Um ativo tóxico para vários governos e governantes

Quem diria que os problemas relacionados com a gestão de uma companhia aérea seriam acompanhados pelo público como se de uma novela se tratasse. Foi assim porque a TAP já queimou muitos políticos.

Conta-se que Luís Paixão Martins, o principal consultor de comunicação dos governos de António Costa, lhe disse um dia que o dossier TAP era o maior risco que o seu governo corria e que seria assim enquanto a companhia aérea estivesse nas mãos do Estado. Como diz o ditado, ‘si non e vero e benne trovato’. Ao longo das últimas décadas a gestão da TAP tem sido uma constante dor de cabeça para vários governos, quer sejam do PS, quer sejam do PSD.

Há décadas que os políticos discutem a privatização da TAP. O tema nunca foi consensual, por se considerar que a Transportadora Aérea Portuguesa era a última joia da coroa que restava ao país. Vender a TAP, no discurso de muitos políticos, era como vender uma parte do país. A discussão tem-se mantido, com avanços e recuos, ao mesmo tempo que o mercado da aviação foi tendo alterações profundas que tornam a ideia de uma companhia aérea pública, uma ideia cada vez mais rara no mundo, particularmente, na Europa. Grande parte das tradicionais companhias de bandeira europeias são hoje privadas e estão integradas em grandes grupos que englobam várias dessas transportadoras.

A explosão das chamadas companhias low cost trouxe uma nova concorrência ao mercado, reduzindo os custos do transporte aéreo, por via do aumento da oferta no mercado. Viajar de avião tornou-se uma opção barata para os passageiros, enquanto as grandes companhias começaram a sofrer fortes prejuízos, pela dificuldade de se adaptarem à nova realidade.

Na agenda desde Cavaco

A discussão sobre a privatização da TAP, arrasta-se desde os tempos da governação de Cavaco Silva. O antigo primeiro-ministro e Presidente da República não chegou a colocar uma proposta de venda em cima da mesa, mas foi no sentido de facilitar uma futura privatização que passou a transportadora aérea a sociedade anónima. Logo nessa altura, o tema da privatização gerou críticas nos partidos à esquerda do PSD, mas também no interior do próprio partido e do governo.

Foi em 1997, era António Guterres primeiro-ministro e João Cravinho ministro do Equipamento e Infraestruturas, que pela primeira vez se colocou em cima da mesa uma proposta de privatizar a TAP. Na altura, tal como agora, a proposta não era a de vender 100% da empresa. Cravinho propunha vender 49% da TAP à Swissair. O negócio não chegou a avançar porque, entretanto, a companhia suíça entrou em falência.

O tema não mais saiu da agenda política e, à medida que os anos foram passando, a empresa foi pesando cada vez mais nas contas do Estado. Os defensores de uma empresa pública, com o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda à cabeça, sempre se opuseram à privatização da TAP. Defendem que só com a empresa nas mãos do Estado é possível manter o hub em Lisboa, essencial para o interesse estratégico do país e também para manter o valor económico que a atividade da transportadora aérea traz ao país. Para comunistas e bloquistas a venda da TAP significa entregar a transportadora à especulação internacional que acabará por a destruir.

Para os sociais-democratas a privatização tem vindo a ser defendida desde os tempos do governo de Durão Barroso. No programa do XV governo (2002-2004) está claro que «a adoção de uma política clara e transparente de privatização da TAP, procurando as parcerias estratégicas que, numa base séria, viabilizem o seu saneamento financeiro a curto prazo e aproveitamento económico das rotas tradicionais, designadamente de e para os países de língua portuguesa». O objetivo estava no programa, mas não chegou a ser concretizado. Durão Barroso saiu do governo para a Comissão Europeia e foi substituído por Santana Lopes, que manteve o propósito de privatização. O curto tempo de vida deste governo também não chegou para cumprir o objetivo.

O tema da privatização da TAP foi sempre mais dúbio entre os socialistas. Depois da tentativa de António Guterres e João Cravinho, o partido nunca mais se entendeu sobre o que fazer com a transportadora aérea nacional. José Sócrates não teve o assunto na agenda, até que ele lhe foi imposto de fora. Quando Portugal começou a entrar em dificuldades financeiras, Bruxelas obrigou o primeiro-ministro português a incluir, logo no primeiro PEC, a alienação da TAP. Uma imposição europeia que acabaria por fazer parte do programa da troika em 2011. Mas nessa altura os socialistas deixaram o governo e, apesar de terem assinado o plano com Bruxelas, na oposição bateram-se contra a venda da TAP.

