Um dos meus últimos artigos gerou uma interessante polémica entre alguns dos meus amigos e leitores. Um deles, com um sentido de humor mais refinado, rememorando os tempos em que a citação dos grandes revolucionários era habitual nas tertúlias da nossa juventude, ensaiou um ‘concurso cultural’.
Propôs, como prémio, a atribuição de uma garrafa de vinho a quem acertasse, sem recurso à IA, na autoria de algumas citações que fez circular.
Enviou-nos, então, um conjunto delas:
1 – «Quando a sociedade – local, nacional ou mundial – abandona na periferia uma parte de si mesma, não há programas políticos, nem forças da ordem ou serviços secretos que possam garantir indefinidamente a tranquilidade…».
2 – «…quando se torna endémica a incerteza sobre as condições de trabalho, resultante dos processos de mobilidade e desregulamentação, geram-se formas de instabilidade psicológica, devido à dificuldade de construir percursos coerentes na própria vida, […] hoje, o desemprego provoca aspetos novos de irrelevância económica do indivíduo […] A exclusão do trabalho por muito tempo ou, então, uma prolongada dependência da assistência pública ou privada corroem a liberdade e a criatividade da pessoa e das suas relações familiares e sociais».
3 – «Atualmente, o Estado encontra-se na situação de ter de enfrentar as limitações que são impostas à sua soberania pelo novo contexto económico comercial e financeiro internacional».
4 – «O conjunto das mudanças sociais e económicas faz com que as organizações sindicais sintam maiores dificuldades no desempenho do seu dever de representar os interesses dos trabalhadores, inclusive pelo facto de os governos, por razões de utilidade económica, limitarem muitas vezes as liberdades sindicais ou a capacidade negociadora dos próprios sindicatos».
5 – «… OS CEOs, há 60 anos, poderiam ganhar quatro a seis vezes mais do que os trabalhadores recebiam, o último número que vi é 600 vezes mais do que a média dos trabalhadores aufere».
6 – «… grandes massas da população veem-se excluídas e marginalizadas: sem trabalho, sem perspetivas, num beco sem saída. O ser humano é considerado, em si mesmo, como um bem de consumo que se pode usar e depois lançar fora […] com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade […] Os excluídos não são ‘explorados’, mas resíduos, ‘sobras’».
7 – «… a desigualdade social gera uma violência que as corridas armamentistas não resolvem nem poderão resolver jamais. Servem apenas para tentar enganar aqueles que reclamam maior segurança, como se hoje não se soubesse que as armas e a repressão violenta, mais do que dar solução, criam novos e piores conflitos».
Os nomes mais frequentemente referidos nas respostas foram:
– Álvaro Cunhal; Bernie Sanders; Carvalho da Silva; Chomsky; Francisco Louçã; Jean-Luc Mélenchon; Karl Marx; Lula da Silva; Pedro Sánchez; Thomas Piketty.
Nenhuma das respostas estava, todavia, certa.
A autoria da primeira, da sexta e da sétima frase cabe ao Papa Francisco (Evangelii Gaudium – 2013).
O autor da quinta é o Papa Leão XIV (entrevista a Crux, de 14/9/25)
As outras são de Bento XVI (Caritas in Veritate – 2009).
Talvez fosse bom que os governantes que se afirmam católicos refletissem mais sobre o que dizem os chefes da Igreja enquanto leem as opiniões das confederações patronais e os relatórios ‘técnicos’ sobre reforma da lei laboral e as implicações que ela comporta para a vida material, social, cultural e espiritual de toda a sociedade.