Giorgio Armani. O rei da moda italiana

Nasceu numa família modesta, viveu os terrores da guerra e pensava seguir medicina. Foi parar à moda por acaso sem calcular o império que viria a criar. Revolucionou-a. Era perfeccionista e, apesar de multimilionário, nunca se deixou deslumbrar. Morreu aos 91 anos e deixou um dos maiores legados da história da moda

É considerado o designer de moda italiano de maior sucesso da história, sinónimo de elegância sóbria e moderna, redefiniu o significado do luxo e era bastante crítico quando falava sobre ele. Ao contrário daquilo que muita gente pensa e defende, para si, este devia ser confortável. «Um bom designer tem de fazer as pessoas sentirem-se confortáveis, não apenas esteticamente agradáveis», acreditava.

Segundo o estilista, o verdadeiro luxo está na simplicidade, na discrição e na qualidade duradoura, não no exibicionismo. «O luxo é, obviamente, a direção que mais me interessa, mas há muita confusão entre luxo e exibicionismo. Para mim, o conceito de luxo é mais tradicional, mais exclusivo, mais sofisticado do que o luxo para as massas», dizia. Em 2021, numa entrevista à GQ, resumiu a sua filosofia numa palavra: rispettosi. «Respeito pelo corpo, pelo tecido, pelo consumidor e pelo mundo». Na mesma conversa, surpreendeu ao definir-se como «anti-fashion». Para ele, estilo não era seguir tendências passageiras, mas sim «construir consistência». Interrogado pela mesma revista sobre aquilo que alterava na moda atual, este respondeu: «A velocidade excessiva. Somos obrigados a produzir ideias e coleções com enorme velocidade, mas a invenção e a qualidade levam tempo. A minha solução é a continuidade… Evoluo ao meu próprio ritmo, porque as mulheres e os homens que visto esperam isso de mim, não apenas ideias que sirvam somente para a passarela. A moda precisa, mais uma vez, de encontrar um ritmo mais humano e real». 

O estilista italiano Giorgio Armani morreu na quinta-feira, dia 4 de setembro, aos 91 anos. A morte foi anunciada com «infinito pesar» pelo Grupo Armani, que o descreve como o seu «criador, fundador e força motriz incansável». «Giorgio Armani faleceu em paz, rodeado pelos seus entes queridos, depois de ter trabalhado até aos seus últimos dias. Foi um precursor, estendendo a sua visão da moda a todos os aspetos da vida», lê-se no texto divulgado pelo grupo com cinquenta anos de história, que promete «continuar a manter os seus valores de independência». O mesmo texto acrescenta que a família e os funcionários esforçar-se-ão por manter vivo o seu espírito. O The Guardian lembra que o estilista esteve ausente nos seus últimos três desfiles, realizados em junho e julho, devido a problemas de saúde. «A sua presença nas comemorações do 50º aniversário da marca estava prevista para o final deste mês, incluindo uma exposição na Pinacoteca di Brera, em Milão», destaca.

Segundo o Corriere della Sera, as suas últimas semanas de vida terão sido passadas em recuperação em Forte dei Marmi, estância balnear na Toscana, com a família e amigos. O mesmo jornal adiantou que o seu estado de saúde se havia agravado, «devido a uma dor de estômago repentina», mas sem que «nada fizesse prever o pior». 

Estilista ‘por acaso’

Giorgio Armani nasceu em Piacenza, norte da Itália, em 11 de julho de 1934, no seio de uma família modesta. O pai, Ugo Armani, trabalhava como contabilista numa empresa de transportes, e a mãe, Maria Raimondi, era dona de casa. Era o segundo de três filhos e a sua infância foi destruída pela guerra: a Segunda Guerra Mundial começou quando este tinha apenas cinco anos. De acordo com a BBC, com a escassez de comida, a sua primeira lembrança foi de fome. «A guerra ensinou-me que nem tudo é glamoroso», dizia. «A minha mãe era o pilar da família: enérgica, activa, corajosa e capaz de ver cada dia com novos olhos. Ensinou-me o conceito de ‘menos, mas melhor’», contou ao The New York Times.

«Tenho muitas memórias da minha infância (…) e os meus pais definitivamente influenciaram o meu trabalho. Lembro-me da sua elegância. Uma elegância simples. Era, principalmente, uma elegância interna, afinal, não tínhamos muito dinheiro», recordou no documentário Made In Milan, de 1991. «Lembro-me também que a minha mãe fazia as minhas roupas e dos meus irmãos. Nós causávamos inveja em todos os nossos colegas da sala. Parecíamos ricos, mesmo sendo pobres», acrescentou. No entanto, nunca pensou que acabaria por seguir a área da moda. Aliás, Armani chegou a estudar para ser médico. «Estudei medicina durante alguns anos, mas acabei por decidir, a certo ponto, que era hora de fazer outra coisa, porque aqueles estudos eram muito longos e difíceis», admitiu numa entrevista ao Business of Fashion.

Acabou por ser contratado pelo histórico armazém de moda La Rinascente​, em Milão, e aí aprendeu de tudo um pouco. Escreve a BBC que este sabia quais tecidos os clientes gostavam, ia às fábricas têxteis para comprá-los, tornou-se especialista na sua construção e usou o seu conhecimento para aperfeiçoar a alfaiataria. Pela sua dedicação, profissionalismo e talento, acabou por chamar a atenção de Nino Cerruti, um influente estilista de alta-costura considerado uma referência mundial em lã e casimira, com quem começou a trabalhar em 1961. 

