O ano parece estar a ser difícil para o setor dos vinhos do Douro, tal como já foi o de 2024. «A vindima de 2024 foi uma das mais dramáticas da história da vitivinicultura portuguesa», diz ao Nascer do SOL, Paulo Amorim, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes e Exportadores de Vinhos e Bebidas Espirituosas (Anceve).
O responsável explica que muitos viticultores «deixaram as uvas por colher, ou por não conseguirem encontrar compradores ou pelo facto de o preço que lhes foi oferecido implicar um prejuízo demasiado avultado e não compensar o seu trabalho, após um ano de investimento nas vinhas».
Foi a partir dessa vindima, lamenta, que o setor passou a ser «diferente», «mais crispado, menos unido e com muitos viticultores, produtores, comerciantes e exportadores a tentarem vender as suas empresas ou a ponderarem pura e simplesmente abandonar a atividade, por ser clara e insustentavelmente deficitária».
Paulo Amorim refere que, ao longo de toda a sua vida profissional, nunca assistiu a uma vindima tão difícil como a do ano passado uma vez que o setor «regista dificuldades de produção e colheitas cada vez mais imprevisíveis, devido às alterações climáticas, a que acrescem os novos problemas surgidos com os seguros de colheitas». Mas o problema é ainda maior, tendo em conta que a vindima desde ano «será muito provavelmente ainda mais dramática do que a do ano passado, tal como as notificações aos viticultores por parte de compradores tradicionais, anunciando que não lhes ficarão este ano com as uvas, antecipam desde já».
Paulo Amorim adianta ainda ao nosso jornal existir «uma enorme preocupação com o momento atual do setor vitivinícola, que enfrenta desafios significativos, face à quebra e alterações dos padrões de consumo, à instabilidade do contexto internacional, à dificuldade em conseguir aumentar o valor acrescentado, à deficiente remuneração dos viticultores, aos apelos constantes às destilações de crise e aos negócios por elas proporcionados, ao controle relativo ao trânsito de vinhos, às reclamações sobre as deficiências da fiscalização, à problemática em redor do arranque de vinhas, ao futuro do Programa VITIS e às importações de vinho a granel de baixo preço, que desvirtuam o mercado», acrescentando que a geração de excedentes de vinho e as alterações nos padrões de consumo «são apenas dois dos grandes desafios do setor».
Para tentar minimizar estes e outros problemas, a Anceve esteve reunida esta semana com a Comissão Parlamentar de Agricultura e Pescas, à qual tinham solicitado uma audição, com caráter de urgência. «É fundamental conseguir remunerar melhor os viticultores. Em muitas regiões estes só sobrevivem graças ao facto de desenvolverem outras atividades profissionais, que ajudam a complementar o trabalho na vinha», diz Paulo Amorim ao nosso jornal, acrescentando que muitos pequenos produtores «resistem a unir esforços, o que lhes permitiria muito maior massa crítica e repartição de custos. Grupos de cinco, seis ou até mais produtores poderiam ter uma adega comum, um chefe de viticultura, um enólogo, um administrativo e um responsável comercial, que trabalhariam para todos e potenciariam uma muito maior competitividade global».
Lembrando que o vinho é «um dos embaixadores mais poderosos da marca Portugal no mundo e leva longe o nome do nosso país», o presidente da Anceve diz que «o maior e mais imediato desafio da fileira vitivinícola Portuguesa é conseguir aumentar o valor acrescentado nos mercados internacionais, no sentido de remunerar melhor e mais condignamente os viticultores, dessa forma assegurando que as vinhas são rentáveis, cada vez mais bem tratadas e produzem as melhores uvas».
Já Frederico Falcão, presidente da ViniPortugal, confessa também que, em termos de produção para este ano, fala-se «que as regiões vão ter uma quebra grandinha, e o Douro é uma delas, com até uma quebra superior a 20%». Mas isto, avisa, são números que não são certos. «Ainda não temos uma fotografia muito clara em termos de quantidade de produção», avisa.
No que diz respeito ao Douro, Frederico Falcão adianta que «houve uma redução do benefício, da parte que irá parar a vinho do Porto, ou poderá ser para a produção de vinho do Porto» e que essa «questão do benefício, ou da autorização de produzir vinho do Porto, tem um impacto grande na região do Douro, porque é mais valorizada a uva para vinho do Porto do que para vinho do Douro, ou para vinhos não Porto» Ora, ao reduzir-se a quantidade que vai parar a vinho do Porto, «significa que as outras uvas vão ser valorizadas com preços bastante mais baixos», o que perfaz «um problema económico e social» naquela região.
