Este verão tem sido particularmente quente. Desde a última semana de junho, as temperaturas noturnas situam-se em regra acima dos 20 graus, muitas vezes com vento forte. Sucedem-se os dias de calor abrasador, em particular no interior norte, onde não se verifica o tradicional arrefecimento noturno. E ao contrário do que tem sucedido nos últimos verões, não houve um único dia de chuva neste período. Ocorreram apenas trovoadas secas, que contribuíram para atear incêndios. Tudo isto depois de chuvas intensas no inverno e na primavera, que fizeram crescer a vegetação rasteira.
Como previsto pelos cientistas, as alterações climáticas estão de facto a acontecer e a um ritmo assustador. Quem passou férias no Algarve sabe que a água do mar esteve 5 a 7 graus mais quente do que é normal. O clima mediterrânico alastrou a todo o território e tudo começou a arder, como sucedeu em janeiro na Califórnia, onde, apesar de todos os recursos existentes, os incêndios deflagraram em pleno inverno. Desapareceram quase vinte mil edifícios e morreram pelo menos 30 pessoas, tendo sido desalojadas duzentas mil. O mesmo cenário repete-se agora na Turquia, Grécia, Itália, França e particularmente em Espanha, que vive uma catástrofe em tudo idêntica à nossa.
Os incêndios florestais são, neste quadro, inevitáveis. Irão repetir-se ano após ano, situação que não podemos escamotear. Teremos de viver com esta realidade. Mas a nossa incapacidade para mitigar os impactos dos incêndios não é inevitável. Precisamos, desde logo, de uma política de emergência descentralizada, seja por regiões, seja por comunidades intermunicipais. Gerir catástrofes a partir de Lisboa e da ANEPC é um caminho para o fracasso.
Sabemos bem o que temos de fazer. Os planos municipais não podem continuar a permitir a construção de habitações ou equipamentos em áreas florestais, assim como é indispensável criar uma economia da floresta que liberte recursos para que esta possa ser tratada, explorada e valorizada pelos proprietários. E também é urgente profissionalizar os bombeiros e, quando estes não estão a combater incêndios, incumbi-los de desmatar a floresta e de construir aceiros.
Sabemos igualmente quais são as nossas carências. Faltam meios tecnológicos de deteção, como os drones. Faltam brigadas permanentes em pontos críticos, prontas a atuar antes que os incêndios ganhem dimensões dantescas. Faltam centros de recolha de biomassa vegetal, onde se possa depositar e reaproveitar toda essa matéria orgânica. Falta expropriar os terrenos que estão ao abandono e não são limpos pelos proprietários. Faltam penas pesadas para os incendiários e a aplicação obrigatória de prisão preventiva a quem é apanhado em flagrante delito. Falta o reforço dos meios aéreos pesados, que devem ser propriedade do Estado.
Tudo isto é evidente, e deve servir de base a um consenso relativamente a políticas multidisciplinares de prevenção e combate aos incêndios. Coisa que só é possível se evitarmos a vozearia, a demagogia, o revanchismo.
Mas a «ética do fingimento», como lhe chamou Miguel Morgado, continua a imperar e é insuportável. Horrorizada pelas imagens e pela narrativa, impelida pelas exigências imediatistas da comunicação social e inflamada pela demagogia que já condiciona as próximas eleições presidenciais, a opinião pública deixa-se levar pelas emoções. Censura a aparente ausência e insensibilidade dos políticos como outrora criticava a presença excessiva dos mesmos no teatro de operações, que então denunciava como oportunista.
O país livre e democrático suicida-se neste jogo de máscaras, adiando decisões e insistindo em estudar o que já está diagnosticado. Virá o inverno e tudo ficará adiado, para só ser lembrado com o regresso do calor e dos incêndios. Uma tragédia que, com sentido de Estado, consensos, coragem e reformas, ainda podemos evitar.