Ana Catarina Mendes. ‘O federalismo é o caminho a fazer dentro da União Europeia’

‘75 Anos da Declaração Schuman: Que Futuro Para a Europa?’ é o nome do livro coordenado por Ana Catarina Mendes. A eurodeputada reuniu várias personalidades portuguesas para pensar sobre o futuro europeu.

Lançou um livro, ontem, no dia em que se cumpriu o quadragésimo aniversário da assinatura do Tratado de Adesão de Portugal à CEE, referente aos 75 anos da Declaração Schuman. A obra reúne contribuições de autores de relevo e que, de uma forma ou de outra, ajudaram a moldar o caráter europeu de Portugal. O que tinha em mente quando decidiu coordenar um livro desde género?
A primeira coisa é uma inquietação com o mundo e com o futuro das nossas democracias e da Europa e, por isso, a importância do projeto europeu e o reforço desse projeto no quadro internacional. Em segundo lugar, uma vez que se celebraram, no dia 9 de maio, os 75 anos da Declaração Schuman, a minha ideia era partir desse ato fundacional da então CEE, hoje União Europeia, e colocar um conjunto de pessoas que tiveram, ou que têm, responsabilidades europeias, desde eurodeputados, comissários, ex-comissários, o ex-presidente da Comissão Europeia, o atual presidente do Conselho Europeu, o ex-presidente do Eurogrupo, o ex-vice-presidente do BEI. Enfim, colocar pessoas que, ao longo dos anos, projetaram a imagem de Portugal nas instituições europeias e contribuíram para o aprofundamento do projeto europeu, a pensar nos próximos anos. Temos um conjunto de desafios muito exigentes. Vemos as nossas democracias sob ataque de interferência estrangeira ou ataques híbridos, o poder que hoje as redes sociais têm na disseminação de informação falsa ou na manipulação de informação. Cabe-nos a nós, todos, cuidar dos valores europeus. E, por outro lado, não quis um olhar apenas do Partido Socialista. Quis um olhar de outros quadrantes políticos e por isso o João Oliveira, a Catarina Martins, o Sebastião Bugalho, o José Ribeiro e Castro escrevem também aquela que é a sua perspetiva, porque essa é mesmo a base fundacional da União Europeia, conseguirmos unir-nos na diversidade.
Alargámos ainda o livro à cultura. Stefan Zweig dizia que o seu grande sonho era uma Europa unida pela cultura. E, de facto, a cultura, faz pontes entre os Estados-membros, entre as culturas e entre as pessoas. Por isso, o Tiago Rodrigues, que é hoje diretor do Teatro D’Avignon, o Rodrigo Francisco que é o diretor do Teatro de Almada, o Jorge Vaz de Carvalho, escritor, ou o Pedro Amaral, compositor, são aproximações e olhares sobre a sociedade que eu acho que são enriquecedoras do projeto europeu. Lembrei-me também do Dino D’Santiago que tem feito um papel absolutamente extraordinário na integração e na inclusão dos jovens mais vulneráveis, e acho que a Europa mostrou, ao longo de setenta e cinco anos, que soube construir um Estado Social forte, capaz de abraçar e encontrar soluções para todos. Hoje, estes são também desafios que se colocam ao futuro da Europa: a sustentabilidade do nosso modelo social, da nossa democracia e a capacidade de a Europa enfrentar os desafios como os da segurança, e por isso a política de defesa e segurança está também espelhada pelo Nuno Severiano Teixeira e pelo próprio António Vitorino.

Mencionou a vertente cultural. Fica claro que há, no livro, uma ênfase especial. Acredita que, neste momento, em Portugal e na Europa, assistimos a um retrocesso nesse vetor importante?
Acho que é muito importante. Quando olhamos para uns Estados Unidos que estão a banir estudantes estrangeiros ou a retirar conteúdos das próprias universidades, quando começamos a ouvir um certo revisionismo em alguns Estados-membros sobre setores específicos da cultura ou quando assistimos à brutalidade que assistimos ontem à porta da Barraca, que é, historicamente, um teatro com uma intervenção cultural e social fundamental para a construção da nossa democracia e para a manutenção da nossa liberdade, acho que é muito importante que este livro tenha também essa componente cultural. É precisamente através da educação e da cultura que conseguimos que os valores democráticos sejam respeitados e conhecidos.

