Amigos que partem

Envelhecer é mau sobretudo porque os nossos amigos envelhecem também. Eu costumava passar muito tempo em Aveiro. Uma vez estive uns tempos sem lá ir e quando voltei e comecei a perguntar pelos amigos – já todos tinham morrido.

AFP

Querida avó,

Hoje gostaria de recordar Eduardo Gajeiro, o histórico fotojornalista do 25 de Abril, e muito mais.

Nunca falei com ele, mas, tive o privilégio de ver algumas exposições suas, e de o ouvir falar sobre o seu trabalho, sempre com imensa paixão. Aos 90 anos, a determinação que demonstrava era como se tivesse mais anos para viver dos que vividos.

Creio que foi o trabalho que lhe foi acrescentando mais vida aos anos.

Nascido em Sacavém, em 1935, o fotógrafo, que completou 90 anos em fevereiro, deixa-nos um vasto arquivo de uma obra de décadas que ilustra realidades políticas, sociais e culturais do país, modos de vida e personalidades diversas, num registo histórico desde a década de 1950 até à atualidade.

Por ocasião dos 50 anos do 25 de Abril, vi a belíssima exposição Factum, que esteve patente Galeria do Torreão da Cordoaria Nacional, em Lisboa. Uma seleção alargada de fotografias de um dos mais notáveis fotógrafos portugueses que acompanhou, de forma crítica, modos de vida, personalidades várias e acontecimentos da história recente do país.

Algumas das imagens mais relevantes do dia 25 de abril de 1974, entre outras séries de trabalhos que mostram o país nas suas diversas vicissitudes políticas, sociais e culturais, desde a década de 1950 até 2023, como o trabalho nas fábricas, no campo, na construção civil, emigração, repressão policial do Estado Novo, manifestações populares, revolução, religião, bastidores da política, entre outros assuntos.

O ano passado vi também a exposição Amor é fogo que arde sem se ver, de Eduardo Gageiro. Com uma seleção de fotografias presentes no seu livro homónimo.

Temos como obrigação perpetuar o fruto de uma longa carreira artística e jornalística.

Os amigos podem partir, fisicamente, mas a obra deixada jamais será esquecida!

Bjs

Querido neto,

Envelhecer é mau sobretudo porque os nossos amigos envelhecem também.
Eu costumava passar muito tempo em Aveiro. Uma vez estive uns tempos sem lá ir e quando voltei e comecei a perguntar pelos amigos – já todos tinham morrido.

Agora está a acontecer-me isso outra vez. Cada vez que vejo as exposições Retratos Contados de Ruy de Carvalho, por exemplo, a maior parte dos atores que contracenaram com ele, já morreram. Amigos que partem. Mas que ficam nas nossas memórias.

Recentemente partiu outro amigo. Eu sabia que o fotógrafo Eduardo Gageiro estava mal. Há uns tempos tinha falado com o neto e ele tinha-me dado a entender que o avô não estava bem.

Apesar disso – e de ele já ter 90 anos – não estava nada à espera de que ele morresse agora.

Éramos muito amigos. Ele ia muito a minha casa quando eu vivia em Lisboa. Era muito novo quando conhecera o meu marido.

Já tirava umas fotografias e o meu marido viu que aquelas fotos já eram muito boas – e por isso deu-lhe dinheiro para ele comprar uma máquina fotográfica mesmo boa e não aquela porcaria que ele tinha.

Por isso ele ficou sempre muito amigo dele – e também por isso tenho muitas fotografias dele. Uma delas está aqui na minha casa da Ericeira. Mas aquela de que eu gosto mais está em Lisboa.

Em 1967 Rubinstein veio tocar ao Coliseu e o Século Ilustrado mandou-o lá fotografá-lo.

É essa extraordinária fotografia que eu tenho.

Imaginem: Rubinstein, todo bem vestido, a tocar piano no palco enorme, sozinho – e diante dele a sala do Coliseu completamente vazia – porque era um ensaio!

Ainda nem acredito que ele não vai voltar a fotografar!

Fala com Afonso Gajeiro, neto de Eduardo Gajeiro. Realizem exposições de norte a sul, de Portugal, com o espólio do Eduardo. Para que mantenham vivas as memórias de Portugal, e as fotos do grande fotógrafo, o meu amigo que partiu.

Bjs