Um recente estudo do ISCTE revela que os portugueses são favoráveis ao aprofundamento da transferência de competências para as juntas de freguesia e câmaras municipais. Mais: 72% querem que se reabra o tema da regionalização. Nada de surpreendente. Ao contrário do que pensa ‘a bolha’, os cidadãos reconhecem que as autarquias lhes prestam melhores serviços e estão sujeitas a um escrutínio mais apertado.
A proximidade é um fator relevante na prestação de serviços públicos. Se não houver redundâncias, esses serviços descentralizados e desconcentrados não são mais onerosos, ao contrário do que tantas vezes é asseverado. Ou seja, se a transferência de competências for acompanhada por uma redução no sobrepeso do Estado, haverá certamente maior racionalidade económica.
Não é fácil encontrar dados estatísticos, mas sabemos que a esmagadora maioria dos dirigentes da função pública se concentra em Lisboa e Vale do Tejo. Uma verdadeira descentralização exigira um reequilíbrio territorial das chefias, o que é realizável. De resto, o Governo anunciou que vai rever os salários dos altos dirigentes do Estado para conseguir ‘atrair os melhores’. Importa, então, aproveitar este momento para promover a mobilidade como contrapartida de melhores remunerações e definir que as novas admissões devem ser prioritariamente para funções desconcentradas ou descentralizadas.
Em suma, a reforma da administração pública deve ter, como objetivo prioritário, a devolução de poderes. Ou seja, o processo de transferência de responsabilidades e competências do Governo central para entidades subordinadas, como as autarquias e as comissões de coordenação regionais.
Para além de melhorar os índices de eficiência, promove-se também a coesão territorial – objetivo que tem sido esquecido de forma escandalosa num país que, para esse fim, reclama fundos da União Europeia (UE). Basta lembrar que, em Portugal, a despesa subnacional é de apenas 4,4% do orçamento, quando a média da OCDE é de 19,5%.
Ora, se os fundos de coesão da UE têm como propósito reduzir as assimetrias entre os Estados-membros – nomeadamente apoiando as regiões menos desenvolvidas a atingirem os índices económicos e sociais das regiões mais avançadas – as políticas públicas em Portugal não podem continuar a seguir um princípio inverso e a promover uma hiperconcentração de recursos humanos e materiais na capital. Trata-se, aliás, de um modelo terceiro-mundista, esse que tende a privilegiar o investimento em infraestruturas em Lisboa ou na sua proximidade.
Sim, são necessárias reformas no Estado. A Administração Pública não responde às necessidades da população. Cada vez é mais cara, cada vez é mais ineficiente. A situação é intolerável e só subsiste porque, nos últimos anos, fomos governados por quem depende eleitoralmente dos funcionários públicos e dos seus familiares, que não estão interessados em nada que afete o seu status quo. É uma situação que a direita mais radical nunca questionará, porque a ineficiência dos serviços públicos – pela qual não pode ser responsabilizada, uma vez que nunca governou – lhe aporta o voto de eleitores zangados com a inépcia do Estado.
Sabemos, pelo exemplo de outras democracias, que a centralização e as grandes burocracias não foram, como era prometido, a resposta para promover melhores oportunidades para a sociedade. As transformações políticas a que assistimos refletem, justamente, esse desencanto. E, até por isso, esta é uma reforma que já não se pode adiar.