Polémicas. Há limites para o inimaginável?

É como se entrássemos na ‘Matrix’ do mundo materno. Há maternidades construídas, passeios de carrinho com bonecos, simulações de partos, até boletins de vacinas e certidões de nascimento. Há quem faça coleção e quem se prepare para uma  maternidade real. Mas o Brasil está preocupado e já avançou com três projetos-lei.  

Não apareceram agora, mas ultimamente têm dado muito que falar. Quando falamos sobre os bebés ‘reborn’, estamos a falar no campo do quase real: bonecas e bonecos profundamente realistas que se assemelham a bebés recém-nascidos. Numa primeira impressão, podem parecer apenas brinquedos muito elaborados. Mas estes bonecos, apesar de parecerem inofensivos – cuja forte adesão pelo mundo fora está a ser interpretada, do ponto de vista psicanalítico e comercial, como uma forma de mercantilizar um luto não elaborado – já deram origem a vários casos polémicos.

Maternidades falsas: uma simulação de parto

O Brasil é um dos principais países em que o mercado dos bebés ‘reborn’ chega a níveis quase inimagináveis. A compra tornou-se tão popular que, em algumas regiões, foram construídas maternidades falsas cujo objetivo passa por receber estes bonecos e tratá-los como se estivessem, de facto, vivos: basta lá entrar e os funcionários simulam o nascimento do bebé e fornecem os documentos necessários, como um boletim de vacinas, certidão de nascimento e passaporte, desde que se pague (e os valores não são baixos). Há até relatos de alguns modelos que urinam, cortam o suposto cordão umbilical e até são dados de mamar.

“Guiados por uma carinhosa enfermeira, você e sua família serão convidados a escolher aquele bebê que vai conquistar seu coração. Cada escolha é única — e tão especial quanto dar o primeiro nome ao seu novo amor”, pode ler-se numa publicação da empresa MacroBaby, que criou a Maternidade Reborn, uma das várias espalhadas pelo mundo, no ano de 2018. Nestes espaços, o boneco é também medido, pesado e os seus (falsos) batimentos cardíacos são escutados pelos trabalhadores da empresa, que fingem serem profissionais de saúde.

Brasil quer controlar febre ‘reborn’

O movimento ficou tão viral no país, muito por causa das redes sociais e influencers brasileiros, que a Câmara dos Deputados acolheu três novos projetos para regular políticas públicas sobre estes bonecos.

Um deles, de acordo com a Folha de São Paulo, propõe a restrição do atendimento médico a estas bonecas em instituições públicas e privadas, com a imposição de multas às que permitirem tal prática. O segundo quer prever o acompanhamento psicológico a pessoas que tenham desenvolvido um vínculo afetivo considerado problemático com os bonecos ‘reborn’. Por fim, o terceiro projeto prevê a aplicação de multas para quem tentar usar estes bonecos para poder passar à frente em filas de atendimento em hospitais, ou até mesmo ocupar lugares nos transportes públicos destinados a grávidas ou pais com bebés.

Recentemente, foi notícia no Brasil um homem que agrediu um bebé de verdade, por pensar tratar-se de um boneco reborn. O_caso sucedeu em Belo Horizonte: o homem disse à polícia que pensava que os pais da bebé estavam a usar um boneco para passar à frente na fila de uma rulote. O bebé de 4 meses teve de receber assistência hospitalar, mas recebeu alta no dia seguinte.

Mulher diz ser mãe de 13 filhos

Também no Reino Unido estes bonecos ficaram populares. Um dos casos mais conhecidos do país é o de Jess Ellis. E tudo começou num lugar – o da solidão.

A mulher inglesa, de 27 anos, de acordo com o New York Post, diz ser “mãe” de treze bonecos. Esta foi uma forma que arranjou, juntamente com o seu noivo, Avery Raassen, de ir preparando a maternidade. “Tivemos alguns bebés na minha família – tenho uma afilhada e essa foi sempre a minha fase preferida quando alguém tinha um bebé – poder pegar num recém-nascido é realmente especial”, partilhou Ellis, acrescentando que considera “muito terapêutico pegar neles”, principalmente se estiver “stressada ou ansiosa”.

