As mentiras sobre a emigração portuguesa

O resultado são guetos urbanos e zonas de não-integração que alimentam insegurança e fragmentação social

O debate atual sobre a imigração está profundamente contaminado por mentiras e manipulação. Um desses exemplos é a comparação entre a emigração portuguesa para França, sobretudo entre as décadas de 1960 e 1980, e a atual vaga migratória proveniente do Norte de África para a Europa. Tal paralelo não tem nenhum fundamento sério: é uma falácia grosseira que confunde fenómenos que nada partilham de essencial, apaga diferenças decisivas de natureza, contexto e impacto, reduzindo a história a um moralismo superficial e intelectualmente desonesto. Não se trata de negar a dignidade intrínseca de cada pessoa, mas de recusar a perversão intelectual que consiste em confrontar realidades incompatíveis apenas para diabolizar políticas de regulação da imigração urgentes e que respeitam a dignidade das pessoas. 

A emigração portuguesa para França foi, na esmagadora maioria dos casos, ordenada e enquadrada por acordos bilaterais, contratos de trabalho e canais institucionais claros. Os portugueses chegavam com destino certo, inserção laboral imediata e plena regularização legal. Já a atual migração vinda do Norte de África é, em larga parte, fruto de entradas irregulares, rotas de tráfico humano e ausência de acordos prévios com os países de destino. Equiparar estes dois movimentos é confundir o que resulta de cooperação soberana entre Estados com o que decorre de pressão demográfica descontrolada e de violação sistemática de fronteiras.

A falácia não é apenas jurídica; é também civilizacional. O português que chegava a França partilhava com a sociedade de acolhimento uma base cultural, religiosa e moral ampla: valores de família, respeito pela lei, afinidades linguísticas e históricas que facilitavam a integração e tornavam a coabitação possível. O fluxo atual, pelo contrário, provém em grande medida de sociedades com códigos culturais, jurídicos e religiosos frequentemente incompatíveis com a ordem civil europeia, desde a relação entre religião e Estado até à posição da mulher, passando pela liberdade de expressão e pela própria conceção de lei e autoridade. Integrar não é apenas dar emprego; é garantir coesão moral e política, acolher e assimilar segundo regras que respeitem a dignidade de todos.

A diferença de escala e impacto completa o retrato. A imigração portuguesa foi numericamente relevante, mas absorvível, dispersando-se pelo território e respondendo a uma carência de mão-de-obra. Hoje, a pressão migratória de outras latitudes é massiva, concentrada em poucas décadas, com elevadas taxas de natalidade e forte concentração territorial. O resultado são guetos urbanos e zonas de não-integração que alimentam insegurança e fragmentação social.

A analogia, portanto, não é inocente. É uma arma retórica usada para manipular a memória histórica e legitimar a diluição cultural. Os portugueses que foram para França integraram-se e prosperaram sem exigir que a França deixasse de ser França. O que se exige agora, pelo contrário, é que a Europa se reconstrua segundo os códigos de quem chega. Aceitar isso não é solidariedade. É rendição e suicídio civilizacional.

A imigração portuguesa para França foi marcada por um enquadramento legal claro, resultante dos acordos de 1963, 1971 e 1974, que garantiu emprego certo, documentação regular e integração facilitada. Esse modelo explica por que a comunidade portuguesa em França teve um percurso mais estável do que muitas outras diásporas, tornando-se hoje uma das mais numerosas e bem-sucedidas da Europa.