- O Governo apresentou, esta semana, um programa de governo com várias medidas que não constam do seu programa eleitoral e nem foram debatidas durante a campanha. Há nesta atitude dois aspetos que me levantam sérias dúvidas num regime democrático: o primeiro, a atitude altiva de um governo que julga que ganhar eleições é fazer tudo o que se quer mesmo que signifique rasgar o voto de confiança dos cidadãos; o segundo, a penosidade de uma campanha eleitoral sem uma visão para o país e povoada de vacuidades e chavões para conquistar votos.
Um primeiro-ministro que herdou, há um ano, uma situação financeira sustentável e que desbaratou num ano. Um primeiro-ministro que esconde aos portugueses a degradação das contas públicas com que inicia este novo mandato. É bom recordar que a economia portuguesa recuou no primeiro trimestre deste ano, as previsões do ministro das Finanças falharam e hoje temos uma situação económica pior do que há um ano. Tem que merecer preocupação e revisão da trajetória. Sobre este cenário, o programa de governo é omisso e continua a prever milagres que dificilmente acontecerão. Como será possível cumprir as metas salariais, reorganização de carreiras da função pública, reforço do Estado Social, aumento para 2% do PIB a despesa com a defesa com um cenário de recuo da nossa economia? Não basta apregoar a competitividade e o aumento da riqueza, são precisas medidas de incentivo à nossa economia para que se crie emprego, aumentem os rendimentos das pessoas e se modernizem os nossos serviços públicos. Quando o PRR parece ser uma oportunidade desperdiçada por falta de execução, a pergunta que se impõe é a de saber onde vai o Governo encontrar o dinheiro para os milagres que promete? A anunciada reforma do Estado antecipa uma vontade de cortar, cortar, cortar…. esta receita da direita é bem conhecida dos portugueses e não há boa memória do que significou de empobrecimento do país. - Por alguma razão que desconheço, o Governo assumiu a narrativa simplista da imigração. É mais fácil tratar este assunto com ataques ao anterior Governo e lançando um anátema sobre aqueles que escolhem Portugal para viver, é, talvez mais fácil, para o Senhor ministro da Presidência, assumir o discurso populista que alimenta o medo e corrói a coesão social, do que falar verdade com factos e tomar verdadeiras medidas de integração dos cidadãos estrangeiros.
O programa de governo neste ponto é digno de antologia política. Afirmar, escrever «A política de imigração anterior ficou marcada (…), pela abolição do controlo de fronteiras e das verificações criminais, pelo acumular de mais 1 milhão de processos pendentes, e pelo desmantelamento das políticas de integração…» é, factualmente, falso e muito pouco responsável. O Governo sabe que o número de pendências era de 400 000, à data da criação da AIMA. O Governo sabe e executou o que constava do plano de ação da AIMA resolver o problema das pendências até ao final do primeiro trimestre de 2025. O Governo sabe que não houve, nem podia haver, abolição do controlo de fronteiras. Com a extinção do SEF, separando as funções policiais das funções administrativas, o controlo das fronteiras passou para a PSP e a GNR, com formação específica para estes profissionais e com a modernização tecnológica deste serviço. O Governo sabe que as competências da politica de integração, até 2023, ao cuidado do Alto Comissariado para as Migrações passaram a fazer parte da nova Agência por razões de melhor eficiência da prestação de serviços. O Governo sabe que ficou um plano de ensino do português para executar. Um plano que reuniu, pela primeira vez, o Ministério da Educação, o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, o Ministério dos Negócios Estrangeiros e o Ministério com a tutela das Migrações para que o ensino da língua portuguesa estivesse articulado nas várias dimensões. Ao final de um ano impunha-se uma avaliação para possíveis correções. O que sabemos hoje da implementação deste plano? Nada.
O Governo descurou a política de integração e cuidou apenas de saber como expulsar cidadãos estrangeiros e como dificultar a sua regularização. O Governo insiste em fazer uma escolha entre cidadãos, privilegiando os estrangeiros altamente qualificados. O Governo dá eco às perceções, forma desastrosa de tratar as questões da imigração e de deslaçar a coesão social de que Portugal foi sempre um exemplo.
Eurodeputada e Vice-Presidente do Grupo S&D