Voltando ao ponto das personalidades distintas de quadrantes políticos diferentes. Existem perspetivas completamente opostas, de Francisco Louçã a Sebastião Bugalho, de José Ribeiro e Castro a Catarina Martins. Certamente que as ideias de Europa de uns e de outros não estão alinhadas. Esta escolha foi uma forma de demonstrar que a diversidade ideológica pode conviver no seio da União Europeia, mesmo que algumas posturas possam ser consideradas eurocéticas?
É mesmo isso. É a demonstração de que a democracia se constrói com a voz de todos. Podemos não concordar uns com os outros, mas sabemos que alimentar a democracia é respeitar a opinião de cada um, é saber discutir, é saber encontrar o compromisso, é saber dialogar e é saber estabelecer pontes. Foi assim que se construíram as nossas democracias modernas, é assim que Portugal tem vivido ao longo destes últimos cinquenta anos de democracia e é mesmo assim que o projeto europeu deve continuar a existir – na diversidade e fazendo dessa diversidade não uma fraqueza, mas uma força para melhorarmos as nossas democracias.

Mas, olhando para a lista de autores, reparo que não há contributos de personalidades mais à direita do Partido Popular Europeu (PPE), ou seja, do ECR ou dos Patriotas. Qual é a justificação para isso?
Porque eu escolhi o campo democrático. E eu julgo que hoje temos um grande desafio, que é o desafio entre os democratas e aqueles que não gostam da democracia, os antidemocratas. Por tanto, acho necessária uma visão da democracia e que continuemos a defender os valores que nos trouxeram progresso.

Ou seja, considera que tanto o ECR quanto os Patriotas não estão inseridos no campo democrático?
São eleitos democraticamente, mas tenho visto os ataques permanentes às democracias. Ou seja, quando estão contra a educação, ou quando estão contra as necessidades de tomar atitudes face às alterações climáticas que consideram que não existem, ou quando consideram que a liberdade de expressão é a sua liberdade de expressão, mas não a liberdade de expressão como um direito fundamental. Portanto, sim, acho que a extrema-direita tem uma agenda de destruição das democracias.

Voltando à Declaração Schuman, que é o ponto de partida desta obra. Schuman dizia que a criação da CECA seria a «primeira etapa da federação europeia». Como sabemos, ao longo dos últimos 75 anos, isso não foi possível. Acredita que, numa conjuntura política como a atual, fraturada e em que o euroceticismo está em crescimento, esse caminho ainda pode ser feito?
Eu acredito que o federalismo é o caminho a fazer dentro da União Europeia. Acredito que, ainda assim, é possível de fazer. Há muitos democratas, muita gente que continua a acreditar que este é o melhor espaço para desenvolvermos as nossas sociedades e, portanto, sim, eu acredito no federalismo.

Acha que há bases sólidas que permitam isso?
Acho que é preciso continuarmos a trabalhar. E sim, acho que há condições para trilharmos esse caminho. Desde logo, naquilo que estamos neste momento a fazer quanto à política de defesa e segurança, naquilo que deve ser o reforço da nossa economia e do mercado único. Por isso sim, acho que há espaço para podermos caminhar em direção ao federalismo.

Por fim, e utilizando o subtítulo do livro, que futuro para a Europa?
Espero que seja um futuro que garanta a mobilidade dos nossos cidadãos, a capacidade de se qualificarem, a melhoria dos empregos e das condições de emprego, mas também a melhoria dos salários, que continue a ser uma Europa social, forte, que nas alterações climáticas responda com justiça social aquilo que são os grandes desafios, que a revolução digital possa impulsionar as nossas economias, mas, ao mesmo tempo, garantir que os salários melhoram e que as pessoas vivem em melhores condições. Portanto, o futuro da Europa é continuarmos a aprofundar uma Europa de progresso, de justiça social e de solidariedade.