Fim da flotilha abre guerra de palavras

Rangel discorda da detenção dos ativistas que iam a Gaza. PS acha que Governo faz ‘tudo o que pode’

Desde que largou do porto de Barcelona, em 31 de agosto, a flotilha Global Sumud com destino a Gaza, onde seguiam a líder do Bloco de Esquerda, Mariana Mortágua, e a ativista climática Greta Thunberg, parecia destinada a fracassar. Só não se sabia quando. O epitáfio escreveu-se finalmente nesta quinta-feira, com a interceção de quase todos os barcos pela marinha israelita e a detenção dos tripulantes. As reações políticas das últimas horas mostram desencontros à esquerda e o prolongar  da disputa ideológica em torno da guerra em Gaza.

Entre os detidos contam-se quatro portugueses: Mortágua, a modelo e atriz Sofia Aparício e os ativistas Miguel Duarte e Diogo Arriaga e Cunha de Matos Chaves. Este último, cuja participação na flotilha era publicamente desconhecida até agora, seguia a bordo da embarcação Selvaggia, que se juntou à missão já em setembro a partir de Itália e que levava a bordo ativistas holandeses, de acordo com o jornal Público.

Na quinta-feira à tarde os detidos ainda não tinham tido acesso a advogado e estavam incontactáveis, pela que a sua situação era desconhecida, disse ao Nascer do SOL o porta-voz da flotilha Saif Abukeshek. A mesma fonte indicou que a missão estava em contacto com juristas da organização Adalah, que iriam fazer a defesa dos detidos.

O ex-deputado do BE Fabian Figueiredo declarou na quinta à tarde que os quatro portugueses estão «num porto israelita», havendo a «possibilidade ainda não confirmada» de serem visitados pela embaixadora de Portugal em Israel. «Nenhuma informação relevante nos foi comunicada pelo Governo, foi pelo Presidente da República», fez notar.

O Ministério dos Negócios Estrangeiros israelita, que considera a flotilha uma «provocação» apoiada pelo Hamas, justificou a detenção dos ativistas com o facto de estarem a entrar numa «zona de conflito» em «violação de um bloqueio naval» existente. Na rede social X/Twitter, as autoridades israelitas garantiram que «Greta e os amigos estão sãos e salvos» e vão ser «deportados para a Europa» a partir de Israel.

À hora de fecho desta edição vários detidos estariam a ser ouvidos em tribunal, de acordo com Saif Abukeshek. Esperava-se que as diligências fossem demorar. Quinta-feira assinalou-se em Israel o feriado do Grande Perdão (Yom Kipur), dia em que praticamente não há circulação nas ruas, o que poderia atrasar a resposta dos consulados, segundo Henry Galsky, correspondente da CNN Portugal em Israel. Além disso, sexta e sábado são os dias de descanso semanal para os judeus. 

Marcelo Rebelo de Sousa fez publicar uma nota no site da Presidência da República a garantir que «confirmou junto do Governo que será assegurado todo o apoio consular aos compatriotas detidos». O primeiro-ministro, Luís Montenegro, que estava na Dinamarca para um Conselho Europeu informal, assegurou «acompanhamento permanente» da situação e sublinhou que «a mensagem política subjacente a esta iniciativa» está «executada».

Ainda nas reações, Paulo Rangel mostrou-se ambíguo. Em entrevista à CNN Portugal, disse que «estas pessoas estavam cientes dos riscos que corriam», embora o Governo português «discorde da detenção». O ministro do Negócios Estrangeiros referiu até que se trata de «detenções ilegais». Mais contundente, o ministro da Defesa, Nuno Melo, descreveu a flotilha como uma «iniciativa panfletária e irresponsável».

O líder do Chega, André Ventura, classificou a flotilha como «um número de circo da extrema-esquerda» e perguntou «quem é que vai pagar os custos protocolares, diplomáticos, consulares?». Em defesa do Governo saiu o secretário-geral do PS. José Luís Carneiro declarou que o Executivo está «a fazer tudo o que pode».

Ao início da noite de quinta-feira decorriam manifestações convocadas pelo BE para várias cidades do país, incluindo Lisboa, Porto e Coimbra, para «pressionar o Governo português a assumir as suas responsabilidades diplomáticas», segundo Fabian Figueiredo.