Ilusão socialista

O maior desafio de José Luís Carneiro é pensar e decidir pela própria cabeça e prescindir de heranças tóxicas.

Diz o ditado que de quanto mais alto se sobe, de mais alto se cai. Adapta-se bem à história recente do Partido Socialista e devia estar no centro da reflexão que o partido promete fazer para o futuro.

Confesso que cada vez que ligo a televisão e vejo Ferro Rodrigues, Augusto Santos Silva ou António Vieira da Silva a procurarem as causas do que aconteceu ao PS e a darem a sua opinião sobre o que os socialistas devem fazer para recuperar o seu lugar na democracia portuguesa, imagino quantos mais eleitores do partido decidiram, nesse momento mudar de voto.

Nada me move quanto ao papel e ao passado que representaram, mas tenho a certeza de que ninguém está interessado em ouvir as suas opiniões. Mesmo que possa parecer injusto, os eleitores socialistas desiludidos identificam estas caras com a razão pela qual deixaram de votar PS.

O mais fácil é atribuir à liderança de Pedro Nuno Santos a responsabilidade pelo desaire eleitoral de 18 de maio. Mas isso não é justo. Não porque tenha feito tudo bem. Não fez. Mas a verdade é que o que fez, não fez sozinho (apesar de os próxis, numa atitude lamentável, terem tentado limpar as suas culpas na imprensa, debaixo de anonimato). O mal vinha de trás. Do partido e da elite que herdou de António Costa. O PS esteve oito anos no poder, orientado por um líder que em vez de governar o país empurrou com a barriga. É certo que os resultados e os acontecimentos (pandemia, guerra e inflação), iludiram a realidade. Mas também é verdade que os governos socialistas se aproveitaram mais das circunstâncias do que as resolveram. O país chegou num estado lastimável às mãos de Montenegro e os portugueses sabem que a culpa foi da ausência de governação socialista.

Dito isto, e uma vez que António Costa soube sair a tempo e para muito melhor do que tinha aqui, sobram os colaboradores do líder que enganou bem, mas governou mal. Quem são eles? Sobretudo Ferro Rodrigues, Santos Silva e Vieira da Silva.

José Luís Carneiro é, ao que tudo indica, o senhor que se segue. Ainda não é líder e já há no partido quem, pela calada, lhe jure pela pele. A sua experiência política leva-me a acreditar que tem consciência disso. Mas nem por isso tem a tarefa mais facilitada. Um simples olhar para a bancada parlamentar que herdou mostra que não é ali que pode procurar e encontrar os colaboradores para fazer a mudança que o partido precisa. Os atuais senadores não ajudam. Já nada têm a ver com os senadores de antigamente e estão queimados pelo passado recente. Carneiro vai mesmo ter de reinventar o partido se quer que ele volte a ser grande, como foi no tempo de Soares e Zenha. Nos pais fundadores está a inspiração para o futuro e não no rebanho que se tresmalhou. Soares e Zenha eram pragmáticos sim, mas o seu horizonte era pôr o país no lugar que sonharam desde o tempo da ditadura. Por isso tinham coragem para fazer o que era necessário, quando era necessário. Mesmo que o necessário fosse pôr o socialismo na gaveta durante algum tempo.. Tenho a certeza de que se Mário Soares estivesse no ativo e tivesse de reerguer o partido, não iria pedir conselhos aos novos velhos do Restelo socialista e muito menos apoiar um deles para Presidente da República. Tão pouco escolheria apoiar um candidato das esquerdas, juntando-se a partidos ultrapassados pela história e esmagados pelo eleitorado. Nos tempos que correm, tendo um candidato moderado na estrada, disponível para se candidatar, essa seria seguramente a opção de Soares.