Estratégia Europeia de Ialta. Como terminar a guerra?

Fundada em 2004, a Yalta European Strategy junta centenas de decisores e especialistas de política internacional. Na mais recente edição, a questão que serviu de fio condutor às conversas foi ‘Como terminar a guerra?’.

Em fevereiro de 1945, quando se entrava já nos últimos meses da II Guerra Mundial, os três principais líderes aliados reuniram-se em Ialta, então cidade integrante da União Soviética. Winston Churchill, Franklin D. Roosevelt e Joseph Estaline. Discutiram-se, entre outras questões, a possível entrada soviética na ofensiva contra os japoneses e o mundo do pós-guerra: as reparações impostas à Alemanha – ainda que não cometendo o mesmo erro de Versalhes – a situação alemã e a esfera de influência soviética tanto na Manchúria quanto nos países do leste europeu.

De lá para cá, muito mudou. Ergueu-se, como previu prontamente Churchill, uma cortina de ferro entre o Ocidente e a URSS, atravessámos uma Guerra Fria, a União Soviética colapsou e o mundo reconfigurou-se. Ialta, localizada na península da Crimeia, é hoje um exemplo das feridas históricas que, para o presidente russo Vladimir Putin, teimam em não sarar. A região, reconhecida como ucraniana, é, desde a invasão russa de 2014, controlada por Moscovo.

Escolhendo a cidade histórica como cenário, o empresário ucraniano Victor Pinchuk fundou a Yalta European Strategy (YES) em 2004 para, como pode ler-se no website oficial da conferência, «debater o futuro da Ucrânia e da UE na primeira Reunião Anual» junto a trinta líderes europeus. «O local onde a Europa foi dividida em 1945 tornou-se assim o palco da união de uma Europa mais ampla», lê-se também na página oficial da YES. Mas só foi assim até 2013. Após a anexação russa, a conferência passou a ter lugar na capital ucraniana, Kiev, ainda que nunca perdendo o nome original.

Este ano, na vigésima primeira edição, a quarta desde que a Rússia invadiu novamente o território ucraniano, o tema geral foi ‘How to end the war?’ (Como terminar a guerra?). No final de contas, é a pergunta que hoje todos fazem e para a qual uma resposta ainda não foi encontrada. Nem o Presidente americano, Donald Trump, a encontrou, mesmo tendo dedicado boa parte da sua mais recente campanha eleitoral a declarar que a conhecia e que a colocaria em prática em 24 horas.

De acordo com a informação disponível no website da YES, «mais de 800 políticos, diplomatas, empresários, militares das Forças Armadas da Ucrânia, veteranos, ativistas civis e especialistas de mais de 30 países participaram da conferência», dedicando-se a discutir, logo nos primeiros dia, tópicos como «em que ponto estamos para terminar guerra, como exercer finalmente a máxima pressão sobre a Rússia e quando estará a Europa preparada para um ataque russo?». Participaram destas conversas o Presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, o Presidente finlandês Alexander Stubb, o enviado presidencial especial dos EUA para a Ucrânia Keith Kellog, a secretária de estado dos Negócios Estrangeiros e da Commonwealth britânica Yvette Cooper, e o ministro dos Negócios Estrangeiros da Ucrânia, Andrii Sybiha.

pressão económica

Que a cimeira esteve repleta de grandes nomes da política internacional, não há dúvidas. Mas para que o encontro atinja uma importância verdadeiramente significativa, não sendo apenas mais uma reunião onde grandes figuras têm oportunidade de se encontrar reencontrar sem materializar as palavras proferidas durante os vários discursos, há que chegar a uma conclusão de como terminar realmente a guerra.

