Sempre que surge um evento político ligado a uma direita divergente do sistema, seja já governo ou apenas força eleitoralmente significativa, a comunicação social convencional parece ter apenas uma dúvida: para uns, trata-se de “extrema-direita”; para outros, de “direita radical”. A simplificação é cómoda, mas obscurece mais do que esclarece.
É hoje inegável que há uma nova direita que não é meramente conjuntural, mas estrutural. Contudo, importa distingui-la da velha direita, da direita sistémica, da direita extremista e radical, e ainda da chamada Nouvelle Droite de Alain de Benoist. Estes conceitos não têm fronteiras nítidas, mas é possível delinear alguns traços distintivos que ajudam a compreender o mapa das direitas no século XXI.
A nova direita contemporânea não deve ser confundida com a corrente francesa surgida nos anos 1970. A Nouvelle Droite de Benoist foi sobretudo um movimento metapolítico e intelectual, orientado para uma crítica cultural de longo prazo, assente numa reelaboração erudita de conceitos como identidade, tradição e etnicidade. A nova direita atual, pelo contrário, é antes de tudo um fenómeno político e social: nasce do terreno, não da academia, e define-se pela sua orientação antissistema, pela defesa de valores conservadores traduzidos para os dilemas contemporâneos e pelo combate direto à hegemonia liberal-progressista. A sua emergência está ligada à globalização, à crise de representação dos partidos tradicionais e à polarização cultural que atravessa todas as sociedades ocidentais. À instabilidade económica soma-se o colapso moral do progressismo, e dessa convergência resulta a recetividade popular a esta nova direita.
Distingue-se da velha direita porque abandona o tom elitista, aristocrático e formalista dos conservadores clássicos. Afasta-se da direita sistémica porque não se limita a gerir consensos dentro das instituições liberais, antes se apresenta como força anti-establishment que mobiliza um ressentimento popular largamente justificado contra elites políticas, mediáticas e financeiras. Não rompe, contudo, com a democracia como o fazem as direitas radicais ou extremistas: prefere usar a linguagem democrática contra aqueles que acusa de monopolizar o espaço público e de manipular o povo.
Podemos, assim, caracterizar esta nova direita como algo intermédio e inédito: não é elitista como a velha direita, nem tecnocrática como a sistémica, nem revolucionária no sentido antidemocrático da extrema-direita, nem puramente intelectual como a de Benoist. É antes uma força política própria do século XXI: antissistema, populista, digital, culturalmente beligerante e capaz de articular nacionalismo, conservadorismo moral e crítica social dentro das formas ainda reconhecidas da democracia liberal.
O estilo político desta nova direita é inseparável do ambiente digital. A sua comunicação é direta, provocadora, muitas vezes irónica e agressiva, jogando com humor e choque para conquistar atenção. A polarização não é apenas efeito, mas método deliberado de mobilização. A aposta numa guerra cultural permanente não decorre apenas de estratégia, mas de necessidade: qualquer alternativa não conformista terá de enfrentar a hegemonia progressista, que se apresenta hoje como único bem moralmente indiscutível. No plano económico, esta direita adota um hibridismo característico: associa o elogio da livre iniciativa a políticas protecionistas em defesa do trabalhador e da produção nacional, recusando tanto o dogma globalista como o estatismo centralizador.
O novo conservadorismo, frequentemente associado a esta nova direita, opera num plano distinto. Se a nova direita privilegia o combate comunicacional e a agitação política, o novo conservadorismo procura oferecer uma doutrina e uma moral que sustentem esse combate. Valoriza família, pátria, fé e a herança clássica do Ocidente, afirmando-se como contracorrente ao multiculturalismo, ao igualitarismo de género e ao ambientalismo ideologizado. É aqui que se joga a diferença decisiva: sem uma base filosófica e moral, a nova direita arrisca dissolver-se em mero populismo plebiscitário; com o novo conservadorismo, pode tornar-se projeto de reconstrução cultural e civilizacional. Esse é um grande desafio.
Coloca-se uma questão fundamental: será esta vaga, que hoje se exprime em Trump, Vox, Chega, Meloni, Le Pen, AfD ou Reform, apenas conjuntural ou o prenúncio de algo mais duradouro? Estes movimentos são diversos entre si, mas convergem no essencial: alterar o sistema e oferecer uma alternativa ao consenso liberal-progressista. O que está em jogo é se ficarão reduzidos à volatilidade da opinião pública e às suas próprias tensões internas, ou se conseguirão transformar energia eleitoral e mobilização digital em instituições estáveis, dotadas de pensamento coerente e enraizamento cultural.
O dilema do século XXI para a direita resume-se a esta tensão: conjuntura ou estrutura, mobilização digital ou reconstrução filosófica, populismo imediato ou projeto civilizacional. Se a nova direita não ultrapassar o registo plebiscitário, acabará por se esgotar. Mas se o novo conservadorismo conseguir articular tradição e modernidade, bem comum e identidade, poderá dar origem a uma direita renovada, mais estável e enraizada no coração das sociedades ocidentais.
Para já, uma coisa é certa: quem insiste em ver neste fenómeno apenas fascismo, xenofobia ou populismo barato não compreende nada do que está a acontecer, ou prefere não compreender. O que se joga não é o regresso do passado, mas a luta pelo futuro do Ocidente.