O ministro da Presidência, António Leitão Amaro, e o secretário de Estado Adjunto e da Imigração, Rui Armindo de Freitas, começaram a trabalhar nas alterações cirúrgicas à Lei dos Estrangeiros vetada por Marcelo Rebelo de Sousa no dia seguinte ao veto presidencial. E ficou desde logo definido que seriam introduzidas alterações cirúrgicas no diploma por forma a respeitar as reservas levantadas pela maioria dos juízes do Tribunal Constitucional. Ou seja, para o Governo, e para o PSD, estava fora de causa alimentar a ideia defendida pelo Chega de procurar um consenso com a Iniciativa Liberal que pudesse permitir a confirmação da lei com as normas declaradas inconstitucionais.
Tal como o Nascer do SOL antecipou, as negociações entre PSD e Chega começaram no início de setembro, dando prioridade à reaprovação da Lei dos Estrangeiros mal reabrissem os trabalhos parlamentares, para a nova sessão legislativa.
Neste processo, Luís Montenegro e André só falaram uma vez, por telefone, precisamente na noite anterior à votação do diploma alterado na Assembleia da República.
E as negociações entre as bancadas que suportam o Governo e a do maior partido da Oposição prolongaram-se mesmo até ao último instante. Inclusivamente, para além do momento em que o Chega confirmou publicamente que iria viabilizar as propostas do Governo.
«Há uma coisa que não podem dizer, que os partidos da maioria não colaboraram com todos e não aprovaram as medidas que consideraram positivas», afirmou o líder do Executivo, num almoço com autarcas do distrito de Lisboa, esta semana.
Com efeito, o Governo afastou desde logo a possibilidade, defendida pelo Chega, de reconfirmar as normas chumbadas pelo TC.
A verdade é que a restrição do acesso dos imigrantes a apoios sociais durante os cinco primeiros anos de descontos, considerada uma linha vermelha pelo Chega, não viu a luz do dia. Aliás, nem sequer terá chegado a ser discutida como princípio essencial pelas bancadas que lideraram o processo. Isto apesar do que André Ventura tinha previamente vaticinado: «Apelo ao primeiro-ministro para este ponto absolutamente sensível. Concorda ou não que os imigrantes que chegam a Portugal têm que ter pelo menos cinco anos de descontos até poderem ir buscar subsídios à Segurança Social. Se não concordar, não temos acordo. Porque, para nós, este é um ponto decisivo».
No mesmo sentido, a suspensão do reagrupamento familiar por oito anos, exigida inicialmente pelo Chega, acabou ultrapassada e o diploma aprovado mantém o período mínimo de dois anos de residência legal, com várias exceções para menores e situações humanitárias.
Nas discussões finais, aceitou-se apenas que alguns critérios de renovação de títulos e o tempo para coabitação no reagrupamento familiar fossem marginalmente endurecidos, para além da exigência de que os casamentos que permitem reagrupamento sejam efetivos, válidos e reconhecidos na lei portuguesa, ou seja, nem forçados, nem com menores, nem poligâmicos.
Durante o processo legislativo, é possível interpretar que a maioria das alterações incorporadas derivam do compromisso do Governo com exigências administrativas e as respostas às reservas do Tribunal Constitucional, e não necessariamente de forma completa com a agenda do Chega.
Fontes ligadas às negociações sublinham que o Chega privilegiou manter um canal de diálogo aberto e não bloquear a proposta apresentada pelo governo da AD, acabando por votar favoravelmente um diploma que difere em muito nalgumas das suas reivindicações originais. Com isso, várias das bandeiras mais emblemáticas do partido, entre as quais o bloqueio aos apoios sociais e a exclusividade dos pedidos de reagrupamento fora do território nacional, foram descartadas na redação final.
No debate, ficou evidente que a postura de exigência extrema foi moderada para garantir viabilidade política da lei. A deputada Cristina Rodrigues (Chega) reconheceu mesmo que o texto aprovado está longe da versão ideal defendida pelo partido. «Que fique claro que o texto nos parece suficiente, mas reconhecemos desde já que teremos de ir mais longe para efetivamente conseguirmos regular a política migratória», disse.
PSD ainda tentou acordo com PS
Os principais pilares do diploma agora aprovado, sendo eles o controlo reforçado dos vistos da CPLP, a eliminação do visto de procura de trabalho para não qualificados, os mecanismos de integração obrigatória e a redefinição dos prazos para decisão administrativa, correspondem, aliás, ao projeto inicial apresentado pelo Governo e ajustado em resposta ao Tribunal Constitucional, com influência limitada do Chega.
Também importa salientar que o Governo não negociou só com o Chega. Procurou chegar a acordo com o PS até à hora da votação, sendo que o partido liderado por José Luís Carneiro até reconheceu que esta versão da lei já estaria mais perto da sua visão sobre o assunto, mas insistiu em querer facilitar os fluxos e acabou a votar contra.
A aprovação da nova Lei dos Estrangeiros é, assim, fruto de um ciclo de negociações marcado por cedências e ajustamentos, com o Chega e a Iniciativa Liberal a aceitarem consensos mínimos e a contribuírem para uma solução legislativa de compromisso que permitirá ultrapassar as reservas do Tribunal Constitucional.
As portas deixam de estar escancaradas à imigração.