Reforma do Estado: Missão (im)Possível

A reforma do Estado não é um luxo técnico, é uma urgência política.

Por diversas ocasiões tive já oportunidade de escrever e refletir acerca da reforma da Administração Pública e do Estado, e sempre a identifiquei como ‘a’ prioridade no âmbito das muito necessárias reformas estruturais. A reconciliação do Estado com o cidadão (ou do cidadão com o Estado) é essencial num tempo marcado por desconfiança. Por isso, a criação da pasta da Reforma do Estado, entregue a Gonçalo Saraiva Matias no XXV Governo Constitucional, é um sinal de que a política portuguesa está, finalmente, a assumir com seriedade a urgência da transformação estrutural da administração pública. Esta decisão vai ao encontro de um movimento mais amplo que atravessa também as instituições europeias: a convicção de que é tempo de passar das palavras à ação no combate à burocracia e na construção de um Estado – e de uma União – mais ágil, eficiente e próximo dos cidadãos.

O novo ministro, com um perfil académico e cívico sólido, tem agora nas mãos uma das missões mais difíceis e estruturantes da governação. Mas não está sozinho neste esforço. Ao nível europeu, também enfrentamos o desafio de simplificar o processo legislativo e reduzir o peso da complexidade regulatória que asfixia cidadãos, empresas e instituições. A Comissão Europeia atual fez da desburocratização um eixo prioritário do seu mandato, com resultados concretos.

Um dos melhores exemplos disso são os chamados pacotes legislativos ‘omnibus’, que têm vindo a agregar revisões de normas dispersas e a suprimir redundâncias e incoerências. Estas iniciativas, que acompanho de perto no Parlamento Europeu, não são apenas simbólicas: representam uma mudança cultural no modo como a UE legisla, regulando menos, mas melhor. É esse mesmo espírito que deve nortear também a Reforma do Estado em Portugal.

Ao longo dos últimos anos no Parlamento Europeu, assumi sempre a dianteira no combate à burocracia. Fi-lo com propostas concretas, com posições firmes e com um sentido de urgência que nem sempre foi acolhido pela Esquerda. A resistência ideológica à simplificação administrativa ainda persiste em certos setores, como se reformar fosse sinónimo de fragilizar o Estado. No entanto, há hoje uma consciência crescente – até à esquerda – de que o excesso de burocracia está a custar empregos, a travar o investimento e a comprometer o crescimento económico europeu. O próprio primeiro-ministro britânico, Keir Starmer, trabalhista, identificou o combate à burocracia como uma prioridade para relançar a economia do Reino Unido. Este é, portanto, um desígnio que deve ultrapassar trincheiras partidárias e ocupar lugar central na agenda política nacional e europeia.

Portugal não pode continuar a ser o país onde o cidadão tem de provar ao Estado aquilo que o Estado já sabe. O funcionamento moderno e atualizado da administração pública não se alcança apenas com mais tecnologia, mas com menos complexidade. Exige-se uma revisão profunda dos processos, maior interoperabilidade entre serviços, menos papel – e mais confiança no cidadão.

Tal como a Europa caminha para uma nova cultura regulatória, Portugal não pode ficar para trás. A reforma do Estado não é um luxo técnico, é uma urgência política. Um Estado mais leve na forma, mas mais forte na função, será sempre um Estado mais justo, mais eficaz – e mais digno da confiança dos portugueses. l

Eurodeputada PSD