Vencer o medo

Parece haver um consenso entre os partidos democráticos, quer na Alemanha, quer nos países mais liberais da Europa, sobre o que tem de ser feito para evitar o crescimento desenfreado dos nacionalismos…

Desde o alargamento a leste, a União Europeia perdeu parte da sua coerência. Os Estados que aderiram após o colapso da União Soviética fizeram-no mais por necessidade e por interesse oportunista do que por convicção. Os outros Estados que já integravam a União – que havia sido desenhada com uma componente identitária – sucumbiram aos interesses da Alemanha, mais interessada na sua reunificação e em abrir novos mercados a leste. 

Os tratados europeus garantiam que haveria um aprofundamento solidário da integração, mas essa promessa não resistiu à crise financeira de 2008. A Alemanha, ‘a nação indispensável’ que violara o Pacto de Estabilidade e Crescimento em várias ocasiões, nomeadamente entre 2002 e 2005, quando ultrapassou o limite de défice orçamental de 3% do PIB, devido à fraca economia e aos custos da reunificação, não teve uma contemplação recíproca. Merkel e Schäuble, chanceler e ministro das Finanças, foram os mais críticos e inflexíveis na exigência de medidas draconianas para os chamados PIIGS (Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha) – tudo isto enquanto a Alemanha acentuava a sua dependência a leste, na questão energética. Merkel denunciara a intenção, anunciada em 2000 pelo seu antecessor Schröder, de desinvestir no projeto nuclear, o que não lhe valera o Nobel da Economia mas lhe garantiria um chorudo emprego na Gazprom. Contudo, logo em 2010, após Fukushima, a chanceler inverteria a sua posição, decretando o encerramento das centrais nucleares para 2022. As consequências perversas dessa decisão foram evidentes quando Putin invadiu a Ucrânia.

Entretanto, a economia alemã já deixara de ser o grande motor europeu. A transferência tecnológica para a China resultara na perda de competitividade da indústria alemã e europeia. Para coroar o desastre, os efeitos da irresponsável política migratória de Merkel causaram o rápido crescimento da extrema-direita, particularmente nos estados da antiga República Democrática Alemã, onde reside um grande descontentamento e um foco de ressentimento.

Scholz, o sucessor de Merkel, foi um fraco líder. Foi titubeante ao recusar à Ucrânia armamento relevante, o que ajudou Trump a vencer as eleições americanas, e manteve relações tensas com Macron, fragilizando o mais importante eixo europeu, e com a Polónia, o seu outro grande vizinho. 

Por tudo isto, a Alemanha chegou onde chegou, e arrastou consigo a Europa. 

Felizmente, parece haver um consenso entre os partidos democráticos, quer na Alemanha, quer nos países mais liberais da Europa, sobre o que tem de ser feito, para evitar a irrelevância geoestratégica e travar a dissolução anunciada pelo crescimento desenfreado dos nacionalismos. É necessário construir uma política comum de defesa que inclua o Reino Unido e consiga defender a Ucrânia, controlando e regulando os fluxos migratórios, restaurando a indústria europeia e implementando políticas sociais que não fomentem a desigualdade e que invertam a crise demográfica, investindo na transição digital e nas políticas ambientais, procurando parcerias com o Mercosul e África, distanciando-se das políticas dos Estados Unidos da América no Médio Oriente. 

Não é provável, contudo, que tais políticas possam passar pelas soluções clássicas de Bruxelas. Até porque há países-membros, como a Hungria, que não querem adotar essa via. Eis a razão pela qual a Alemanha tem de ser a grande protagonista, pela escala da sua economia; e isso obriga o Governo de coligação a sacrificar o velho princípio do travão do défice e a deixar a Europa rever o PEC. É este o desafio que se coloca a Merz.