A primeira reversão de António Costa

Foi nos últimos dias, já com o governo em gestão, que o governo de Passos Coelho, com a assinatura do então secretário de Estado das Infraestruturas, Miguel Pinto Luz, vendeu a maioria do capital da TAP a um consórcio entre o empresário David Neeleman e o empresário português Humberto Pedrosa.

No país político já se adivinhava que o recém-empossado segundo governo de Passos Coelho não iria durar. O PS liderado por António Costa, apesar de ter perdido as eleições ultimava um entendimento inédito com comunistas e bloquistas que lhe permitiu chegar ao poder. Enquanto a geringonça era negociada, os socialistas foram avisando que não concordavam com a venda da maioria do capital da TAP e que reverteriam o negócio, caso Passos Coelho insistisse em realizá-lo.

Chegado ao governo, António Costa deu prioridade máxima à reversão da privatização da transportadora aérea nacional. Para o fazer Costa pediu ajuda ao seu melhor amigo, Diogo Lacerda Machado. Poucos meses depois, o consórcio que liderava a TAP aceitou reduzir a sua posição na empresa, para uma posição minoritária, e o Estado voltou a ter a maioria das ações.

A pandemia de Covid-19 fez o resto. Com o mercado de aviação parado, a situação da TAP degradou-se, à semelhança do que aconteceu com a maioria das companhias de aviação do mundo, obrigando a uma intervenção externa. O governo socialista pagou uma indemnização milionária a David Neeleman para que o empresário abandonasse a empresa e o Estado entrou com mais de 3 mil milhões de euros de dinheiro público para salvar a empresa.

Pedro Nuno e a maldição da TAP

O regresso da TAP às mãos do Estado foi um presente envenenado para o governo socialista e em particular para o ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, que tinha ambições a liderar o PS. Para além da situação económica da empresa, que foi obrigada a fazer uma reestruturação profunda, com despedimentos e diminuição de salários, uma indemnização paga a uma administradora, Alexandra Reis, foi o rastilho para que a TAP se transformasse mais uma vez num triturador de políticos.

O modo negligente como geriu o caso TAP, acabaria por ditar a demissão de Pedro Nuno Santos, manchado por uma atuação que os adversários políticos classificaram de irresponsável e negligente. Mesmo tendo saído do governo, Pedro Nuno teria de enfrentar uma comissão de inquérito parlamentar, cujas audições se transformaram num espetáculo de prime time televisivo. Aos factos que levaram à Comissão de Inquérito (sobretudo o caso da indemnização a Alexandra Reis), outros se lhe juntaram.

João Galamba, o nome que sucedeu a Pedro Nuno Santos no governo, também ele, acabou por ser vítima das polémicas em torno da TAP. Tudo por causa de episódios nunca vistos no interior de um ministério. O país ouviu atónito relatos de cenas de violência no gabinete de um ministro envolvendo assessores e secretárias. Na origem dos desacatos esteve um computador, onde, alegou o ministério, estava guardada informação confidencial relativa à TAP. Foi um caso que gerou enorme polémica e que chegou a envolver os serviços secretos. Episódios que o país acompanhou ao jeito de telenovela em longas sessões de audição parlamentar.

Mais uma vez se cumpriu a profecia de que o dossier TAP queima as mãos dos políticos que lhe querem pegar. É também, provavelmente, por essa razão que o reinício do processo de reprivatização da TAP foi um dos primeiros anúncios do segundo governo de Luís Montenegro que ainda não tem dois meses de vida.

Para já o tema ainda é consensual entre os três maiores partidos: PSD, Chega e PS. O facto de só ainda estarem à venda apenas 49,9% da empresa, para já, evita diferendos. Mas Chega e PS já disseram que a alienação do capital da empresa deve ficar por esta fase. Não é a vontade do governo, que ao seu lado só tem o apoio partidário da Iniciativa Liberal. O problema é que as duas forças políticas não reúnem votos suficientes para impor a decisão.

 A companhia aérea continua a ser fonte de discussão e luta política. Ao longo de décadas já hipotecou várias carreiras políticas. Será desta que TAP e políticos começam a seguir caminhos diferentes?