Fogos florestais uma solução adiada e urgente

Num ensaio sobre a prevenção e combate aos incêndios, exclusivo do Nascer do SOL, Henrique Gouveia e Melo enuncia um conjunto de propostas para travar um ‘problema recorrente’.

Candidato-me à Presidência da República por um imperativo patriótico, porque acredito no meu País e porque confio na capacidade dos portugueses para construirmos, juntos, um futuro melhor para todos. Sinto que posso dar um contributo pessoal e político para a melhoria das condições de vida dos meus concidadãos e para a revitalização da confiança no País, nas instituições e na democracia.

E, será sempre na defesa do superior interesse nacional e por um percurso com grande independência sobre todos os grupos de interesse, que naturalmente existem, que pretendo implementar, caso receba a preferência dos portugueses, uma magistratura participativa e de influência sobre os principais problemas que enfrentamos enquanto nação. 

É nesse contexto que julgo que se justifica voltar ao tema dos fogos florestais.    

Os fogos florestais têm acontecido com menor, ou maior dimensão, ciclicamente, em especial no verão onde as condições atmosféricas e da humidade residente nos solos se torna mais propícia a estes fenómenos. As alterações climáticas têm tido um contributo significativo, mas não exclusivo, que só pode ser mitigado com uma mudança radical da nossa relação com as florestas e o território. O que tem sido verdadeiramente determinante é a inexistência de uma política florestal abrangente, consequente e de médio longo prazo e a crescente desertificação humana e abandono do território interior.

Uma primeira constatação é que as zonas ardidas voltam a arder, depois de recuperarem a sua vegetação, de forma desordenada e descontrolada, o que acontece em ciclos de 7 a 12 anos.

Importa, pois, desenhar uma política nacional para as florestas, desde já, e começar a atuar imediatamente.

Essa política tem de tratar os seguintes eixos e fatores chaves:

Criação de uma economia florestal

O Estado, na inexistência de soluções no mercado, pois parece estarmos perante o que se considera na literatura sobre economia uma falha do mercado, deve intervir ativamente neste.

Em vez de uma legislação de pendor repressivo, deve alterar para uma com incentivos económicos para uma floresta limpa. Pois, os proprietários estarão naturalmente a contribuir para o ambiente, para a paisagem e a gerar externalidades positivas.

Os créditos de carbono e outros incentivos podem ser integrados nesta política na defesa das nossas florestas.

Deve também criar uma empresa-entidade estatal que receba/compre todo o tipo de madeiras, detritos florestais e os processe gerando novos materiais com interesse económico, ou energia através de centrais de biomassa.

Dessa forma garantirá um preço mínimo, incentivador da limpeza das florestas e feitas as contas terá um menor custo económico, social e ambiental que resultam dos grandes fogos florestais periódicos com elevado rastro destrutivo;

Deve criar, sob a égide de um corpo especializado, que se propõe seguidamente, uma capacidade global de planeamento, intervenção e limpeza das floresta e matas do território nacional que possa ser colocada ao serviço da administração central, municipal e até em último caso ser contratada pelos próprios proprietários dos terrenos, se necessário;

Deve criar incentivos de toda a ordem para a fixação de empresas e atividade económica desde a agricultura, agropecuária, caça, turismo e outros serviços relacionadas com a floresta;

Combater e reprimir de todas as formas a economia do fogo.

Combater a desertificação do interior por via de uma política de povoamento
e desenvolvimento económico dessas regiões

O Estado deve incentivar a população a fixar-se também no interior através de fortes incentivos que permitam o desenvolvimento de uma economia local e um modelo de vida mais calmo e familiar.

Deve fomentar com incentivos fiscais e outros, atividades económicas associadas a uma nova economia digital, ou de serviços, incluindo a deslocação de partes significativas da administração pública para as cidades do interior.

Deve incentivar a população a deslocar-se para a periferias das cidades (>50km), no interior garantindo essencialmente vias de acesso rápido (ferroviário) aos grandes centros urbanos, construindo uma nova malha de mobilidade que permita viver e trabalhar a distâncias consideráveis, mas com tempos de acesso e disponibilidade inferiores a 30 minutos.

Neste plano deve reordenar e fomentar uma malha de acessos ferroviários e rodoviários de média distância (menos de 70km) que permita uma elevada mobilidade elétrica e amiga do ambiente.

Esta medida contribuirá para o povoamento do interior, mas também para combater a concentração da habitação nos grandes centros urbanos, a escassez desta nesses centros e indiretamente a especulação também.

Promover o reordenamento florestal

Diminuir drasticamente e dispersar as monoculturas muito atreitas ao fogo (Eucaliptos, Pinheiros);

Reduzir a densidade vegetal das nossas matas e florestas misturando espécies vegetais e garantir um índice de arborização seguro;

Reocupar as matas e florestas com herbívoros semisselvagens, ou selvagens;

Criar mosaicos de corte entre florestas, vales e montanhas;

Zonas de corte e descontinuidade que ocupem pelo menos 20% do espaço florestal;

Desenvolver a pastorícia nas zonas de corte entre zonas florestais, com espaços abertos e limpos de árvores;

Após os incêndios, e uma vez que o terreno está propício a uma limpeza, estes ficam imediatamente sob a ação dos planos de reordenamento atuando o Estado de imediato ficando estes sob requisição até recuperação;

Estruturar o território de modo a juntar todos os proprietários em organizações coletivas que permitam a implementação de políticas regionais alargadas, incentivando este processo por via de transferências financeiras e outros apoios entre autarquias;

Resolver a gestão das propriedades indivisas de forma a impedir a incapacidade para rentabilizar, usar e até responsabilizar proprietários dos terrenos florestais, dando a alternativa de adquirir os mesmo para o património do Estado em caso de incapacidade financeira, ou de solução pelos proprietários.

