O Herói do Século XXI: O “Ibiza Boss”

Se na Idade Média o herói era o santo, na Idade Moderna o explorador, e no século XIX o cientista e o patriota, no século XXI o herói é o influencer. A sua missão não é transcender-se, mas acumular likes.

Qual é a substância de um herói no século XXI? Vivemos na era do liberal-progressismo, onde os símbolos culturais já não se medem pela grandeza dos feitos, mas pela capacidade de gerar cliques, partilhas e contratos de publicidade. O herói de outrora, que transcendia a sua condição humana através de feitos militares, espirituais ou científicos, foi substituído por uma nova categoria de ídolo: o final boss da era digital.

Um exemplo paradigmático, entre milhões de outros semelhantes, é o “Ibiza Boss”. A figura mais mediatizada e comentada entre os jovens no verão de 2025 não é um atleta, um inventor ou um estadista, mas Jack Kay, um inglês de 26 anos que foi até Ibiza. Uma pessoa banal, de corte à tijela, corpo de ginásio e tatuagens de gosto duvidoso. Em poucos dias, tornou-se o rosto global daquele verão.

O que fez ele? Nada, absolutamente nada de significativo. Foi filmado durante sete segundos a dançar de forma quase imóvel e desajeitada, e, mal o vídeo se espalhou pelo TikTok, alcançou milhões de visualizações em poucas horas. Duas semanas depois, assinava contratos com agências de viagens, viajava gratuitamente pelo mundo e cobrava milhares de euros por presenças em discotecas.

O fenómeno diz tudo sobre o nosso tempo. Antigamente, a ideia de herói implicava superação: o guerreiro que se sacrificava em combate, o explorador que desbravava territórios desconhecidos, o santo que renunciava a si mesmo pela fé, o cientista que revelava uma lei da natureza. A glória estava ligada à transcendência, ao serviço de algo maior do que o próprio interesse. Hoje, a transcendência foi substituída pelo algoritmo. O jovem banal, sem talento, sem virtude, sem obra, é elevado a ídolo instantâneo porque encarna na perfeição a lógica do nosso tempo: visibilidade imediata, monetização automática, celebridade sem mérito. A grandeza, a coragem e a entrega foram reduzidas a métricas digitais. Já não se pergunta o que alguém fez, mas quantas visualizações conseguiu. As televisões, tantas vezes com campanhas moralizadoras sobre valores e comportamentos, produzem ao mesmo tempo programas que vivem deste mesmo vazio.

O “Ibiza Boss” não é apenas uma anedota viral: é um sinal dos tempos. Representa o triunfo da vacuidade convertida em mercadoria, a glória fabricada sem substância, a fama sem esforço. A ascensão meteórica deixou de resultar de feitos; nasce agora de um vídeo casual, amplificado pela lógica cega dos algoritmos. A notoriedade tornou-se uma lotaria distribuída pelo acaso das partilhas. Esta é também uma consequência do que apregoamos como progresso.

Mas o problema é mais profundo: não estamos apenas a trocar heróis por influencers, TikTokers e YouTubers. Estamos a mudar o nosso imaginário coletivo. Uma civilização que já não distingue grandeza de vulgaridade, mérito de acaso, substância de aparência, é uma civilização em dissolução. O herói liberal-progressista não combate guerras, não funda cidades, não descobre territórios, não revela verdades. Limita-se a existir perante uma câmara, a mover-se de forma suficientemente caricata para que o vídeo se torne viral.

Se na Idade Média o herói era o santo, na Idade Moderna o explorador, e no século XIX o cientista e o patriota, no século XXI o herói é o influencer. A sua missão não é transcender-se, mas acumular likes. A sua recompensa não é a memória duradoura, mas a remuneração efémera. A sua grandeza mede-se em seguidores, não em feitos.

O caso de Jack Kay é paradigmático. Ele não enganou ninguém, não produziu nada, não construiu obra alguma. Apenas foi apanhado no momento certo, diante do algoritmo certo, e isso basta. A sua ascensão fulgurante não é exceção, é a regra. É o reflexo fiel de um tempo em que a notoriedade é, por si só, a única forma de transcendência reconhecida. Instaura-se uma nova lei da física: quanto mais baixo se desce, mais depressa se sobe. Isso acontece no entretenimento, na política, nos comentadores, nos novos famosos.

E este mecanismo não se limita ao entretenimento. Ele espelha a lógica profunda do liberal-progressismo: na política, substitui-se a liderança pela imagem mediática; na cultura, a criação dá lugar à viralização; na vida quotidiana, a substância é trocada pela performance. Em todos os domínios, aquilo que importa já não é a verdade, mas a visibilidade.

Por isso, o “Ibiza Boss” não é apenas uma curiosidade de verão: é um espelho cultural. Mostra-nos que vivemos numa era em que o mérito deixou de ser critério, em que a fama não nasce de feitos, mas de algoritmos, em que a glória não se conquista, recebe-se por sorte digital.

Eis, portanto, a essência do nosso tempo: a glorificação do efémero, a mercantilização do nada, a substituição da grandeza pela notoriedade. O herói morreu; o influencer ocupa o seu lugar. E o problema não é ele, somos nós.