Os bárbaros estão à solta 

A responsabilidade não é das autoridades que toleraram o intolerável, e que permitem a exploração de migrantes em dificuldade. O mais fácil é culpar sempre o ‘outro’

Quando Pablo Picasso pintou o La Guernica, transpôs para a tela os horrores da guerra civil espanhola, antecâmara e local de experimentalismo da II Guerra Mundial. Foi na cidade de Guernica que os alemães testaram os bombardeamentos em carpete, que viriam a ser depois seu instrumento de terror.

Naquele conflito, resultado das fortes tensões do País, morreram mais de 500 mil pessoas, deixando sementes na sociedade espanhola que ainda se sentem. Os portugueses sempre souberam distinguir os lusos ‘brandos costumes’ da ‘fúria’ espanhola. Mesmo a ditadura portuguesa, comparando com a espanhola, teve versão soft.

Na última semana, na sequência de uma brutal agressão a um sénior espanhol em Torre Pacheco (na região de Múrcia), por três jovens magrebinos, iniciou-se uma vaga de protestos de extrema-direita, organizados pelo movimento ‘Deport Them Now EU’ (‘Deporte-os já União Europeia’, em português).

Aquele movimento, racista e xenófobo, ligado ao partido Vox (irmão do português Chega), chamou militantes seus de toda a Espanha para ‘caçar imigrantes’.

Naturalmente que este tipo de violência é uma novidade para todos nós, nos anos mais recentes, mas não deixa de se enquadrar numa sociedade com períodos de enorme violência interna, resultado das suas tensões permanentes, sendo também consequência da caixa de Pandora que se abriu com a ascensão da extrema-direita europeia.

A última década e meia da política europeia, e ocidental, foi marcada pela imposição de uma ideologia que levou ao limite do razoável (pelo povo) o relativismo moral e cultural, os quais, associados às crises do subprime e da covid, apanharam as sociedades zangadas. 

Os culpados por tudo, está visto, são os imigrantes. A responsabilidade não é das autoridades que toleraram o intolerável, e que permitem a exploração de migrantes em dificuldade. O mais fácil é culpar sempre o ‘outro’. 

Este texto parece mais um repisar de um tema, mas a realidade é que faltou aos governantes a capacidade de perceber que havia limites e de prever que isso teria consequências nas sociedades. 

O bom senso tem faltado nas coisas mais elementares. Em Portugal, faltou o bom senso de perceber que é imprescindível ter controlo de fronteiras e serviços públicos ajustados ao número de pessoas que aqui vivem. Noutras geografias, falta a coragem de afirmar que a liberdade religiosa que aqui existe não é desculpa para as mulheres andarem de burka, porque contraria a nossa cultura e porque ninguém pode andar de cara tapada. Ou, em algumas cantinas escolares, não se serve porco porque há meninos muçulmanos que não comem porco. Aqui come-se porco, haja alternativas para quem não come por razões religiosas ou porque são vegetarianos, por exemplo, o que não se aceita é a imposição de valores.

Esta imposição de valores criou um tal nível de irritação que permite a existência de agentes políticos que verbalizam o que era inimaginável e, da violência verbal, passámos para a violência física. A caixa de Pandora abriu-se.

A dificuldade, quando libertamos estas forças, reside em voltar a colocar ‘o génio na lâmpada’. Não volta porque, pura e simplesmente não gosta de lá estar.

A Europa, nas últimas vezes que se libertaram forças desta natureza, acabou provocando duas guerras mundiais. Perdida a memória histórica, perdeu-se o bom senso e regressam os bárbaros.

Em Portugal, o Governo atual da AD já está a tentar conter o problema, fazendo o papel de apaziguador: ‘alimenta o crocodilo na esperança de ser o último a ser comido.