O verde, a cor da Natureza, evoca qualidades como frescura, saúde, pureza, harmonia e renovação. Diz-se até que é a cor da esperança. No entanto, no contexto do século XIX, esse simbolismo adquiriu contornos irónicos e, por vezes, trágicos. Um elemento químico omnipresente no quotidiano da época – o arsénio – condensava em si beleza e ameaça, cura e veneno, promessa e desilusão.
Até finais do século XVIII, os pigmentos verdes eram de origem mineral, como o verde-malaquite – carbonato básico de cobre, sensível a condições ácidas. Alternativamente, a cor verde podia ser obtida pela mistura de pigmentos azuis com amarelos. Em 1775, o farmacêutico sueco Carl Wilhelm Scheele protagonizou uma verdadeira revolução ao sintetizar um composto que ficaria conhecido como ‘verde de Scheele’. Um arseniato de cobre barato, de tonalidade viva e apelativa, resistente à luz, não tardou a ser amplamente usado em tintas. Tecidos, papéis de parede, mobiliário, brinquedos, flores artificiais, capas de livros, embalagens de doces, tudo ajudou a ditar a nova moda dos ‘verdes de arsénio’. Ao verde de Scheele juntar-se-ia, em 1808, o verde de Paris (ou verde-esmeralda, entre outros nomes), quimicamente um acetoarsenito de cobre. Contudo, o que era sinónimo de elegância ocultava uma ameaça invisível, como se entrevê na tela Bordadeira (1817), de Georg Friedrich Kersting (Museu Nacional de Varsóvia), na imagem.
O que se verificou ao longo de Oitocentos – já apelidado de ‘o século do arsénio’ – foi, no mundo ocidental, um envenenamento crónico quase coletivo, resultante da exposição repetida e prolongada a pequenas doses deste elemento semimetálico, incluído na classe dos metais pesados no âmbito da toxicologia. Causador de manchas na pele, espessamento das palmas das mãos e plantas dos pés, queda de cabelo, alterações nas unhas e problemas neurológicos, pode, a longo prazo, ser carcinogénico e provocar doenças cardíacas e hepáticas.
Paradoxalmente, era prescrito desde o final do século XVIII como agente terapêutico, sob a forma de preparações cuidadosamente dosadas. Na época, a farmacologia baseava-se, ainda, em princípios do paracelsismo, segundo os quais veneno e remédio se distinguiam apenas pela dose. Uma das formulações mais conhecidas foi a ‘solução de Fowler’, introduzida pelo médico britânico Thomas Fowler, em 1786. Consistia numa solução aquosa de arseniato de potássio, administrada por via oral no tratamento de várias patologias, como afeções cutâneas (psoríase, eczema), nevralgias, sífilis, reumatismo e estados febris. A apropriação popular do arsénico (trióxido de arsénio) no imaginário português é bem ilustrada por esta passagem do romance As Pupilas do Senhor Reitor (1866), de Júlio Dinis:
« – Toma arsénico, menino, toma. E por que não hás de tomar arsénico? O Sr. João da Esquina fitou na mulher um olhar sombrio.
Dir-se-ia que estava vendo nela uma nova Clitemnestra, de conjugícida memória.
– Toma-o tu, se gostas – foi a resposta que lhe deu, em tom de voz cheia de amargas exprobrações».
Um pó branco acessível, inodoro e insípido, além de relativamente solúvel em vinho, o trióxido de arsénio terá sido, ao longo da História, o veneno predileto de muitos homicidas. Fiel aliado de herdeiros impacientes, ganhou em França o cognome de ‘pó da sucessão’. Foi igualmente incorporado em tónicos para o apetite e em suplementos alimentares destinados a cavalos de corrida. Na Áustria, especialmente entre os camponeses da Estíria, era comum a ingestão de pequenas doses com os alimentos. E por se acreditar que clareava o tom da pele, foi também incluído em produtos como sabonetes e cremes.
No século XX, o progresso da toxicologia, aliado ao aparecimento de fármacos mais seguros, levou ao abandono gradual das preparações arsenicais. No entanto, o elemento ainda desempenhou um último papel de relevo com a arsfenamina, um composto desenvolvido, em 1907, no laboratório do alemão Paul Ehrlich (Prémio Nobel da Medicina em 1908 pelo seu trabalho sobre imunidade). Destinado ao tratamento da sífilis, causada pela bactéria Treponema pallidum, foi comercializado, a partir de 1910, sob o nome de Salvarsan. A célebre escritora dinamarquesa Karen Blixen, autora de África Minha (1937) e A Festa de Babette (1958), que terá contraído sífilis do marido por volta de 1915, foi uma das beneficiárias desse tratamento.
O arsénio, porém, não é apenas um problema do passado: ainda hoje representa uma ameaça à saúde pública em países como Bangladesh e a Índia, devido à contaminação natural de águas subterrâneas.