Destruir o pouco que tínhamos na Defesa Nacional foi fácil. Uma década de desinvestimento e a governação socialista (aplaudida pela geringonça) foram suficientes para colocar a Defesa num quase completo vazio de capacidades militares. Encher o balão agora vai ter de ser feito em esforço contínuo. Não vale a pena sequer agora discutir culpas ou as razões por que teremos de mudar o paradigma. São conhecidas e estão à vista de todos! A recente Declaração da NATO da Cimeira da Haia espelha essa importância geopolítica, ao reafirmar no conjunto dos aliados, o compromisso da Aliança num momento em que a agressão russa na Ucrânia permanece ativa, as tensões de instabilidade global no Médio Oriente, no Indo-Pacífico e as ameaças de cibersegurança aumentam. Com ela a NATO sinaliza a necessidade urgente de se melhorar significativamente no curto/médio prazo a resiliência das sociedades civis, a defesa territorial e a capacidade de rápidas respostas coordenadas, fazendo a Defesa evoluir de uma organização militar estritamente defensiva para uma estrutura de segurança mais integrada e adaptável a múltiplas ameaças, sejam elas armadas, híbridas, cibernéticas ou energéticas.
Em particular, esta Declaração aponta para uma meta de investimento de defesa de 5% do PIB até 2035 ultrapassando a meta histórica de 2% de 2014, que muitos países, Portugal incluído, ainda não cumpram em 2025. Prevendo esta conclusão da cimeira o Primeiro-Ministro Luís Montenegro até já vinha a antecipar as metas da Lei de Programação Militar afirmando “que Portugal vai reforçar em cerca de mil milhões de euros a verba para investimento direto em aquisições de equipamento, de infraestruturas, de valorização dos nossos recursos humanos na Defesa até ao final do ano corrente”. Durante a cimeira adiantou que “os Ministérios que tutelam a Defesa, os Negócios Estrangeiros, a Economia, a Ciência e Inovação, e o Ambiente e Energia estão a trabalhar para encontrar forma de utilização militar e civil para alguns destes investimentos” sendo que “nos próximos quatro anos, Portugal investirá acima dos 2% do PIB com uma evolução gradual ascendente, para que em 2029 esteja em posição de cumprir o objetivo final de 5% nos seis anos seguintes”. Este compromisso político está em acordo com o parágrafo da Declaração da Cimeira onde “os aliados assumem, num período de 10 anos, atingir um investimento na área da segurança e defesa de 3,5%» em gastos militares tradicionais (equipamento e treino), «a que acresce mais 1,5% de forma indireta», em investimentos de dupla utilização, civis e militares (cibersegurança, prontidão e resiliência estratégica)”. É ainda de relevo na Declaração salientar a abordagem ampliada de segurança que os Aliados colocam na ênfase em infraestruturas críticas, ciberdefesa, capacidades logísticas e proteção da retaguarda civil reconhecendo que a vulnerabilidade não está apenas na linha de frente.
O que isto significa concretamente para Portugal?
| Área-chave | Implicações específicas |
| Orçamento de Defesa | Reforço da pressão interna para, gradualmente, convergir para a faixa dos 2–3% do PIB até 2035, e estruturalmente apoiar o objetivo de 5%. Portugal antecipou para 2025 os 2%, mas agora terá de planear aumentos sustentáveis. |
| Modernização militar | Necessidade de acelerar programas de aquisição de equipamentos (Marinha, Exército e Força Aérea). Há mais espaço para justificação orçamental e maior alinhamento europeu. |
| Ciberdefesa e infraestruturas críticas | Potenciar investimento nacional e reforço de parcerias público-privadas em áreas sensíveis (telecomunicações, elétrico, transportes) sem esquecer a área vital da Saúde Militar e Proteção Civil para responder à nova ambição de resiliência da Aliança. |
| Convite à participação coletiva | Portugal pode assumir papéis de liderança — p.ex., em indústria, missões de treino, equipamentos de resposta rápida ou iniciativas de proteção civil — alinhadas com a nova arquitetura da NATO. |
| Oportunidades económicas e industriais | As metas de investimento abrem espaço a fornecedores portugueses de defesa e cibersegurança: há potencial para ganhar contratos europeus, impulsionar inovação local e criação de emprego especializado. |
Aqui chegados, continuam a estar presentes dois caminhos. O primeiro é o de sempre: feito de politiquice, criatividade orçamental e retórica circular. Passa por inflamadas oratórias na Assembleia da República sobre a necessidade de revisão do Conselho Estratégico de Defesa Nacional (também necessário, é verdade), com alguns deputados para quem uma munição 5,56mm ou uma granada 155mm são apenas “balas”, ou criação de grupos de trabalho para diagnosticar o que já está mais do que identificado. O resultado? Relatórios inócuos, propostas como colocar toda a indústria nacional a produzir botas, mas só para o pé esquerdo e, no fim, o mesmo imobilismo de sempre, sem soldados disponíveis para garantir os “boots on the ground”.
O segundo caminho é o da seriedade e do pragmatismo. Começa por definir, com objetividade, a que ponto queremos chegar em termos de efetivos, meios e capacidades. A partir daí, importa trabalhar de forma coordenada, transparente e com metas mensuráveis. E este não é um desígnio exclusivo dos políticos. As Chefias Militares têm aqui um papel decisivo. Se é verdade que a guerra, como dizia Clausewitz, é a continuação da política por outros meios, então a preparação para a guerra, ou melhor, a dissuasão eficaz, é demasiado importante para ficar apenas nas mãos dos políticos.
