Os prisioneiros das cadeias portuguesas descobriram uma forma de ganhar dinheiro, obrigando o Estado português a indemnizá-los, sempre que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) lhes dá razão. As razões são várias, mas vão desde a sobrelotação das celas, aos metros quadrados de cada uma delas, a problemas de insalubridade, de falta de privacidade das casas de banho e por aí fora. Segundo Ana Garcia Marques, representante do Estado português no TEDH, em oito anos, Portugal pagou 1,2 milhões de euros a indemnizar os reclusos que se queixaram em Bruxelas. Há mesmo advogados especialistas no tema, e às 500 queixas que estão atualmente no TEDH, muitas outras se adivinham. Para se ter uma ideia do valor das indemnizações, o Público escrevia em fevereiro de 2024, que só três reclusos receberam 32.350 euros do Estado, por as celas serem pequenas para tantos presos, as sanitas serem partilhadas, além de haver insetos e roedores em fartura e a temperatura no interior das celas ser um inferno.
Mas as cadeias portuguesas debatem-se com problemas ainda mais graves, mas que não chegam a Bruxelas devido ao pacto de silêncio que os mais fortes impõem aos mais fracos. As violações ficam também no silêncio. Como chegam a estar sete horas sem qualquer tipo de vigilância, os mais fortes optam pela extorsão, obrigando as suas vítimas a conseguirem que as famílias depositem dinheiro nas suas contas. Esse é apenas um dos aspetos da realidade das prisões portuguesas. O_Nascer do SOL entrevista Hermínio Barradas, presidente da Associação Sindical de Chefias do Corpo da Guarda Prisional (ASCCGP), que faz um retrato negro da situação.
Qual a razão para o Estado português ter gasto 1,2 milhões de euros nos últimos oito anos?
Até ver… Antigamente, o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos tinha um princípio de não culpabilizar o Estado. Dada a sucessão de reincidências no conteúdo das queixas, de ser sempre o mesmo, e de os sucessivos relatórios apontarem sempre as mesmas entropias, começaram a alterar o princípio de posicionamento sobre as queixas e agora há uma probabilidade maior, de serem sempre condenados, porque não fazem nada para alterar o motivo das queixas, que incidem sobre o alojamento coletivo, a falta de privacidade, que é contra as regras de Mandela, que é um preso por cela, e Portugal tem 90% da sua lotação em alojamento coletivo. A outra questão é a sobrelotação, além da qualidade dos espaços. Há cinco ou seis estabelecimentos que não têm ventilação, há muita humidade, muito frio, muito calor, de acordo com a estação do ano. O pessoal todo da raia, neste momento, está todo com ventoinhas nas celas. Os 40º em construção antiga, é complicado em celas com várias pessoas.
Cada preso pode ter três aparelhos eletrónicos, mas se estiverem numa cela partilhada, por exemplo, só podem ter uma chaleira de água quente por camarata. Já as ventoinhas depende do espaço. Há algumas camaratas que podem ter duas ou três. Na cela individual só pode existir uma. Já quanto aos outros fatores, é a qualidade e quantidade da alimentação, e o acesso à saúde. Houve alturas em que não se conseguia arranjar pessoal de enfermagem para entregar a medicação, já andavam guardas a dar comprimidos aos presos. Depois se alguma coisa corre mal dizem que foi o guarda que deu o comprimido errado.
As condenações do Estado português extravasam a vossa competência?
Nós, enquanto sindicato de Chefes, já estamos um pouco desligados da parte emocional. Lidamos com o que temos que lidar, não contribuímos em nada para o estado em que as coisas estão nas diversas áreas, fazemos o que podemos, com o que o Estado nos fornece para trabalhar. E continuamos sem esperança. Com este secretário de Estado então, nem pensar.
Dizem que têm falta de guardas e de chefes?
São 1100 guardas e 270 chefes, em falta, num quadro de 5.000.
Os problemas nas cadeias têm-se sucedido. O último foi em Custoias.
Há um problema sério de extorsão. Os reclusos andam sozinhos, sem qualquer tipo de vigilância, nas alas prisionais. Os guardas fazem a abertura de manhã e depois só lá aparecem ao final do dia para fazerem o fecho, pois anda tudo nas diligências. Isso torna inevitável que haja episódios de extorsão, pancadaria, negociatas, há de tudo.
Consegue dar exemplos práticos?
Olhe, a extorsão. Os mais fortes e os mais organizados obrigam os outros a apelar às famílias para depositar dinheiro nas contas de quem faz a chantagem. Consta que há pagamentos no exterior em dinheiro, nós nunca conseguimos provar isso. Pedem-lhes para mandarem vir ténis, roupa, a comida que vem de fora ficam logo sem ela. Os mais frágeis estão ao serviço dos mais fortes.
E as vítimas apresentam queixas ao tribunal Europeu dos Direitos do Homem?
Não. Esse tipo de queixa não existe por causa da cultura do silêncio. A cultura do silêncio no sistema prisional prevalece sobre tudo.
Os telemóveis continuam a existir dentro das cadeias. As cadeias ainda têm o sinal para os telemóveis, ao contrário do que foi anunciado pela ministra da Justiça?
Não. Os inibidores ainda estão em concurso. Mas no caso dos telemóveis detetados no interior da cadeia de Monsanto é muito estranho, pois a cadeia é de alta segurança, com muitas restrições. Mas já se sabe que pessoas que estão presas e têm milhões… Estou convencido que os dois reclusos de Monsanto vão andar a circular de estabelecimentos com regularidade.
Porquê?
Aquilo é gente com muito dinheiro e isso faz com que haja uma probabilidade maior de alguém ser corrompido dentro das pessoas que trabalham no seu interior, bem como no exterior. Alguém apanhou quem colaborou com os fugitivos de Vale de Judeus?
Garantidamente o Estado português vai continuar a pagar multas ao TEDH?
Sim, sem dúvida. Não consegue cumprir nada. Lembra-se que a grande bandeira da ministra anterior era o encerramento do EPL, faseadamente até março de 2026, precisamente por causa disso. Acho que até gastaram 10 milhões em obras em quatro cadeias. As obras estão feitas, mas agora não vão fechar o EPL que já vai nos 1.000 presos…