Num país que regista mais de 22 mil homicídios por ano, um homicídio em particular não deveria ser motivo para ondas de indignação que já atravessaram meio mundo. Mas o homicídio de Charlie Kirk foi diferente: não foi ao homem, mas sim às suas ideias. Foi, no fundo, um ataque à liberdade de expressão.
Alguém minimamente interessado em política americana não poderia não conhecer Charlie Kirk. Fundador do maior movimento jovem do Partido Republicano, Turning Point USA, Kirk ficou conhecido por ir debater a universidades desafiando os participantes a provarem que ele estava errado.
Não faltaram candidatos. As posições de Kirk, marcadamente conservadoras, contrastavam com as posições de muitos alunos progressistas. Charlie Kirk tinha uma arma: os seus argumentos. Tombou pelo impacto de uma outra.
Escrevo este artigo não porque partilhe das suas ideias – escrevo apesar das suas ideias. Alguns exemplos da minha discordância. Kirk achava que o direito à vida inerente ao feto se sobrepunha a qualquer questão circunstancial, incluindo um feto que resultou de um incesto ou de uma violação, pelo que o aborto deveria ser proibido em qualquer circunstância. Eu discordo profundamente desta posição. Outro exemplo. Kirk era manifestamente pro-Trump, apoiando muitas das suas políticas económicas protecionistas como, por exemplo, as tarifas. Como liberal, também discordo profundamente desta posição.
Poderia continuar a enumerar outros exemplos, porque são vários, mas o ponto é que não é preciso concordar com as ideias de Kirk para condenar de forma veemente o seu assassinato político.
Também não é preciso inventar posições que Charlie Kirk não teve para relativizar ou até justificar a sua morte. Li e assisti a comentadores e jornalistas, sempre lestos a fazer fact checking a terceiros, a repetir inanidades como Kirk defender o apedrejamento de homossexuais, o que é manifestamente falso. Ouvi também acusações de ser fascista. Ora, um fascista é uma ameaça real, e ecoando as palavras dos movimentos Antifa, ‘Fascista bom é fascista morto’. E se outros, incluindo os que não são fascistas, forem considerados fascistas, como a esquerda tem ensaiado nas últimas décadas? Até Sá Carneiro teve direito a tais acusações.
Perante tudo isto, há quem diga que esta morte não é inédita, segue um ciclo de violência que já vitimou senadores democratas, atentados ao próprio Presidente Trump, entre outros. Sem dúvida. Mas esta morte tem algo de inédito. Antes, os visados nos ataques eram pessoas com poder material. Trump, por exemplo, era novamente candidato a Presidente dos EUA, provavelmente a posição de maior poder a nível mundial. Kirk era um jovem de 30 anos cuja maior arma era um microfone.
Este assassinato passa uma linha que é extremamente perigosa – equipara a violência do discurso à violência real. Para muitos que, sadicamente, celebraram a sua morte, a ‘violência do seu discurso’ legitimou a violência material a que foi sujeito. Karma, disseram mesmo.
É verdade que sempre houve violência tanto à esquerda como à direita, mas a ideia de que ‘Speech is violence’ tem um autor. E essa ideia, como tantas outras, teve as suas consequências e agora as suas vítimas.
Uma república não é meramente um conjunto de leis; é um pacto de contenção. É o acordo tácito de que, por mais profundas que sejam as nossas divergências, estas resolvem-se no campo das ideias e nas urnas, nunca no campo de batalha. Este assassinato rompe esse pacto.
Cabe agora a nós, a todos nós que prezamos a ordem democrática, decidir se este será o precedente para um futuro de medo e violência, ou se será o momento em que, de forma inequívoca, reafirmamos os nossos princípios. Não se trata de proteger um conservador ou um progressista; trata-se de proteger o próprio espaço onde ambos podem existir. O futuro não pertencerá à esquerda ou à direita, mas àqueles que tiverem a determinação de garantir que o debate de amanhã não será silenciado pela violência de hoje.