Os ataques dos Estados Unidos às bases de enriquecimento de urânio iranianas de Fordo, Natanz e Isfahan constituem um momento importante, quiçá de rutura, na avaliação de forças no Médio Oriente. E, talvez mais importante, é o regresso da dissuasão e o abandono da famigerada desescalada, uma das principais responsáveis por se ter chegado a um ponto tão crítico.
Os EUA, que desde Barack Obama adotaram uma postura diplomática para com o Irão em matérias de não-proliferação nuclear, sob a alçada de Donald Trump, resgataram a ideia da paz pela força. Pode parecer uma doutrina inerentemente negativa, mas não é. É uma doutrina milenar, uma constante ao longo da história das relações internacionais e um dos mecanismos mais eficazes de evitar conflitos armados. Os próprios pais fundadores americanos foram seus patrocinadores.
É evidente que um Estado pária como é o Irão desde a revolução de 1979, que apela à destruição de Israel e que certamente o faria caso tivesse oportunidade e capacidade, não pode atingir o estatuto de potência nuclear. E até porque um arsenal nuclear é uma das vias pelas quais os regimes tirânicos se perpetuam, algo que não seria nem favorável para a estabilidade da região nem para o próprio povo iraniano, em particular as mulheres, que é vítima de opressão e vê as suas liberdades serem grosseiramente atropeladas de forma sistemática. A este respeito, o caso da Coreia do Norte é paradigmático. Trata-se de uma análise relativamente simples, mas que foge à compreensão dos marxistas, da esquerda Foucault, e da hard right antissemita – uma aliança que, diga-se, foge à circunscrição da ortodoxia.
O que já não é tão simples é conseguir prever o resultado, ou resultados, de um jogo extremamente complexo como este. Os Estados Unidos, único país com capacidade para realizar um ataque daquela natureza, atingiram as bases nevrálgicas do desenvolvimento nuclear iraniano, sim. Mas terá sido um ataque assim tão bem-sucedido? Não sabemos. Não há certezas quanto aos danos causados pelos bombardeamentos, mas há algumas pistas que apontam para o facto de o urânio enriquecido continuar nas mãos do regime do aiatolá. As palavras de Rafael Grossi, o chefe da vigilância nuclear da ONU, quando disse que o Irão comunicou à Agência Internacional de Energia Atómica que iriam tomar “medidas especiais” para proteger o equipamento nuclear, são um exemplo disso: “Não entraram em pormenores sobre o que isso significava, mas era claramente esse o significado implícito, pelo que podemos imaginar que esse material existe”, disse, citado pela Reuters.
Por isto, o facto de ser altamente provável que o equipamento nuclear tenha sido prontamente deslocado após o início dos bombardeamentos de Israel indica que o assunto está longe de ser resolvido. A parte positiva é que a paz pela força regressou à Casa Branca e Trump mostrou que Robert Armstrong, do Financial Times, estava errado quando cunhou o acrónimo TACO, que significa “Trump Always Chickens Out”, ou, em português, “Trump acobarda-se sempre”. Se há muito para criticar nestes primeiros meses de segundo mandato, o que fiz com alguma regularidade, também há que reconhecer que foi Trump que acordou a Europa para aumentar os gastos em defesa e que adotou uma linha dura, mas necessária, com o regime iraniano. Tem sido alvo de críticas pela esquerda e por uma parte do seu próprio eleitorado, os conservadores que mantêm presentes os fracassos do neo-conservadorismo de George W. Bush. Independentemente disso, neste caso, Trump decidiu bem ao tentar aniquilar o programa nuclear iraniano. Veremos o que segue.