É, incontornavelmente, uma das figuras mais marcantes da política portuguesa no século XXI, dividindo opiniões ao longo da sua carreira. Ainda que tenha começado de forma discreta, a trajetória de José Sócrates culminou com a ascensão ao cargo de primeiro-ministro, foi marcada por conquistas, controvérsias e uma queda tão repentina quanto notável. Mas já lá vamos.
Nascido em 1957, em Miragaia, apesar de ter sido registado em Vilar de Maçada, em Alijó, Vila Real, José Sócrates cresceu na Covilhã. Mais tarde, formou-se em Engenharia Civil.
Já a jornada política, começou cedo, logo após o 25 de Abril, tendo sido um membro-fundador da Juventude Social Democrata (JSD), setor juvenil do Partido Social Democrata da Covilhã. Mas depois, no início dos anos 80, alistou-se no Partido Socialista. E foi ganhando algum destaque nos anos seguintes, começando a subir nas fileiras do partido.
Dois anos depois, assumiu o cargo de presidente da concelhia da Covilhã e, em 1986, tornou-se presidente da federação distrital de Castelo Branco. No ano seguinte, foi eleito, pela primeira vez, deputado à Assembleia da República para representar o distrito. Daqui para a frente, foi sempre a subir nos cargos políticos. Foi secretário de estado, ministro-adjunto e ministro do Ambiente. Foi primeiro-ministro de 2005 a 2011. Foi secretário-geral do PS entre 2004 e 2011.
Enquanto primeiro-ministro, as suas medidas nem sempre foram consensuais. Falamos, por exemplo, da construção do TGV, a privatização da TAP ou a aprovação do novo Código da Estrada. Outro dos temas mais controversos foi a privatização de empresas públicas, sendo o caso mais emblemático a venda da Energias de Portugal (EDP). A venda de 21,35% da EDP a um consórcio liderado pelo grupo China Three Gorges foi vista como uma entrega de ativos estratégicos do país a interesses estrangeiros. E houve ainda acusações de favorecimento político. Mas José Sócrates continuou a garantir a confiança dos portugueses.
Depois, em 2008, chegou a crise financeira global. Portugal não escapou a estes problemas e José Sócrates adotou várias políticas de austeridade para conseguir lidar com a crescente dívida pública e o défice orçamental. Cortes nas pensões e nos salários e o Plano de Estabilidade e Crescimento (PEC) foram as medidas mais controversas. Os PEC I, II, III e IV – este último o mais polémico e que incluía mais cortes nas despesas públicas, ajustamentos fiscais e reformas do setor público, com o objetivo de reduzir o défice orçamental – foram rejeitados no Parlamento. A – na visão de muitos – incapacidade do primeiro-ministro de resolver a crise trouxe muita insatisfação social. Isto começou a ser a queda de José Sócrates.
Em maio de 2011, ainda em resposta à crescente crise financeira, Portugal foi forçado a pedir um resgate financeiro à Troika (União Europeia, Fundo Monetário Internacional e Banco Central Europeu). O acordo de resgate de 78 mil milhões de euros implicou condições rigorosas de austeridade que afetaram ainda mais a população.
A rejeição desse último PEC pelo parlamento levou à moção de censura apresentada pela oposição, que foi aprovada, criando uma crise política sem precedentes.
José Sócrates acaba por pedir a demissão a 23 de março de 2011. A decisão de convocar eleições antecipadas era a única solução viável para resolver a crise económica do país. As eleições de 2011 resultaram numa vitória esmagadora da direita, com o PSD, liderado por Pedro Passos Coelho, a obter a maioria absoluta.
Da licenciatura ao caso Freeport
Um dos primeiros grandes escândalos a envolver o então primeiro-ministro e a abalar a sua imagem foi o caso da sua licenciatura na Universidade Independente, que, entretanto, fechou por irregularidades. Nessa altura, foram levantadas dúvidas sobre a validade dos créditos e o facto de Sócrates ter concluído o curso num período tão curto. O político reagiu com indignação e a instituição garantiu a validade do diploma. A Procuradoria-Geral da República acaba por arquivar o caso contra José Sócrates.
Ainda antes desta confusão, surge o caso Freeport. Nas vésperas das eleições legislativas de 2005, José Sócrates tornou-se um dos suspeitos de corrupção devido a ter subscrito o decreto-lei que permitiu que fosse aprovada a construção do outlet Freeport, em Alcochete. À data dos indícios investigados José Sócrates era ministro do Ambiente. Apesar de os indícios apontarem para um forte envolvimento do político, nunca foi constituído arguido nem nunca chegou a ser ouvido.
Em 2010 viu-se envolvido em mais um processo: o Face Oculta, que levou à condenação a pena de prisão de Armando Vara. O socialista é amigo de Sócrates e foram apanhados em escutas telefónicas a ter conversas comprometedoras, o que levou a outros processos. Sócrates nunca foi arguido e no âmbito da instrução da Operação Marquês, o juiz Ivo Rosa declarou nula a utilização das escutas do Face Oculta como prova.
Juntam-se casos como do Taguspark ou da TVI. A alegada tentativa de compra da TVI pela PT, com José Sócrates a ser envolvido num alegado plano de controlo da comunicação social. Rui Pedro Soares e Paulo Penedes, ambos do PS, acabaram no centro das atenções. Mas a TVI não foi vendida e o caso morreu aí.
Já o caso do Taguspark envolveu suspeitas de corrupção relacionadas com o apoio público de Luís Figo a José Sócrates nas legislativas de 2009. O nome do então primeiro-ministro entrou neste caso mas não chegou a ser arguido.
A queda final – Operação Marquês
Depois chegou a Operação Marquês – o maior e mais devastador processo judicial contra José Sócrates, um processo que se iniciou em 2013 e que levou à detenção do ex-primeiro-ministro a 21 de novembro de 2014 e à sua colocação em prisão preventiva no Estabelecimento Prisional de Évora. Em outubro de 2017 foi acusado da prática de 31 crimes de corrupção, branqueamento de capitais, fraude fiscal e falsificação. E foi este o caso que mais destruiu a sua imagem e reputação pública. Mais de uma década depois, vai a julgamento.