Ò Portugal se fosses só três sílabas
de plástico, que era mais barato!
Do poema Portugal de Alexandre O’ Neill
Há não muito tempo, junto a uma caixa de um supermercado, uma senhora de meia idade retirou do saco de plástico parco de compras quatro iogurtes e uma pequena embalagem de detergente para a loiça. “Pode anular estas compras? Estamos no final do mês e o dinheiro não chega para tudo”, justificou, visivelmente envergonhada. A fatura pouco ultrapassavam os 15 euros. Um homem, atrás dela na fila, disse de imediato: “deixe estar, minha senhora, eu pago.” “Não vale a pena”, replicou a embaraçada cliente. O homem insistiu e pagou a totalidade da compra. “Obrigado, obrigado, a vida está muito difícil”, agradeceu a cliente.
Esta envergonhada cidadã é seguramente uma das pelo menos 1,7 milhões de pessoas pobres ou e risco de pobreza em Portugal que têm um rendimento mensal líquido inferior a 632 euros, segundo o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento, que o Instituto Nacional de Estatística revelou no ano passado. Outras instituições credíveis dizem da população que vive na miséria já atinge mais de 20% da população.
Além disso, de acordo relatório anual Portugal Balanço Social 2024, da Nova School of Business & Economics, os trabalhadores portugueses com menores rendimentos são também os que mais sofrem com precariedade, os que trabalham mais horas e mais dificuldade têm em encontrar um trabalho a tempo inteiro por falta de oportunidades, os que estão sujeitos a mais riscos e perigos no trabalho.
São os que cada vez maior número não tem dinheiro para pagar a renda da casa; os que comem apenas graças à nobre ação de várias instituições de solidariedade social. São os mendigos que cada vez mais nos abordam na rua pedido uma esmola; os que não têm dinheiro para os medicamentos. São os que vivem sempre mais sufocados pelo custo de vida que não pára de subir acima dos aumentos dos salários a subsídios. São os “pelo menos 300 mil”, que, segundo várias instituições, passam fome em Portugal. São os que não tem voz, os que, apesar dos (insuficientes) apoios do Estado, vivem num inaceitável desemparo.
O mais recente relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos sobre a pobreza chama-lhe “um dos desafios mais urgentes que o país enfrente”. Já o é há muitos anos. Se assim é, porque não agem os políticos de forma ativa contra este flagelo que nos devia indignar e envergonhar a todos? Porque não entra nos debates que tudo discutem (muitas vezes inutilidades) dias a fim?
Tenho algumas respostas, embora possam existir muitas outras: porque não votam; porque empurrar a miséria para debaixo do tapete, esconde o falhanço pela falta de ação efetiva do combate à miséria dos que têm mandado no país ao longo dos anos. Porque alguns deles são imigrantes e, como tal, para os partidos de extrema direita e para alguns antes moderados que agora lhe seguem as ideias, só cá estão para “mamar” subsídios e roubar o país aos portugueses.
Sei os sucessivos governos têm apresentado planos quase sem conta contra a pobreza com centenas de medidas e que a pobreza foi atenuada, mas grande maioria do escrito está por cumprir. Sei que há subsídios como o Rendimento Social de Inserção e outros, mas não passam de migalhas que pouco ajudam.
Quando temos duas eleições à porta, é fundamental que os candidatos autárquicos e presidenciais tragam para o topo da atualidade “desafio urgente”. Que as promessas que seguramente vão fazer não passem disso mesmo e que usem a sua influência para que os governos tomem medidas sérias para acabarem, ou, pelo menos, atenuarem significativamente de vez este flagelo que corrói Portugal.
No próximo dia 17 de outubro assinala-se o Dia Internacional para a Erradicação da Pobreza. Como sempre, vão surgir novos relatórios, anúncios, promessas e planos de ação. Que, tal como nos fogos florestais, não seja tudo remetido ao esquecimento até ao próximo ano. Não falta onde ir buscar dinheiro. Apenas dois exemplos: as duas principais cadeias de supermercados lucraram 2,4 milhões de euros por dia em 2024. Só até junho deste ano, as câmaras municipais arrecadaram 65 milhões de euros em taxas turísticas.
Tenham vergonha. Eu tenho.
Jornalista