Começa com uma ansiedade que não passa, passa para uma indiferença que asfixia e finalmente para uma apatia angustiante. Termina geralmente com várias mudanças drásticas e súbitas, como a mudança de emprego, o fim de uma relação e o tão cliché carro desportivo. A dieta e a inscrição no ginásio. A crise de meia-idade é assim – chega a muitos e chegou ao nosso regime também.
Um cinquentão olha para o espelho e pensa com nostalgia na sua juventude, nos sonhos que tinha para cumprir e nas metas por atingir. Aos 20, podemos tudo. Aos 40, doem as articulações quando a corrida é grande. Também o nosso regime democrático, que fez 50 anos, vê no espelho as suas rugas e questiona o seu futuro: as promessas incumpridas da sua juventude revolucionária, o sonho adiado de atingir o mesmo nível de prosperidade europeu e sobretudo uma enorme incerteza sobre o seu futuro.
Chega-se lá – à crise de meia-idade – chegando. A zona de conforto é confortável, a resistência à mudança é da natureza humana e a procrastinação a mais previsível das consequências. Quando se dá conta da situação, a solução parece óbvia: cortar com tudo o que existe. Esta solução tem um enorme risco. Como dizem os anglo-saxónicos – é o de mandar fora o bebé juntamente com a água do banho. Vai tudo de arrasto, o bom e o mau, o que nos faz felizes e infelizes.
Também Portugal chegou aqui, e isso vê-se e sente-se. Para além dos sonhos adiados, sentem-se outros problemas da idade: a saúde que não responde, a educação que não corresponde, a justiça lenta e sofrida, a habitação incomportável. Problemas que teriam sido resolvidos se na ânsia de viver tivéssemos tomado, e não evitado, importantes decisões. Agora, ficamos com terreno fértil para populismos emergentes que apresentam soluções fáceis para problemas difíceis. Lá se vai o bebé.
Estando eu ainda longe dessa fatídica idade, deixo um conselho para o meu eu futuro, a jeito de evitar estas chatices (o carro desportivo pode vir): primeiro, encontra o teu propósito — assegura-te que continuas a fazer aquilo que te faz feliz e te realiza; segundo, celebra e recorda-te dos feitos do passado; terceiro, faz do presente o melhor que consigas para que não tenhas de ficar à espera do futuro. Em caso de dúvida, avança.
Mas para o regime já é tarde. O regime não evitou a sua crise de meia-idade, portanto agora importa resolvê-la. A solução drástica e simples é deitar o regime ao lixo e construir tudo de novo. É uma abordagem revolucionária e é defendida de forma sub-reptícia por uns e de forma assumida por outros. É também uma abordagem extremista – e sobretudo destrutiva.
O que o regime precisa de fazer é simples (fazê-lo é que é difícil): primeiro, renovar o seu propósito e energia – perceber que isto não é o nosso fado, que Portugal pode ser um grande país; segundo, celebrar aquilo que Portugal já foi e as epopeias que foram escritas – Portugal tem uma grande história; terceiro, mudar o estilo de vida e pôr mãos à obra. Isso requer uma enorme coragem política e convicção, mas é possível. Requer profundas reformas, e é inevitável.
Carl Jung dizia que a meia-idade era uma oportunidade para encontrar propósito e potencial para crescimento – deitar tudo a perder ou construir um grande futuro depende agora de nós.