Tensão no MP.  Acumulação de funções no centro da polémica

Cerca de 200 procuradores vão aposentar-se nos próximos dois anos e meio. Procedimento de acumulação de funções, que custou ao Estado dois milhões em dois anos, está prestes a mudar. Sindicato contesta medida.

Até 31 de dezembro de 2028, deverão jubilar-se e/ou aposentar-se «cerca de 200 magistrados» do Ministério Público (MP), segundo uma estimativa da Procuradoria-Geral da República revelada ao Nascer do SOL. Esta é uma previsão «tendo apenas por base a idade e a antiguidade na carreira da magistratura do MP», salienta fonte oficial da PGR, pois vai ser feito «um estudo aprofundado e a longo prazo, que permita, nos próximos cinco anos, conjugando as saídas anuais previstas com as entradas previsíveis, assegurar um planeamento relativamente ao número de magistrados a prover neste horizonte temporal».

Atualmente, há 1.564 procuradores da República: 1.274 nos tribunais de primeira instância da jurisdição comum e 58 na jurisdição administrativa e fiscal, 81 nos tribunais da Relação e tribunais centrais administrativos, 30 nos supremos tribunais, 45 no Departamento Central de Investigação e Ação Penal e 75 nos departamentos de investigação e ação penal regionais e nas Secções Especializadas Integradas de Violência Doméstica). «Não há nenhuma comarca do país sem magistrados», esclarece-se, devido à gestão que tem sido feito na respetiva distribuição. «Sem prejuízo, o número de magistrados colocados é insuficiente face ao volume de serviço e ao número de magistrados que são efetivamente necessários, sendo do conhecimento público a elevada carência de magistrados», afirma o gabinete do procurador-geral da República, Amadeu Guerra.

O envelhecimento natural dos quadros e a opção política de diferentes governos de não abrir cursos anuais de formação de novos magistrados conforme aconteceu nos anos 80 e 90, contribuíram para a situação atual. A colocação dos procuradores em situação de acumulação de funções tem sido um dos instrumentos de gestão para suprir as carências.

A acumulação de funções é autorizada pelos conselhos superiores das magistraturas. No caso dos procuradores da República, «a acumulação é autorizada pelo Conselho Superior do Ministério Público, mediante proposta do magistrado do Ministério Público coordenador» dos serviços na comarca e depois de «ponderadas as respetivas necessidades e o volume processual existente».

Segundo a PGR, no primeiro semestre deste ano o CSMP autorizou o «cumulativo de funções a 48 magistrados e «não reconheceu 9 pedidos». Em 2024, foi autorizada a acumulação de funções a 124 magistrados (e indeferidos 24 pedidos). Analisando os dados fornecidos, relativos ao período entre 1 de janeiro de 2024 e 30 de junho deste ano, verifica-se que as comarcas mais carenciadas e em que há mais magistrados em acumulação de funções são Lisboa, Lisboa Norte e Lisboa Oeste (8, 9 e 17, respetivamente), Porto e Porto Este (21 e 6, respetivamente), Bragança (11), Castelo Branco (12) e Viseu (8).

A acumulação de funções é remunerada pelo Estado com um valor extra, calculado com base no vencimento do magistrado e que é fixado também pelo CSMP. No mesmo período temporal já referido, 75% dos magistrados em acumulação de funções estiveram a receber mais um quinto do respetivo vencimento, 13,84% recebem mais dois quintos do respetivo ordenado e 7,14% auferem um valor extra equivalente a três quintos do vencimento. Menos de 2% estão a auferir mais 50% do ordenado, pouco mais de 1% recebem 80% do vencimento e 0,89% recebem mais um ordenado.

Segundo a Direção-Geral da Administração da Justiça, entre 2020 e 2024, a acumulação de funções de magistrados do MP custou ao Estado cerca de dois milhões de euros. Só em 2024, foram autorizadas 151 acumulações pelo CSMP.

No entanto, o protocolo que tem servido desde 2020 pode estar prestes a mudar, com a aprovação do Movimento Ordinário de Magistrados do Ministério Público pelo CSMP, o que vai permitir que, a partir de setembro, procuradores possam ser colocados em vários departamentos e tribunais em simultâneo, sem o pagamento adicional do mecanismo que funcionava até agora. Uma manobra que o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público classifica de institucionalização da acumulação de funções e que esteve na base da contestação que resultou na greve de dois dias nesta semana.

 Para fazer face a escassez de magistrados a ministra da Justiça e o CSMP estão de acordo, sabe o Nascer do SOL, no encurtamento do período de estágio dos cerca de 60 magistrados que estão neste momento em formação no Centro de Estudos Judiciários (CEJ). A proposta visa reduzir para metade o estágio final no tribunal, habitualmente com duração de um ano. Com esta alteração, os magistrados em formação, do 40.º curso do CEJ (e provavelmente do 41.º) continuarão a trabalhar nos processos sob supervisão, mas sem poder assinar despachos, antecipando assim a sua entrada efetiva no sistema. Rita Alarcão Júdice, defende que a  solução permitirá formar os mesmos 120 magistrados que o sindicato reclama, sem recorrer a um curso especial, que demoraria dois anos a produzir resultados.