Premiar com mais responsabilidades e financiamento as autarquias que demonstrem trabalho realizado.

Infraestruturar melhor e de forma planeada

Fazer/refazer estradas de acesso, amplas/largas e que também sirvam de barreira e corte à propagação dos fogos;

Criação de charcas no meio das florestas, açudes, posicionamento de hidrantes, zonas de proteção de vilas e aldeamentos;

Mapear zonas para operação de meios aéreos (hidroaviões e outos), meios terrestres e zonas de comando e controlo num plano predefinido e de rápida ativação;

Posicionar em antecipação esses meios em função das previsões meteorológicas;

Criar uma rede de emergência funcional com acesso a satélites e energia própria com autonomia para 48 horas em todas as aldeias e povoações, para comando e controlo, para além da ligação às equipas móveis.

Criar um corpo especializado, com amplas competências e capacidades, dedicado às florestas

Centralizar as competências do reordenamento florestal; infraestruturação, limpeza e desmatamento numa única agência relacionada com as políticas mais alargadas do território.

A prevenção, vigilância e combate aos incêndios florestais deve ser entregue a um corpo próprio, de bombeiros-sapadores profissionalizado, dotado de meios de vigilância e combate florestal, incluindo aeronaves.

Este corpo deve concentrar todas as competências de vigilância, controlo e reação, relacionadas com as zonas florestais, dispersas pela GNR, ICNF, PC, AGIF e Forças Armadas. Pode eventualmente constituir-se como o 4º ramo das Forças Armadas à imagem do que se está a fazer em Espanha, ou outra solução adequada que respeite os princípios de unidade de comando, especialização e concentração de recursos e responsabilidades. Esta opção garantirá a capacidade de resposta, planeamento de longo prazo, uma linha de responsabilização clara, e prontidão do sistema. Um ethos claro, uma estrutura adequada e focada numa missão e uma força profissional com cultura e capacidades consolidadas são eventualmente a resposta adequada. Uma entidade com estas características desenvolverá ao longo do tempo capacidades invulgares, materializadas em conhecimento especializado, doutrina própria e capacidade de replicar os mesmos através de uma componente de formação autónoma. Só assim, poderemos desenvolver competências adequadas à proteção do nosso território perante uma nova ameaça que será cada vez mais recorrente fruto das alterações climáticas e conferir a necessária resiliência ao país.

Este novo corpo após o investimento inicial ajudará a resolver um problema sistémico e sistemático com custos menores que a atual dispersão e profusão de competências, capacidades e ineficiências. Com uma estrutura militar-militarizada, própria e competente deve ser suportado organizacionalmente por todos os ramos das Forças Armadas, da GNR e outros organismos do Estado relacionados com a floresta;

Deve ser dotado de autonomia administrativo-financeira e esta atividade deve passar a ser considerada uma atividade de Segurança e Defesa alargada do território que em situação de crise pode passar para a dependência direta do primeiro-ministro.

Este corpo deve ter no seu quadro mais de 5000 operacionais, aviões anfíbios de larga capacidade, aviões-helicópteros de média capacidade, viaturas de todas as configurações para ataque por via terrestre, drones de vigilância de elevada endurance e capacidade e máquinas de rastros pesada e um departamento de engenharia de apoio e de manutenção;

Deve ter escolas e formação específicas. Em caso de agressão externa operarão naturalmente em complemento à atividade militar.

Com as mudanças climáticas, a preservação das florestas e do habitat passam a ser assuntos de extrema importância, implicam com a segurança nacional e por isso parece-me que podem ser colocados na esfera da Defesa, para além das considerações mais práticas já referidas a edificação de uma capacidade de forma estruturada e com um ethos apto a operar em cenários de estrema complexidade, urgência e criticidade parece-me essencial face a um futuro com levados riscos climáticos.

A edificação de um corpo desta natureza pode usufruir dos investimentos necessários e reclamados pelos aliados na Defesa. E seria uma componente interessante, útil e diferenciada a disponibilizar aos aliados, em caso de conflito.

Este corpo não interferiria com as estruturas existentes de bombeiros municipais e voluntários, é um complemento para aos mesmos, mas interviria a partir de um determinado nível de criticidade e risco. As competências autárquicas na proteção civil e desta entidade teriam que ser readaptadas à existência de uma capacidade autónoma, de elevada capacidade e com uma visão global do território.

A solução do problema recorrente dos grandes fogos florestais requer medidas multifatoriais e coragem para fazer uma reforma profunda no sistema. Esta reforma enfrentará necessariamente muitas resistências nomeadamente de interesses instalados, há anos, que contribuem de forma direta, ou indireta para a perpetuação do mesmo. Este assunto merece a atenção da sociedade e não deve cair no esquecimento até aos próximos fogos florestais de grande dimensão. As consequências sociais, humanas, económicas e ambientais destes fogos sazonais de grande dimensão não estão devidamente avaliadas, mas são certamente muito elevadas e uma ameaça sistémica e sistemática ao país.

Candidato às Presidenciais 2026