Joana Marques e Anjos. Terá o humor limites?

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O julgamento de Joana Marques e a dupla Anjos começou no dia 17 de junho. Já foram ouvidos os cantores e as suas testemunhas. No dia 30, será a vez de conhecer o lado da humorista. O tribunal terá depois de avaliar se o vídeo publicado por Joana – que brincou com a interpretação do hino nacional por parte dos artistas –, ultrapassou os limites do humor ou se se tratou apenas uma sátira legítima dentro da liberdade de expressão

Há duas semanas que não se fala de outra coisa. As redes sociais têm-se inundado de memes, os artistas têm partilhado a sua opinião nas suas páginas de Instagram, as televisões têm acompanhado o caso e a questão que se coloca é, mais uma vez, os limites do humor. Os protagonistas desta história são Joana Marques e a dupla Anjos, composta pelos irmãos Sérgio e Nelson Rosado, que neste momento têm um processo em tribunal contra a comediante. 

Recorde-se que o caso remonta ao ano de 2022, depois dos dois cantores terem interpretado o hino nacional numa prova de MotoGP, no Autódromo Internacional do Algarve, e de a humorista ter decidido fazer uma piada em torno do seu desempenho. Joana Marques publicou um vídeo da própria atuação, fazendo uma montagem com partes de reações do júri do programa da SIC Ídolos, do qual fez parte no mesmo ano. 

Mas aquilo que fez rir muitos não agradou aos irmãos que alegam que a locutora da Rádio Renascença lhes causou uma série de danos patrimoniais e não patrimoniais, estando agora a pedir uma indemnização no valor de mais de um milhão de euros, justificando que Joana Marques foi a responsável por vários concertos cancelados, parcerias com marcas que não se concretizaram, além das mensagens de ódio que continuam a receber. Sustentam ainda que «o vídeo não é uma reprodução, mas um vídeo novo» porque a humorista «cortou partes». «Há uma respiração que é cortada e faz tornar o vídeo um pouco mais hilariante», lamentou Sérgio Rosado, defendendo que este corte «altera a perceção sobre a performance». «O vídeo não é uma reprodução daquilo que foi feito, mas sim um vídeo novo, porque cortou partes daquilo que foi a nossa interpretação. (…) A ré cortou partes, há uma parte muito significativa da letra, que é o ‘levantai hoje de novo’, que foi cortada no vídeo da ré», acrescentou Nelson Rosado.

A primeira sessão decorreu no dia 17 de junho, no Palácio da Justiça, em Lisboa. Durante a primeira audiência, de acordo com o Observador que esteve no tribunal, o mesmo referiu: «Para se fazer bom humor não é preciso falar mal de ninguém. Defendo a liberdade de expressão, mas não posso prejudicar ninguém», admitindo acreditar que Joana Marques «não tivesse a noção do que o vídeo poderia ter causado». O cantor disse na sala do Juízo Central Cível de Lisboa que o grupo recebeu «ameaças de grupos nacionalistas». «Fomos obrigados a contratar segurança privada para estar à paisana no meio do público», explicou.

Nelson terá sofrido um derrame ocular e teve de tomar medicação para a ansiedade, adiantou ainda a SIC Notícias. Já Sérgio partilhou que teve «uma crise de acne» provocada pelo stress, revelando ter-se refugiado no desporto: «para não entrar uma depressão» decidiu «fazer uma prova de triatlo».

As testemunhas de Anjos

Ao segundo dia de julgamento ouviram-se algumas testemunhas dos irmãos Rosado. Segundo o Jornal de Notícias, o maestro Nuno Feist, foi o primeiro a depor defendendo a atuação: «Se o ritmo não foi alterado, se a harmonia não foi alterada e se harmonia encaixa, não posso dizer que houve desafinação. Isto [falando do vídeo publicado pela humorista] não são os Anjos que eu conheço», afirmou, acrescentando que compreende «a reação que as pessoas estão a ter», mas que sabe que o vídeo «não corresponde à verdade». 

Por sua vez, Sérgio Antunes, diretor técnico da Media Pro International, descreveu a transmissão como um «desastre ao nível técnico», com «erros de broadcast», nomeadamente delay e loop. Sobre o vídeo, para si, «foi claramente montado para atingir um fim». «Não devemos difundir e apoiar humor que vai ferir pessoas numa situação mais frágil», lamentou. Já João Pedro Ferreira, editor de imagem, disse que os cortes no vídeo foram feitos em «sítios planeados, estratégicos para causar ainda mais impacto à situação».

Na mesma sessão, foram ouvidos os empresários Pedro Miguel Ferreira Duque, Bruno Carvalho e Luís Ramos que admitiram ter cancelado contratos e patrocínios com a dupla após a publicação do vídeo. «Cada um de nós tem o nosso próprio negócio e o que não quer é má publicidade e polémica», disse Ferreira Duque. Bruno Carvalho, por exemplo, tinha assinado um contrato de 75 mil euros por dois anos com os cantores, mas acabou por cancelar. Luís Ramos tinha assinado com contrato de 85 mil euros, por dois anos, que incluía um concerto privado e a exploração da imagem. «Achámos internamente que não fazia sentido para a nossa empresa ficar associado a esta polémica que estava a existir», referiu.

Também Timi Montalvão, a produtora de Sérgio e Nelson Rosado – e que esteve presente durante a atuação –, depôs a favor dos cantores. De lágrimas nos olhos, contou à juíza que o momento foi «muito difícil para todos nós, porque a cultura foi a primeira a fechar e a última a abrir no pós-pandemia». «Os Anjos somos todos nós, somos todos uma equipa, uma família. Somos 28 pessoas, 28 famílias, que trabalhamos juntas e vivemos juntas na estrada», disse para justificar o facto de se referir a «nós».

Depois da publicação da humorista, a produtora ficou preocupada: «Não queria acreditar no que estava a ver», lembrou depois de defender que se trata de um «vídeo completamente manipulado».

Timi chegou a partilhar o vídeo original. Porém, segunda a mesma, já ninguém quis saber. «Uma coisa boa nunca consegue superar uma coisa má», lamentou, detalhando ainda que, antes, os irmãos tinham entre 40 a 50 espetáculos por ano, um número que, atualmente, foi cortado em «cerca de metade».

Durante a tarde foi a vez de Sílvia Rosado e Andreia Rosado falarem perante o juiz. A primeira contou o impacto que o vídeo teve nos filhos. De acordo com a mulher de Nelson, citada pelo Observador, as crianças diziam-lhe: «O pai não está bem». «Tive de o começar a adormecer. Eu nem sou religiosa, mas agarrava nas mãozinhas dele, fechávamos os olhos e fazíamos uma oração», recorda, referindo-se ao filho de 10 anos. Sobre a filha mais velha de 15 anos, contou que esta saiu em defesa do pai na caixa de comentários do vídeo publicado por Joana Marques. No entanto, o comentário «foi apagado». 

Andreia Rosado, mulher de Sérgio, mostrou-se emocionada: «Não vale tudo independentemente da profissão das pessoas», disse, avançando que «só não aconteceram coisas graves porque temos uma família incrível». «A nível psicológico, eles ficaram muito afetados», acrescentou. 

A última sessão do julgamento está marcada para 30 de junho, onde serão ouvidas testemunhas do lado da defesa, como Fernando Alvim e Ricardo Araújo Pereira. Ainda não é certo se a ré vai depor.


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