Aliás, a paixão por estes bonecos cresceu tanto que deixou de ser apenas um hobbie e passou mesmo a ser um negócio. Jesse agora constrói bebés reborn. “Não diria que o meu trabalho é fantástico, mas tenho praticado muito e fiz cerca de 14 bonecas até agora e vendi-as por menos de 200 libras cada”.

As ‘mamãs’ estão a lutar na Net

Nos Estados Unidos, ou melhor dizendo, nas redes sociais, a coisa já chegou mesmo a azedar, e à séria. Kiersten Haley, uma veterana militar norte-americana, de 28 anos, encontrou-se no meio de uma guerra contra as mães (verdadeiras), que surgiu, disse, de forma inesperada.

De acordo com a revista Cosmopolitan, a mulher tem, desde 2018, 23 bebés reborn, e costumava partilhar a sua vivência enquanto ‘mãe reborner’ nas suas redes sociais, nas quais arrecadava, até então, cerca de 650 mil seguidores.

Os vídeos mostram Kiersten Haley a dar o biberão aos seus bonecos, a vesti-los ou a levá-los a passear à rua. Mas esta foi uma prática que, para muitos e muitas, foi longe de mais: em 2023, a mulher viu-se encurralada por uma onda maciça de ‘haters’ nas redes sociais, porque chegou mesmo a comprar leite em pó para bebés para dar aos seus reborn, numa altura em que havia escassez deste produto no mercado. Depois, de forma gradual, passou a encher os biberões com amaciador de roupa. “Eram TikToks de mães, TikTok de pessoas normais, foi uma loucura”, chegou a dizer à mesma revista. Na altura, acabou por pedir desculpa e alegou que começou a doar artigos para bebés a quem precisa de forma a repor os “pouco artigos” que tira das prateleiras.

Sobre a sua adoração pelos bonecos, Kiersten volta a referir o que parece ser o denominador comum de quem fica ‘viciado’ nos ‘reborn’:  ansiedade e solidão. “Estes últimos anos têm sido tão traumáticos e difíceis com o quanto o mundo mudou”,  explicou à Cosmopolitan. “Só na minha geração, tivemos o 11 de Setembro. Uma enorme recessão. Depois a Covid-19”. Assim, construiu um mundo só seu, só para si, onde cuida e, ao mesmo tempo, se sente cuidada. “O stress desaparece e é quase como voltar a uma época mais inocente e melhor”.

E claro… Burlas reborn 

Com uma enchente de fãs a mergulhar a fundo no admirável mundo dos ‘reborn’, era caso para dizer que não ia demorar muito até as pessoas serem alvo de algum tipo de negócio burlado.

Aleia, uma mulher norte-americana com deficiência que não quis partilhar o seu segundo nome com o 6 News on Your Side por uma questão de segurança e privacidade, chegou a perder mais de mil dólares (cerca de 860 euros).

Ao jornal, Aleia refere ser uma pessoa muito tímida e que mal sai de casa. “A minha mãe disse-me para arranjar um passatempo. Não posso ter os meus próprios filhos. Então, pensei, esta é a opção mais próxima”, disse, referindo-se aos ‘reborn’. E assim fez: começou a procurar e encontrou no Facebook Marketplace uma boneca que lhe chamou a atenção. “No total, o bebé ia custar 270 dólares”, disse Aleia. “Bem, o primeiro bebé que comprei custou 400 dólares. Por isso, achei que era um ótimo negócio.” Mas só arranjou mais complicações: era preciso pagar taxas, selos, seguros e, a cada dia que passava, o vendedor arranjava sempre uma forma de extorquir mais alguns dólares, de modo que acabou por desistir da ideia. Este é apenas um dos inúmeros relatos de pessoas que acabam burladas no mundo ‘reborn’.