O Festival Músicas do Mundo (FMM), em Sines, criado para celebrar o encontro de culturas e a diversidade, tem-se vindo a transformar, segundo muitos locais, numa tribuna ideológica da esquerda radical. O evento é financiado com dinheiros públicos pela Câmara Municipal, ou seja, pago por todos os munícipes, independentemente das suas convicções políticas. Este ano, assistiu-se a um acentuar de episódios polémicos: ataques a instituições do Estado democrático, retórica anti-israelita e acusações dirigidas ao próprio povo português, o que gerou legítima indignação.
Vejamos dois exemplos ilustrativos e nem foram dos mais radicais. A artista brasileira Bia Ferreira desferiu graves acusações à polícia e a Portugal, e o artista angolano Kiluanji Henda, que inaugurou uma exposição, lamentava a «tentativa de normalizar a descolonização» e afirmou, de forma historicamente falsa, que «os portugueses foram os primeiros a começar a escravatura e os últimos a terminar».
Este tipo de discurso, apoiado com fundos públicos, levanta questões que a sociedade democrática não pode ignorar.
O discurso de ódio, se proferido por um artista, é menos grave? Não. Um artista que utiliza o palco para atacar etnias, profissões ou nacionalidades não está acima da lei nem da ética. Se um músico gritasse «Sieg Heil» em palco, alguém o justificaria como ‘expressão artística’? Quando se acusa toda uma força policial de racismo ou todo um povo de maldade histórica, a gravidade não se esbate. Ter palco é ter influência. E influência exige responsabilidade.
O discurso de ódio vindo da esquerda é mais tolerável do que o da direita? Não. O ódio é eticamente condenável, venha de onde vier. Contudo, é notória a existência de um duplo critério: discursos radicais de direita são imediatamente condenados, enquanto os da esquerda são frequentemente relativizados como ‘resistência’ ou ‘voz dos oprimidos’. Esta assimetria mina a confiança nas instituições, descredibiliza o combate ao extremismo e alimenta a polarização.
O Estado, as câmaras municipais e outras entidades públicas devem financiar artistas que promovem discurso de ódio? Não. O Estado deve manter neutralidade e responsabilidade cívica. Financiar com dinheiro público artistas ou iniciativas que incitam ao ódio racial, político, étnico ou religioso compromete a legitimidade democrática. Não se trata de censurar opiniões. Trata-se de não usar os impostos dos cidadãos para alimentar ressentimento, divisão ou radicalismo ideológico.
Reescrever a história é mais admissível quando feito por alguém de esquerda? Não. A falsificação deliberada de factos históricos ou sociais é sempre um ato de manipulação. É eticamente reprovável e intelectualmente desonesta. Quando promovida por figuras públicas, torna-se ainda mais grave. Distorcer acontecimentos, negar evidências ou repetir mitos ideologicamente convenientes é grave, seja qual for a orientação política.
O Estado deve financiar quem distorce a verdade? Não. As instituições públicas devem promover o rigor, a honestidade intelectual e o debate sério. Financiar artistas ou projetos que propagam falsidades, ainda que disfarçadas de ‘narrativas críticas’, é uma forma de corrupção cultural e uma abdicação da responsabilidade democrática.
Há limites. E subsidiar o ódio, ainda que disfarçado de arte ou resistência, é ultrapassá-los. O Estado não pode ser cúmplice da radicalização ideológica nem da mentira institucionalizada.