito o homem providencial, anda tudo aos tiros, há tropa nas ruas, a economia está a refletir as aventuras irresponsáveis da Casa Branca, as guerras na Ucrânia e em Gaza, em vez de melhorar pioraram, mas nada disto parece afetar a popularidade do incrível e extraordinário Donald Trump. Está mesmo tudo doido.

A única boa notícia dos últimos tempos foi a eleição do Papa Leão XIV. Um missionário sensato, ponderado, equilibrado e, sobretudo certo na fé cristã e no seu poder transformador. Oxalá a Esperança que dá nome ao jubileu se contagie ao mundo através da sua ação.