Um caminho errático

O montante que os estrangeiros colocam nos cofres da Segurança Social é cinco vezes superior àquele que é pago em prestações sociais.

1. O debate político está muito centrado em perceções e medo, duas armas explosivas para a democracia e que mina a confiança dos cidadãos nas instituições democráticas.

Ao longo dos últimos anos temos assistido ao crescimento da extrema direita baseada numa agenda anti-imigração, como se o cidadão imigrante fosse um perigo para as sociedades. Quando os partidos da direita democrática absorvem o discurso da direita radical o resultado é desastroso. Vem isto a propósito das alterações que o Governo apresentou à Lei de Estrangeiros e à Lei da Nacionalidade. São alterações que, do meu ponto de vista, representam um enorme retrocesso porque interrompem o paradigma humanista da política de imigração e uma política justa de nacionalidade, de que Portugal tem sido reconhecido em todas as instâncias internacionais.

O primeiro retrocesso trata-se da reintrodução de discriminações no acesso à nacionalidade consoante a origem do requerente, barreira que há muito tinha desaparecido. O segundo retrocesso manifesta-se no novo regime de perda de nacionalidade (que existe desde 1981) que poderá ter a sorte de ser declarado inconstitucional e não ver a luz do dia.

Quanto à Lei de Estrangeiros, o Governo prossegue na linha das perceções de que a imigração em Portugal está descontrolada e, por conseguinte, é preciso apertar os critérios de entrada. Persistir no fim do regime da manifestação de interesses, como se este tivesse sido o responsável da vinda de muitos estrangeiros e ignorar que para ter acesso a este mecanismo é preciso, pelo menos, doze meses de descontos para a segurança social, é ignorar a integração destes cidadãos no mercado de trabalho. As mudanças ao regime do visto de procura de trabalho, privilegiando os trabalhadores altamente qualificados, é ignorar a necessidades do mercado de trabalho e introduzir uma violação do princípio da igualdade. Quanto às regras do reagrupamento familiar, é desumano. Porque se aceita o reagrupamento familiar apenas para menores? E os outros familiares?

Quanto à criação do mini-SEF é também um retrocesso. As fronteiras são controladas pelas forças de segurança, a Policia Judiciária continua a fazer o combate à criminalidade, desde logo desmantelando as redes de imigração ilegal. Colocar nas mãos das forças de segurança a decisão e a execução de regresso ao país de origem é um sinal errado para a sociedade. Sem o dizerem, associam a imigração à criminalidade, ainda que o Relatório Anual de Segurança Interna desfaça este argumento.

Cedendo à agenda do Chega, e instalando o medo sobre o que é diferente, o Governo comente um erro crasso, deslaça a coesão social que temos tido e dá uma má imagem do país.

2. Porque as perceções se combatem com factos, importa realçar alguns dados importantes. O aumento da imigração em Portugal explica-se pelo dinamismo da economia e consequente criação de emprego. Nos últimos anos – 2014 a 2019 – o número de trabalhadores por conta de outrem cresceu 14,8%, aproximadamente 82% deste aumento explica-se com os trabalhadores estrangeiros. Nos últimos quatro anos, a imigração foi responsável por 64% do aumento da produção nas empresas em Portugal. As contribuições para a Segurança Social dos trabalhadores estrangeiros chegaram aos 3,6 mil milhões de Euros, valor recorde. O montante que os estrangeiros colocam nos cofres da Segurança Social é cinco vezes superior àquele que é pago em prestações sociais. Sim, os cidadãos imigrantes contribuem para o crescimento da nossa economia. Não, os cidadãos imigrantes não são subsidiodependentes, beneficiam de proteção social como todos os cidadãos que dela necessitam.

A política precisa de mais tempo para refletir, avaliar políticas, entender a realidade mais do que legislar ao sabor das perceções.

Eurodeputada e Vice-Presidente do Grupo S&D