Portugal enfrenta hoje um duplo desafio que se cruza: a crise habitacional e a emergência climática.
Os dados do Inquérito às Condições de Vida e do Rendimento do INE (2023) indicam-nos que, 21% da população residente vive em agregados sem capacidade financeira para manter a casa aquecida; 29% da população vivem em alojamentos com problemas no teto, humidade nas paredes ou apodrecimento das janelas ou soalho; e 38% enfrentam temperaturas desconfortáveis no verão. Paralelamente, o Parlamento Europeu e o Conselho aprovaram a Diretiva (UE) 2024/1275, que obriga os Estados-Membros a reduzir o consumo de energia primária dos edifícios residenciais em 16% até 2030.
Ora, como cumprir esta meta climática num parque habitacional envelhecido, com casas sem conforto térmico e onde a pobreza energética afeta transversalmente várias camadas sociais?
Objetivamente, muitos consumidores portugueses não dispõem de capacidade económica e financeira para suportar os custos associados à reabilitação dos edifícios. Outros (consumidores) perdem-se no momento em que tentam entender o mercado de energia, a multiplicidade de ofertas, onde a informação é extremamente técnica e os processos subjacentes demasiado complexos.
Com vista a apoiar a transição energética no setor habitacional, com especial foco no combate à pobreza energética, foi constituído um Grupo de Trabalho sobre Transição Energética na Habitação do projeto RAISE-PT, que envolveu entidades públicas, privadas, académicas e representantes da sociedade civil, em que a DECO teve o privilégio de participar, como coordenador ativo. Este Grupo de Trabalho foi criado com o objetivo de identificar os principais desafios à mobilização de investimentos no setor habitacional e propor recomendações que catalisem mudanças estruturais no setor.
Assim, foram identificadas barreiras significativas de ordem financeira, regulatória e administrativa, bem como lacunas em literacia energética e técnica que têm dificultado o investimento em medidas de eficiência energética e em fontes de energia renovável, essenciais para a concretização de um futuro sustentável.
Esta reflexão resultou num Policy Brief que alerta para a urgência de integrar políticas de habitação e energia, combatendo a pobreza energética com a apresentação de medidas fiscais, financeiras e regulatórias eficazes. Propõe uma transição energética justa, com foco no conforto térmico, no apoio à classe média e na capacitação dos cidadãos, defendendo o acesso à energia como um direito fundamental e não um privilégio.
A transição energética na habitação não é apenas uma meta ambiental é, cada vez mais, uma condição de justiça social e de competitividade económica. Ignorá-la ou tratá-la de forma residual terá custos elevados para o clima, para a saúde pública e para a resiliência das comunidades. A transição energética não pode ser apenas uma promessa para 2030 ou 2050. Tem de começar com intervenções concretas, hoje, nas casas onde se vive, sobretudo naquelas em que viver continua a ser sinónimo de desconforto e exclusão.
Convido a conhecer melhor o projeto e o documento do Grupo de Trabalho assinalado em https://www.raise.investeenergia.pt/habitacao