E eis-nos chegados ao terceiro e último artigo sobre os desafios da imigração. Tentei passar uma ideia simples: a imigração não é boa ou má em abstrato, depende da forma como ocorre. Se for feita de forma descontrolada, cria enormes desafios económicos. Mas o maior desafio é social, cultural e identitário.
Quando vivi nos EUA, vivi no seio de uma enorme comunidade imigrante. Silicon Valley é conhecida por isso mesmo, por atrair gente de todo o mundo. Depois do nome, a pergunta que me era feita com mais frequência era sobre a minha origem, pelo que eu próprio ganhei o hábito de perguntar o mesmo.
Recordo-me de uma vez fazer essa mesma pergunta a um tipo novo que havia conhecido. A resposta imediata foi «americano!», com a estupefação de quem considera a pergunta um ultraje. Tive de reformular a questão, porque estava algo incrédulo com a resposta – De que país eram os teus pais? – China – respondeu.
Sendo os EUA um país multiétnico, é perfeitamente normal encontrar pessoas etnicamente asiáticas que já estão nos EUA há várias gerações e que são tão americanos como um alemão (que são o maior grupo étnico do país) ou um irlandês. Mas não era o caso. A pessoa em particular era filho da 1.ª geração de imigrantes e não havia nascido em território americano. Não nasceu cidadão americano, mas tornou-se cidadão americano. Talvez mais importante, sentia-se cidadão americano.
Isto pode parecer pouco, mas não é. Este sentimento de pertença, este chão comum que une pessoas de etnias diferentes, credos diferentes, culturas diferentes é o que garante a coesão social de um Estado-Nação. E nem por isso o Wei havia trocado os seus dumplings ou os noodles pelo McDonald’s.
Infelizmente, a abordagem dos países europeus sempre diferiu muito da abordagem americana que, apesar de ser um país de imigrantes, conseguiu preservar o equilíbrio e a coesão social. No caso da Europa, não houve uma genuína preocupação com (alguma) assimilação e (bastante) integração, antes considerou-se viável a ideia de que culturas completamente distintas pudessem conviver no mesmo espaço territorial sem que houvesse necessidade de estabelecer um chão comum – algo conhecido como multiculturalismo.
Não se trata de exigir que todos comam bacalhau com natas ou deixem de celebrar o Ramadão. Trata-se de reconhecer que a convivência pacífica exige mais do que tolerância passiva: exige um conjunto de valores partilhados e um espaço cívico comum.
Nos EUA, respeitam-se as diferentes culturas, mas com assimilacionismo cívico. Ou seja, todos devem partilhar dos valores americanos. Já o que se passou na Europa foi diferente: criou-se a ideia de que é possível a coexistência de diferentes culturas, em paralelo, sem que tenha de existir um chão cívico comum ou sequer interação entre elas.
Esta segregação cultural levanta sérios desafios, sobretudo porque permite que possam existir comunidades fechadas que vivem à margem da própria lei do país que as acolhe. Está amplamente noticiado, tendo o próprio Conselho da Europa aprovado uma resolução onde atesta que a lei da Sharia está a ser aplicada em países europeus, com especial destaque para o Reino Unido. Esta mesma passividade conduziu aos subúrbios franceses ou belgas, bolsas sociais e culturais que são um país dentro de um país, panelas de pressão social.
Isto leva-me a duas posições políticas. Primeiro, a de que é absolutamente essencial para a atribuição de cidadania (ou seja, de nacionalidade) que haja esse sentimento de partilha e de pertença a valores comuns. Chamemos-lhe valores europeus: separação entre Estado e religião, igualdade entre homens e mulheres, liberdade de expressão, liberdades individuais. Não é negociável.
Segundo, que a integração, em ambos os sentidos, é crítica para que não ocorram choques sociais e culturais. O país que acolhe tem de ter condições para receber quem o escolhe, e quem o escolhe tem de estar predisposto a querer fazer parte da comunidade cívica onde escolheu viver. A coexistência só se torna comunidade quando há uma identidade partilhada – e essa identidade não nasce por decreto, mas sim por esforço mútuo.