Tome-se o caso do Exército, que por razões de proximidade conheço melhor. O General CEME já apontou o rumo certo, promovendo a passagem da expectativa à iniciativa, com três linhas de esforço principais:
- Reorganização e modernização da Força Terrestre – ou seja, investimento real em pessoal e meios;
- Adaptação das infraestruturas – com melhorias nas condições de trabalho e vida dos militares;
- Reforma nos modelos de desenvolvimento e sustentação – que se traduzam em treino eficaz e capacidades operacionais reais.
Este modelo prevê, entre outros elementos, a defesa dos arquipélagos com Batalhões de Infantaria de elevada mobilidade e capacidade de resposta rápida, sistemas de Defesa Antiaérea, helicópteros de evacuação e apoio, capacidades de Apoio Militar de Emergência e Reservas de Guerra. A espinha dorsal da Força Terrestre deverá assentar numa Grande Unidade de características médias (Brigadas de Intervenção e Mecanizada), numa Grande Unidade de características ligeiras (Brigada de Reação Rápida), bem como no Comando e nas Forças de Apoio Geral e Sustentação Logística.
No curto prazo, o Exército aponta para a modernização das VBR Pandur e dos Leopard 2A6, a substituição dos M113, aquisição de meios de Artilharia de Campanha e Defesa Antiaérea, a constituição de um Batalhão de Engenharia de Combate e a criação de um Batalhão de Apoio de Serviços com módulos de Apoio Sanitário.
Num horizonte mais alargado, prevê-se a renovação e ampliação da Brigada de Reação Rápida e, a longo prazo, a edificação das Forças de Apoio Geral e Logística. Em paralelo, não se pode adiar mais, a aquisição de sistemas não tripulados, o reforço das Reservas de Guerra, a requalificação do património do Exército com a reabilitação de infraestruturas, com impacto direto na operacionalidade, nas condições de vida, na saúde e bem-estar dos militares.
O desafio das Forças Armadas não termina no Exército. A Marinha precisa de substituir as fragatas, adquirir novos helicópteros, reforçar a capacidade submarina, modernizar os Fuzileiros com viaturas blindadas e melhorar portos e infraestruturas. A Força Aérea tem de ultrapassar a indecisão sobre o futuro sistema de armas (F-35 ou solução europeia), renovar as suas esquadras, garantir mísseis em quantidade e investir em radares, proteção de bases e capacidade de projeção. E a lista não se esgota aqui, mas acima de tudo, não se pode esquecer o essencial: o Soldado. O sistema precisa de ser reformado, combatendo desperdícios, simplificando estruturas, dignificando funções e oferecendo remunerações condignas. Muito se fez no último governo AD, mas mais há ainda a fazer. Os militares são mal remunerados para o que se dispõem a oferecer ao País, o sacrifício diário e o maior, o da própria vida. Os jovens que ainda se dispõem a servir precisam de ser motivados e respeitados, integrados num projeto de valor nacional, seja ele voluntário ou num outro modelo de serviço militar, que com isto se espera não venha a ser necessário. E, num caso ou noutro precisaremos no curto médio/prazo de mais 10 mil pelo menos, e isso não está no mercado da Defesa, estará na educação cívica dos jovens e na vontade política dos governantes!
Este desafio de oportunidade também não se esgota nas Forças Armadas. O País tem de o compreender como uma alavanca para reforçar as suas capacidades internas e aumentar a resiliência nacional no mais curto prazo. Veja-se, em concreto, o caso da saúde militar: um País que não consegue garantir meios aéreos permanentes do INEM para socorrer os seus cidadãos não pode ignorar o que está em causa ao colocar um militar num teatro de operações de alta intensidade, sem um sistema de saúde de elevada prontidão e resposta. Este é, pois, o momento de concluir, equipar e tornar plenamente operacional o Hospital das Forças Armadas, mas também de reformular e reforçar o dispositivo regional de saúde militar — no Porto, em Coimbra, em Beja e nas Regiões Autónomas. Hoje, no conjunto, com as últimas políticas da saúde, também o cidadão comum disso beneficiará.
Mais do que um investimento na Defesa, os 1,5% do PIB devem ser entendidos como um investimento estratégico no País. Um esforço que se deve traduzir num retorno efetivo, não só para a Base Tecnológica e Industrial de Defesa, mas também na criação de um sistema integrado, interoperável e mais robusto de resposta a emergências, saúde pública, catástrofes e proteção civil. Trata-se, no fundo, de investir na segurança dos portugueses — dentro e fora de fronteiras. Em pleno 2025, há ainda muitos responsáveis políticos que não compreenderam que “Defesa Nacional” é, por definição, o somatório da defesa militar e da defesa civil. É essa complementaridade que a torna verdadeiramente nacional. Por essa razão, continua a fazer sentido questionar por que motivo a Proteção Civil não está integrada na dependência funcional do Ministério da Defesa Nacional. Num modelo coerente, quando uma capacidade se esgota, a outra avançaria — sem barreiras administrativas, sem pruridos institucionais ou vaidades de organigrama. Mas isso, porventura, é outra discussão e será pedir demasiado a políticos que só se lembram dos militares quando troveja e a Santa Bárbara se faz ouvir. Quando a tempestade passa, voltam ao silêncio confortável da ignorância estratégica.
Em resumo:
À semelhança do que o Exército já iniciou, é urgente que o Primeiro-Ministro defina uma Diretiva Estratégica clara que alinhe as várias áreas da Defesa Nacional. Que o Ministro da Defesa, com o apoio do CEMGFA, a traduza em capacidades efetivas. E que o país, como um todo, compreenda o que está em causa e se mobilize para o necessário.
Agora é tempo de deixar os discursos para trás, arregaçar as mangas — e calçar as botas.