Algumas intervenções lançaram algumas luzes. Primeiro, o discurso de abertura de Pinchuk reforçou a ideia de que o futuro da soberania ucraniana – tanto política quanto territorial – passará inevitavelmente pela integração europeia. Após comparar Zelensky com figuras históricas como Khmelnytsky, Mazepa e Hrushevsky, exemplos paradigmáticos da independência e identidade ucranianas, o empresário disse que o atual líder da Ucrânia tem «uma oportunidade única não só de ser o sucessor deles, mas também de cumprir a sua missão – se a nossa geração e as gerações dos nossos filhos concluírem a nossa missão histórica. Se a Ucrânia soberana e independente aderir à União Europeia e tiver garantias reais de segurança».

Quanto ao apoio ocidental ao esforço de guerra ucraniano, independentemente de ter sofrido no decurso dos últimos três anos e meios alguns altos e baixos, é inegável. E se a ajuda ocidental continua a ser uma realidade quando falamos da Europa, o mesmo não pode ser dito em relação aos Estados Unidos.

Em conversa com o historiador Niall Ferguson, que mencionou o facto de que enquanto a Rússia contar com o apoio da China, não perderá o conflito, o General Keith Kellog, enviado especial dos EUA para a Ucrânia, disse que o fim da guerra passa por colocar de forma forte e contínua a economia russa sob pressão: «Creio que os ucranianos mostraram que podem lutar contra [os russos] até chegar a um impasse. [Os ucranianos] conseguem segurar … O resto é económico».

Ceder território está fora de questão

Entregar à Rússia a faixa de território que já conquistou no leste da Ucrânia tem sido uma possibilidade indicada por vários especialistas e até atores políticos. Destes últimos, destaca-se o vice-presidente americano, J.D. Vance, que propôs precisamente a cedência dos territórios ocupados ao Kremlin e a criação de uma zona desmilitarizada ao longo das linhas atuais do conflito.

Ainda assim, o presidente ucraniano não é partidário da amputação territorial. No seu discurso no YES, Zelensky disse que «dar a Putin qualquer pedaço de terra ucraniana para que ele pare a guerra está fora de questão», disse Zelensly, invocando exemplos do passado recente e reforçando a exigência de garantias de segurança: «Isso não é uma solução, é apenas uma pausa. Tal como aconteceu após 2008 na Geórgia, tal como aconteceu após 2014 na Crimeia e em Donetsk. Precisamos de acabar com esta guerra de uma vez por todas, precisamos de segurança garantida para nós próprios, para a Ucrânia, para as crianças ucranianas. Precisamos que a Rússia seja responsabilizada pelo que fez à Ucrânia, aos ucranianos, ao nosso povo».  Donald Trump também interveio na conferência, ainda que de forma curta e digital.

Assim, várias direções foram apontadas por vários especialistas, mesmo que com algumas discordâncias. O rumo dos acontecimentos é impossível de prever, mas parece seguro dizer que ambos os lados querem colocar um ponto final na guerra. O problema é que, como é natural em praticamente todos os conflitos, os motivos e os meios para chegar ao mesmo fim são diametralmente diferentes.

O que eles disseram

Volodymyr Zelensky

«Alguns podem pensar que trocas territoriais (…) poderiam acabar com esta guerra. Não é o caso. A máquina de guerra russa só vai parar quando ficar sem combustível».

Keith Kellog

«É preciso aplicar pressões económicas absolutas. (…) [A Rússia é] um estado que depende do petróleo. (…) Portanto, aplique-se uma pressão económica constante».

Victor Pinchuk

«Acredito que estamos a caminho da vitória. Vamos vencer. Mas quando digo isto, não estou a ser ingénuo. (…) Os ucranianos lutam há séculos para se libertar de um império. Para alcançar a liberdade, a independência e a Europa».

Niall Ferguson

«Precisamos de reconhecer que os Estados Unidos já não estão a ajudar a Ucrânia. E encontro pessoas nesta conferência que parecem não ter compreendido essa realidade».

Donald Trump

« A guerra não acabará no terreno, mas sim na mesa de negociações. Foi por isso que tive uma reunião inicial produtiva com Putin».