Para Frederico Falcão também não há dúvidas de que será uma «vindima difícil» porque «há muitas casas compradoras de uva que já anunciaram que não vão comprar mais uva, vão comprar muito menos uva, e isto põe um problema aos viticultores, no fundo, a quem tem uva para vender, que muitos deles não têm para onde a vender, não têm para onde escoar a sua uva, não têm onde vender a sua uva».
Mas diz que o Governo já tem algumas soluções em cima da mesa relacionadas com o pagamento das uvas para fazer vinho, «que depois irá ser destilado e a água ardente ficará à guarda do Instituto de Vinhos Douro e Porto, para ser mais tarde utilizada na produção de vinhos do Porto».
Ainda que saiba que o setor enfrenta problemas, o presidente da ViniPortugal avisa: «Não é exclusivo a Portugal».
Em Portugal, acrescenta, «diria que o Douro e o Alentejo são as duas regiões que estão com um problema um bocadinho mais complexo. As coisas não estão fáceis». Mas Frederico Falcão considera que «é um setor resiliente, está um bocadinho habituado a períodos menos fáceis e, de facto, estamos a passar aqui um período de muita complexidade, de muita dificuldade para quem tem uvas para vender e não as consegue vender».
E lamenta que alguns empresários do setor possam ficar pelo caminho. «De facto, estamos num ciclo menos favorável. É normal que alguns possam, eventualmente, abandonar a atividade por não ser lucrativa. Embora haja ajudas e se tente minorar a coisa, seja a tomar medidas para ajudar a produção, de facto, o setor está a passar um momento difícil e é natural que nestas alturas alguns abandonem a atividade. É lamentável, temos pena que isso aconteça, tentamos sempre ajudar, mas estamos num contexto mundial que nos é adverso», diz ao i.
Tarifas de Trump não ajudam
Ao Nascer do SOL, tanto Paulo Amorim como Frederico Falcão falam sobre os problemas que as tarifas de Trump podem trazer. «Não ajudam», diz Frederico Falcão, acrescentando: «Para além do valor das tarifas em si, é a instabilidade no mercado mundial que isso cria. Isso cria muita instabilidade, faz parar muitas encomendas, faz retrair o mercado, e, portanto, nada disto ajuda».
Problemas a que se juntam as guerras no Médio Oriente e na Ucrânia e Rússia. «Toda esta instabilidade traz prejuízos económicos, traz instabilidade económica, traz retração das economias, traz inflações. Tudo isto ajuda negativamente a que haja menos consumo de vinho, porque não é um bem essencial».
Já Paulo Amorim adianta que Trump «tem dado inúmeros tiros nos pés desde o momento da sua investidura, há pouco mais de meio ano» e que, se essa medida se concretiza, «é mais um erro crasso de estratégia».
«As tarifas geram sempre uma série de retaliações em cadeia de outros países, assim dificultando cada vez mais a rentabilidade da circulação de bens, que é fundamental para os EUA», diz o presidente da Anceve, acrescentando que, por outro lado, «todo o sistema de importação e distribuição de vinhos nos EUA é muito dependente dos vinhos Europeus, nomeadamente dos vinhos italianos e franceses, incluindo o champagne, não esquecendo os vinhos portugueses e espanhóis». «Não é só com os vinhos da Califórnia, que são muito caros e que sofreram quebras de produtividade dramáticas em consequência dos incêndios, nem só com os vinhos Chilenos e Argentinos, que a distribuição nos EUA consegue ter massa crítica e sustentabilidade económica», acrescenta o responsável. E alerta: «Os importadores, distribuidores, restaurantes e lojas de vinhos necessitam dos vinhos Europeus e sem eles verificar-se-ão despedimentos e falências em grande escala».
Paulo Amorim lamenta ainda: «Para o setor vitivinícola português esta medida vem no pior momento, pois o mercado norte-americano é fundamental para os vinhos nacionais. Todas as regiões serão afetadas, até porque a concorrência ficará ainda mais exacerbada nos outros mercados». Mas deixa uma mensagem de esperança: «Não podemos nem devemos baixar os braços».