Esse período foi decisivo para a maneira como Armani revolucionaria a moda anos mais tarde. Porquê? Pois com Cerruti, este trabalhava sobretudo na linha de roupa masculina, que tinha fama de ser «muito formal» e «tradicional» e, já aí, começou a desconstruir essa ideia experimentando outros cortes, tecidos e proporções. Ao mesmo tempo, trabalhava como freelancer para outras casas de moda como a Zegna e Ungaro. «Entrei na moda quase por acidente e, depois, ela foi crescendo em mim até me absorver completamente, roubando toda a minha vida (…) Nunca pensei em entrar neste mundo, mas acidentalmente conheci pessoas que trabalhavam na indústria em diferentes áreas, do marketing até à distribuição. Percebi que podia acrescentar em algo criativamente, então aceitei entrar para uma grande marca de moda e cuidar da linha masculina», revelou à Vogue. 

O império 

Em 1966, Armani conheceu Sergio Galeotti, um jovem aprendiz de arquiteto, por quem se apaixonou perdidamente. Foi ele que, vendo o potencial de Armani, o encorajou a abrir a sua própria empresa. Para financiá-la, Galeotti convenceu o companheiro a vender o seu Fusca e, em 1975, fundaram juntos a Giorgio Armani S.p.A. Armani, na altura com 41 anos, cuidava da parte criativa e Sergio da parte empresarial. «Foi o Sergio quem acreditou em mim e me fez ver o mundo de uma forma mais ampla», confidenciou à GQ quando tinha 80 anos. 

De acordo com o The Guardian, a sua apresentação inaugural em 75 foi «pioneira na ideia de vestir os homens com um toque mais suave e poderoso», o que lhe rendeu o título de «Rei do Blazer». O estilista tornou-o uma peça mais leve, fluida e sem forros, que libertou o corpo masculino da rigidez da alfaiataria tradicional. Adaptou-o também ao guarda-roupa feminino, libertando muitas das silhuetas exageradas e justas estabelecidas por outras marcas. Três anos depois do nascimento da marca, a empresa assinou um acordo com a fabricante de roupas GFT, o que permitiu que esta começasse a produzir roupas de luxo. 

Em 1980, Armani foi catapultada para a fama internacional quando o ator Richard Gere usou diversas peças desenhadas por si no filme American Gigolo. Segundo o jornal britânico, essa seria a sua porta para Hollywood, onde também acabou por revolucionar a forma como os estilistas se relacionavam com os artistas. Enquanto no passado estes tinham um relacionamento com uma estrela específica, Armani conquistou várias, vestindo-as tanto para o grande ecrã como para o tapete vermelho. Entre elas estão nomes como Sean Connery, Jodie Foster, Robert De Niro, Tom Cruise, Julia Roberts, Angelina Jolie, Christian Bale, Cate Blanchett, Michelle Pfeiffer, Clive Owen, Anne Hathaway, George Clooney, Leonardo DiCaprio e Brad Pitt. Além do cinema, também criou peças para várias personalidades do meio musical como David Bowie, Prince, Madonna, Beyoncé e Lady Gaga.

De acordo com a BBC, bastou uma década para Giorgio se tornar o estilista europeu que mais vendeu nos EUA, fazendo com que Milão emergisse como uma força comercial e criativa de peso na moda mundial, ficando apenas atrás de Paris. Depois, expandiu-se. O estilista lançou a Armani Jeans e a Emporio Armani. Passou a lançar óculos, sapatos, roupas desportivas, cosméticos, acessórios, mobiliário, estabelecimentos hoteleiros, cafés, restaurantes e residências. Ou seja, Giorgio conseguiu criar um estilo e império «completo». 

Em 1985, aos 40 anos, o seu companheiro morreu de HIV e, apesar dos sucessos, a sua vida nunca mais foi a mesma: «Quando o Sergio morreu, morreu uma parte de mim. Devo dizer que me parabenizo, porque ter suportado uma dor tão intensa», revelou numa entrevista à Globo. «Passei um ano a ir de um hospital para outro. Para não o magoar, continuei a trabalhar (…) Levava-lhe fotos dos desfiles de moda», detalhou. 

Apesar da dor, Armani dedicou-se ainda mais a expandir o seu império e, enquanto outros vendiam as suas marcas, manteve-se sempre independente. Entendia a independência da sua marca como «um valor essencial». «Posso criar os meus próprios conceitos e explorar ideias livre de qualquer exigência (…) Isso não tem preço. É por isso que, embora tenha sido abordado muitas vezes, sempre rejeitei ofertas para que minha empresa fosse comprada», cita o Globo. 

Dias antes de morrer, numa entrevista ao jornal Financial Times, o criador tinha explicado como preparava a sucessão da sua fortuna avaliada em 8,6 mil milhões de euros e do império de luxo que construiu ao longo de quase cinco décadas de carreira. Este plano contemplava figuras próximas como Leo Dell’Orco (seu companheiro e chefe de design masculino), bem como vários membros da família: as sobrinhas Silvana e Roberta, o sobrinho Andrea Camerana e a irmã Rosanna.

Em 2016, o estilista criou a Giorgio Armani Foundation, com vista a proteger a governação da empresa e assegurar a sua independência face a interesses externos.