Reflexão sobre os perigos da atualidade e os fantasmas de quando eu era criança

Este é o tempo em que o medo já não se esconde debaixo da cama, mas sim nas entrelinhas das notícias, nos perigos da tecnologia, na instabilidade do mundo e na ansiedade constante de estarmos sempre ligados.

Quando era criança, os meus medos tinham formas simples: o escuro do quarto, o monstro debaixo da cama, o som do vento a bater na janela. Eram fantasmas que, embora assustadores, pertenciam ao mundo da imaginação. Bastava a luz acesa ou a voz tranquilizadora da minha Mãe ou da minha Avó para que os medos desaparecessem.

Cresci num tempo em que os perigos vinham mascarados de contos e advertências simples, como por exemplo: não fales com estranhos; olha para os dois lados antes de atravessar; não aceites doces de desconhecidos. Eram fantasmas claros, quase palpáveis, que a infância aprendia a reconhecer e a temer.

Hoje, vivemos cercados de perigos que raramente se anunciam. Estão camuflados nas notícias rápidas, nos algoritmos silenciosos, na pressão de estarmos sempre conectados e disponíveis. O medo já não mora no escuro, mas na incerteza de um mundo em constante transformação. A solidão digital, a desinformação, a intolerância, a crise ambiental e a diversidade cultural são os novos monstros, invisíveis mas presentes, que exigem de nós uma nova forma de coragem.

De facto, este é o tempo em que o medo já não se esconde debaixo da cama, mas sim nas entrelinhas das notícias, nos perigos da tecnologia, na instabilidade do mundo e na ansiedade constante de estarmos sempre ligados. Também o contacto entre culturas deveria ser um ponto de união, mas nem sempre é fácil gerir as diferenças num mundo onde o medo do “outro” é ainda tão presente. São medos que não desaparecem com um interruptor ou um abraço. Crescem, multiplicam-se, e muitas vezes nem sabemos bem como enfrentá-los.

No entanto, é curioso perceber que, mesmo agora, os fantasmas de infância não desapareceram totalmente. Estão cá, disfarçados. A insegurança de não saber o que está escondido no escuro transformou-se na incerteza do futuro. O medo de ficar sozinho ganhou nova dimensão nas redes sociais, onde a solidão se pode esconder por detrás de mil “likes”. Apesar de vivermos num mundo em que os perigos são muitas vezes silenciosos e disfarçados, talvez a maior arma seja a empatia. Porque, no fim, todos carregamos sombras e todos procuramos um pouco de luz.

Percebo agora que o verdadeiro desafio da atualidade não é combater o que é estranho, mas sim o que se disfarça de familiar. Talvez a maior lição seja esta: os fantasmas mudam de forma, mas nunca nos abandonam por completo. Cabe-nos aprender a escutá-los, a entendê-los e a enfrentá-los — com coragem, empatia e, acima de tudo, humanidade.

Docente da UP do Instituto Universitário Militar