A mentira política é cada vez menos um descuido e cada vez mais um cálculo deliberado por parte das lideranças políticas, governamentais ou partidárias. A pergunta íntima, colocada em surdina ou em reuniões de assessoria, é sempre esta: “será que ganho mais ao mentir do que perco?”. Este mecanismo favorece frequentemente quem já acumula capital político, minando a confiança democrática. O problema é que hoje a internet, mais ainda do que a comunicação social tradicional, amplifica essas memórias falsas e torna a correção quase impossível. Não é novidade. A política sempre se alimentou de mitos: a célebre história da cerejeira de Washington, onde o pequeno George teria confessado ao pai que cortara a árvore favorita com um machado, é um exemplo clássico de ficção edificante. Narrativas simplistas ou mesmo inventadas foram sempre usadas como instrumentos de legitimação, convertendo líderes em modelos de virtude, independentemente da verdade histórica.
O drama é quando estas mentiras têm consequências muito mais gravosas na vida real e na governação da urbe. Não surpreende, por isso, que surjam vozes defendendo que mentir em política deveria ser crime. A resposta legal, porém, é arriscada: o conceito de “mentira política” é fluido e abriria caminho a abusos, podendo transformar-se numa arma para silenciar o debate democrático. O mais prudente é reforçar a transparência institucional, os mecanismos de responsabilização e a participação cívica, com sanções claras e proporcionadas.
Em tempos de crise internacional os governantes recorrem muitas vezes a omissões ou meias-verdades, as chamadas “mentiras nobres”, justificadas como necessárias à defesa nacional. Ainda assim, tais práticas raramente ficam imunes a consequências políticas, sobretudo quando falham. No plano europeu, não é difícil identificar omissões ou eufemismos nas negociações do Conselho ou em declarações sobre fundos comunitários. Aqui, a eficácia dos resultados é muitas vezes o escudo que legitima a retórica, não a sua moralidade. Portugal e outros países europeus vivem hoje mergulhados em episódios constantes de mentira política: promessas eleitorais repetidas até à exaustão, slogans de ocasião, inversões oportunistas de discurso em função do calendário. Narrativas nacionais ou locais, como a “inovação”, as “políticas verdes” ou a “marca socialista Viseu Nova Energia” soam modernas e eficazes, mas escondem frequentemente falhas estruturais, funcionando como versões contemporâneas da cerejeira de Washington.
E os exemplos abundam: Putin insiste na ficção de que a invasão da Ucrânia é uma “operação militar especial” contra “nazis em Kiyv”, quando o mundo inteiro testemunha a agressão brutal; a Europa esconde-se em retórica ambígua sobre defesa comum e imigração descontrolada, prometendo soluções que nunca chegam; em Portugal, a mentira tem rostos concretos, de José Sócrates e os processos judiciais intermináveis, a António Costa apanhado em contradições no caso da “Operação Influencer”, até Luís Montenegro, que tem enfrentado acusações de conflitos de interesse enquanto tenta afirmar uma nova narrativa.
No panorama político, português e europeu, a mentira tornou-se uma ferramenta banal, mas felizmente ainda continua vulnerável à melhor arma de todas: uma cidadania informada, crítica e exigente, capaz de separar a retórica da realidade e de exigir integridade onde hoje impera a encenação. Vivemos mergulhados numa crise profunda de confiança na política. O diagnóstico é claro: o povo já não acredita nos políticos. E quando essa descrença se instala, o populismo encontra terreno fértil. Não é apenas uma tendência portuguesa, é um fenómeno europeu e global. Em Portugal a perceção é agravada por uma repetição anual de falhas e promessas não cumpridas que se tornaram quase um ritual de desilusão.
Ano após ano, e resultado de pesada herança da “geringonça socialista”, que o novo governo vai adiando, repetem-se os mesmos discursos e os mesmos erros:
- Os incêndios regressam todos os verões, sempre com as mesmas causas, sempre com interesses instalados a bloquear soluções estruturais.
- A tão falada reforma do Estado nunca acontece: muda-se o nome do Observatório, criam-se comissões, mas o resultado é apenas mais despesismo público.
- Na defesa, o desinvestimento foi tão longe que hoje se apresenta como conquista aquilo que não passa de um remendo: um batalhão parece “um enorme potencial”, mas, sendo bom, apenas tapa buracos de ausência estrutural.
- Na administração interna, tudo se resume à imagem simpática da ministra de serviço, enquanto os problemas de fundo se eternizam.
- Na segurança social, mantém-se o tabu: o sistema é insustentável, mas ninguém o admite. Há milhares que recebem apoios sem sequer saberem porquê. Valoriza-se o subsídio e penaliza-se o trabalho digno!
- Na educação, turmas de 27 alunos com 13 línguas diferentes não integram nada nem ninguém. Faltam mais professores que alunos e a retórica de “inclusão” não corresponde à realidade.
- Na saúde, médicos e enfermeiros não conseguem responder ao acréscimo de mais de um milhão de utentes. As listas de espera alongam-se, os profissionais exaustos abandonam o SNS.
- Na justiça, os guardas prisionais parecem mais encarcerados que os próprios reclusos. E na polícia, quem elimina o criminoso arrisca-se a ser julgado como criminoso.
- Etc, etc…
É um mundo ao avesso, onde a mentira se tornou um anestésico: adia soluções, resolve o problema imediato das eleições e perpetua a partidocracia.
O mal não está apenas nas falhas setoriais. O problema estrutural é um sistema viciado em partidocracia, nepotismo e clientelismo. Escolhe-se não quem é competente, mas quem é amigo, alinhado, portador do cartão certo. A meritocracia é ignorada em prol do interesse pessoal e da perpetuação da máquina partidária. Quando assim é, a política deixa de ser serviço público e transforma-se em carreira pessoal ou negócio de grupo. O resultado? Um Estado capturado, pesado e ineficaz, que promete tudo, mas não consegue entregar o essencial.
É urgente uma viragem. Essa viragem só pode assentar num novo modelo ético de governação, que não passa por multiplicar leis e regulamentos, mas sim por assumir responsabilidades. Esse modelo deveria assentar em três pilares:
- Reconhecimento das falhas
- Mesmo quando não convém politicamente, mesmo quando admitir a falha parece dar armas ao adversário. A verdadeira coragem política não é esconder o erro, é corrigi-lo.
- Colmatar falhas antes de as expor
- Reconhecer problemas não deve ser sinónimo de propaganda, mas de trabalho efetivo para os resolver. Não basta relatar o buraco; é preciso começar a tapá-lo, antes que a “Glória” se conheça por desgraça.
- Serviço público acima da carreira pessoal
- Governar não é distribuir lugares a amigos, mas escolher os mais competentes para servir a comunidade. A política tem de recuperar o espírito de missão, de visão de futuro, de humildade.
Que Portugal queremos daqui a dez anos? Hoje ninguém sabe. Nem políticos, nem cidadãos. O futuro tornou-se uma narrativa de ocasião, improvisada em dois minutos de entrevista. É aí que reside o perigo: quando o futuro se resume a uma boa mentira, o país perde a capacidade de sonhar e planear.
A mentira política é hoje uma epidemia global. A cura, contudo, existe: uma cidadania crítica e vigilante, que exija verdade, transparência e competência, que rejeite as encenações e valorize a integridade, que não premie os que sabem inventar respostas rápidas, mas os que sabem construir soluções duradouras. Dia 12 de Outubro é também isso que iremos escolher!
A mudança não depende apenas dos políticos, depende também de nós, enquanto sociedade. A mentira adia; a verdade transforma!
Coronel