Nestas, ganha relevância política, não só o que se promete fazer, mas, porventura mais significativamente, a escolha dos temas que devem fixar a atenção dos eleitores.
Muitas de tais propostas são, simplesmente, a conclusão lógica dos tópicos simbólicos que se quer enfatizar, mas pouco têm a ver com a resposta às questões que urge, de verdade, solucionar.
À direita, a que falecem representações de futuro, privilegiam-se, por isso, assuntos como o da segurança, o da ordem que, se assevera, reinava e se perdeu, o da moralidade dos programas educativos, o da primazia dos direitos dos nacionais sobre os dos estrangeiros.
Temas, esses, que remetem para uma memória idealizada de um passado em que a vida – dizem hoje – corria com tranquilidade e respeito.
Pouco importa, agora, demonstrar que tal retrato/memória é uma fantasia que, então, a censura dos noticiários ajudou a fabricar.
Tal retrato foi desenhado e publicitado, tendo-se fixado no imaginário coletivo de uma parte significativa do eleitorado.
À direita basta, pois, apelar a essa memória – consabidamente idealizada – para, capciosamente, nela inscrever propostas socialmente regressivas que com aqueles temas pouco têm, afinal, a ver.
Trata-se, pois, de uma astúcia.
Já a esquerda que, durante e depois da revolução, mudou, significativamente e para melhor, a vida dos portugueses, deixou que lhe fosse colada a imagem de ser a responsável pela degradação do “atual estado de coisas.”
De nada importa que tenha sido ela que aprovou: o Serviço Nacional de Saúde, onde antes nada existia; as leis e direitos laborais reforçados; a escola pública acessível a todos; os passes sociais nos transportes públicos; as creches gratuitas e pensões de reforma e sociais, para proteger os mais carenciados.
O seu julgamento não será, nunca, fundado na luta que travou para a edificação de tais projetos, nem em razão do “futuro” onde estes seriam inscritos como parte relevante de um edifício maior e mais perfeito.
A memória que, por inteiro, lhe está associada é, sim, a da frustração dos combates corajosos que (parte dela) sempre travou para bloquear a investida a que, sempre, têm sido sujeitos esses direitos.
À direita basta-lhe a memória difusa de um passado severo que, todavia, não pode referenciar e, menos ainda, esmiuçar; aí reside a sua ilusória virgindade e, também, a sua inapresentável novidade.
A esquerda arrasta, pois, sozinha, o ónus da erosão das conquistas sociais que conseguiu concretizar.
Conquistas que, ao longo dos anos, uma direita – agora já assumida como tal – e uma parte da esquerda com ela sempre complacente, foram e vão procurando erodir.
A esquerda não pode deixar, pois, de as eleger como tema eleitoral.
Enquanto isso, a direita vai conseguindo encobrir que, no passado idealizado a que sempre alude, os direitos sociais mal existiam: nesta matéria, era o deserto.
Por outro lado, a esquerda tem, agora, dificuldade em inscrever as suas propostas sobre direitos sociais e económicos num projeto de futuro que, agora mais democrático, gostaria de refundar e promover.
O seu único retrato é “estrangeiro” e o que dele foi concretizado e, depois, invariavelmente, descaracterizado, não cabe mais na moldura que então o sustentou, não podendo, por isso, ser novamente exibido com a cintilação da estrela polar.
A estratégia da esquerda tem sido, pois, centrada na memória da resistência ao fascismo e, depois, já em democracia, contra o desgaste incessante das conquistas sociais alcançadas com o 25 de Abril.
Esta estratégia, pela natureza do tempo e da memória, tem, contudo, limites inultrapassáveis e já próximos.
Como num puzzle, sem a inserção correta das peças no desenho do tabuleiro do futuro e da esperança, não há propostas, mesmo que apelativas, que pareçam curiais, e isso fragiliza sempre quem as apresenta.
Reconstruir uma ponte visível entre o que é hoje possível e justo fazer já e o que se deseja amanhã erguer é, pois, fundamental.