Há quem esteja a tentar ou fazer negócio com os famosos logradouros. Nos últimos dias circulou um vídeo nas redes sociais que mostrava um grupo de imigrantes a visitarem uma espécie de arrecadação, na freguesia de Alvalade, em que a pessoa que mostrava esse espaço dizia apenas: «Dá para pôr camas». O vídeo deixou entretanto de estar disponível, mas era possível perceber que local não tinha qualquer tipo de saneamento.
Contactado pelo Nascer do SOL, a junta de freguesia disse apenas que não tinha conhecimento do vídeo, nem de qualquer situação relacionada com o alegado arrendamento de logradouros, mas ao nosso jornal tanto associações de proprietários como de inquilinos admitem que este tipo de arrendamento ilegal é cada vez mais frequente.
«Além de ser ilegal é comum encontrar o mesmo de tipo de situação com o arrendamento de lojas, em que rapidamente se tornam um local de dormitório, e tudo isso é feito com a cumplicidade das autoridades, naturalmente», admite António Machado, secretário-geral da Associação dos Inquilinos Lisbonenses (AIL). De acordo com o responsável, estes casos não chegam através de queixas ou denúncias à associação, uma vez que «é tudo clandestino». Mas a AIL vai acabando por estar a par. «São casos em que não há da nossa parte intervenção direta ou pessoal, mas tendo conhecimento de arrendamentos que são feitos na clandestinidade, na informalidade e que são marcados pela falta de condições. Tudo é feito, acima de tudo, com a cumplicidade das autoridades, dos municípios, resultado da falta de fiscalização. É inadmissível», confessa ao nosso jornal.
Em relação à fiscalização, António Machado reconhece que, mesmo quando existe, não há consequências para quem prevarica. «Esta coisa da fiscalização tem muito que se lhe diga, porque há casos em que a Polícia Municipal de Lisboa vai ao local, põe as pessoas na rua, mas o proprietário ficou impávido e sereno, ou seja, não lhe acontece nada e, como tal, é natural que volte ao mesmo. Quem paga as favas, desculpe o termo, são os desgraçados que estavam a pagar por esse espaço». E acrescenta: «A fiscalização não pode ser esta, a fiscalização tem de ser outra, tem de dar uma pancada forte e feia no proprietário. A responsabilidade não pode cair toda nos necessitados, naturalmente, porque quem não tem dinheiro sujeita-se a estas situações. Isto mostra que quando acontece alguma coisa geralmente recai sobre o prejudicado, que já é vítima dessa situação».
Os alvos destes arrendamentos ilegais não só com os imigrantes, mas também com os estudantes «para contornar os preços caríssimos que estão a ser praticados». Daí a entidade ter entregue agora ao Governo 30 medidas para tentar resolver o problema da habitação, apelando ao Governo que opte por regular, registar e fiscalizar o mercado de arrendamento, que imponha medidas regulatórias quanto aos preços que são cobrados no mercado e que aposte em programas para aumentar a oferta, nomeadamente captando casas vagas e devolutas.
De acordo com um estudo do idealista, o esforço financeiro exigido para arrendar uma casa em Portugal aumentou para 83% no segundo trimestre, um ponto percentual acima dos 82% registados na mesma altura de 2024.
Viver na clandestinidade
Também o presidente da Associação Lisbonense de Proprietários (ALP), Luís Menezes Leitão, admite que esse tipo de local não tem condições para ser arrendado como habitação. «Infelizmente estamos a assistir a muitos casos de arrendamentos ilegais, nomeadamente no caso de arredamentos de espaços comerciais, mas não só. É algo que nos está a preocupar bastante», assume ao Nascer do SOL.
No entanto, lembra que é muito difícil de fiscalizar e também reconhece que a ALP só fica a par das situações quando estão a ocorrer. «Geralmente quando estes casos são conhecidos é quando há problema. Infelizmente estamos a assistir a estes casos de arrendamentos em Lisboa, nomeadamente de lojas e de espécie de arrecadações. São situações que estão fora do mercado habitual e estamos sempre perante situações de arrendamentos ilegais», salienta.
E chama a atenção para um aspeto: a licença de habitação só é exigida para casas posteriores a 1951, mas se o espaço estiver identificado como armazém ou como garagem não pode ser utilizado para habitação. «Nestes casos, pode haver intervenção do condomínio por haver mudança do fim a que está a ser destinado», acrescenta.
No site da Junta de Freguesia de Alvalade é apresentado um programa de requalificação para a zona de logradouros, acenando com o facto de ter sido apresentada à população uma primeira proposta de requalificação em outubro de 2019 e, a partir daí, recebeu mais de três dezenas de contributos sobre este processo. Face a esse cenário pretende plantação de 100 árvores (de arruamento e de fruto, em pomares) e de espécies arbustivas e herbáceas, criação de talhões hortícolas, aumento da área permeável, criação de parques infantis, disponibilização de 45 lugares de estacionamento para residentes, criação de novos acessos pedonais e melhoria do mobiliário urbano.