Antes de se apresentar em tribunal, na próxima quinta-feira, José Sócrates ainda vai a Bruxelas, subir mais um degrau nas inúmeras contestações que ao longo dos últimos 12 anos tem feito ao processo que corre contra si.
O antigo primeiro-ministro apresenta esta terça-feira uma queixa contra o Estado português no Tribunal dos Direitos do Homem relativa à Operação Marquês, em que é acusado.
Em declarações à agência Lusa, José Sócrates adiantou que está prevista uma conferência de imprensa para Bruxelas, em que estará acompanhado pelos seus advogados, para apresentar publicamente a queixa no tribunal relativa ao desenrolar de todo o processo.
A queixa agora apresentada junto do Tribunal Europeu, é o culminar de dezenas de pedidos de recurso e incidentes processuais com que Sócrates tem tentado evitar ir a julgamento ao longo dos anos. Agora com data marcada para se apresentar em tribunal para ser julgado no âmbito da Operação Marquês, Sócrates joga uma última cartada.
Julgamento ainda pode ser adiado
Apesar das expectativas de que seja esta semana o início do julgamento do antigo primeiro-ministro, há o risco de que os trabalhos não passem da primeira sessão. O processo que tem milhares de páginas e vários arguidos foi dividido em dois. Um, a chamada Operação Marquês, onde Sócrates será julgado por três crimes de corrupção, 13 de branqueamento e seis de fraude. E um segundo processo, que foi separado do principal, no âmbito do qual o juiz Ivo Rosa mandou para julgamento, em abril de 2021, José Sócrates e o empresário Carlos Santos Silva pela alegada prática, em coautoria, de três crimes de branqueamento de capitais e outros tantos de falsificação de documento.
A Juíza de instrução que avaliou o segundo processo, considerou que «há factos conexos» entre os dois processos, razão pela qual considera que eles devem ser julgados em conjunto, «para evitar a repetição de produção de prova e a eventual contradição de julgados».
É sobre esta sugestão da juíza Sofia Marinho Pires que a Juíza Susana Seca, que vai presidir ao julgamento, vai ter de tomar uma decisão. Caso decida aceitar juntar os dois processos como sugere a sua colega da instrução, o julgamento terá de ser interrompido porque, de acordo com a lei, as defesas de Sócrates e Santos Silva têm um prazo de 50 dias para se pronunciarem sobre a nova acusação.
Se assim for, o início do julgamento fica mais uma vez adiado e só terá data de recomeço já depois das férias judiciais.
Juristas que acompanham o processo dividem-se sobre a estratégia a seguir, num caso que pelos anos que já leva, se transformou num anedotário nacional. Os riscos de prescrição aconselham a que não haja mais adiamentos, pelo que, mesmo com riscos jurídicos, haja opiniões a aconselhar que o julgamento do Processo Marquês avance tal como está. Noutro sentido, há quem considere que a separação de processos tornará muito difícil uma decisão adequada sobre as acusações de branqueamento de capitais e falsificação de documentos que impendem sobre José Sócrates e o amigo Carlos Santos Silva.
Na quinta-feira, dia 3 de julho, esta será a primeira decisão que a juíza Susana Seca vai ter de tomar. Decida como decidir, é certo que esse vai ser um primeiro momento de exposição à crítica, num julgamento que promete estar no centro das atenções nos próximos meses, ou talvez anos, já que é a primeira vez que um antigo primeiro-ministro se senta no banco dos réus a responder por casos de alegada corrupção.
Uma ajuda de oito milhôes
De acordo com o processo instruído pelo ministério público, Carlos Santos Silva empresário e amigo de José Sócrates terá colocado à disposição do antigo primeiro-ministro montantes avaliados num total de oito milhões de euros.
Sobre os crimes de branqueamento de capitais, está em causa a alegada utilização pelos arguidos, entre 2011 e 2014, de contas bancárias de uma sociedade controlada por Carlos Santos Silva, da mulher deste e do motorista de José Sócrates, para entrarem na esfera do antigo primeiro-ministro montantes com origem ilícita.
Segundo a acusação do MP, com data de 2017, o empresário e amigo do antigo chefe de Governo terá sido um dos testas-de-ferro a que José Sócrates terá recorrido para ocultar montantes com os quais terá sido corrompido para beneficiar o Grupo Lena, o Grupo Espírito Santo e o grupo Vale do Lobo.
Sócrates e Santos Silva são acusados de três crimes de branqueamento de capitais que envolvem contratos de prestação de serviços, a utilização de contas bancárias e o arrendamento de uma casa no centro de Paris, alegadamente emprestada por Santos Silva a José Sócrates durante o tempo em que o antigo primeiro-ministro esteve a estudar na Sorbonne. Na altura deram que falar as grandes obras a que o apartamento foi sujeito, sempre sob as indicações de Sócrates e que terão custado muitos milhares de euros.
Ao longo de todos estes anos o antigo chefe de governo socialista tem vindo a contestar todas as acusações, dizendo-se vítima de perseguição por parte da justiça. Os inúmeros recursos que já interpôs são responsáveis pelo atraso do processo, muito para além do que seria de esperar. Por estes dias, muitas das acusações por factos ocorridos entre 2011 e 2014, logo a seguir a Sócrates ter abandonado o governo, ou já estão prescritos, ou estão à beira de prescrever.
Apesar das críticas e acusações de estar a atrasar a chegada do processo aos tribunais, para evitar ser julgado, a verdade é que Sócrates não desiste de contestar a justiça portuguesa e agora, que os juízes de várias instâncias deram como improcedentes novas contestações que atrasassem de novo o julgamento, Sócrates faz mais uma tentativa junto do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A queixa não tem valor suspensivo do julgamento, pelo que esta quinta-feira a primeira sessão do julgamento de Sócrates e dos restantes acusados deverá mesmo ter lugar.
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