Gaza. Por fim, paz?

Após as tentativas de Joe Biden, Donald Trump apresentou um plano forte para a paz em Gaza. Israel e países árabes já aceitaram, resta conhecer a posição do Hamas

Após a avalanche de reconhecimentos do Estado da Palestina na última Assembleia da Organização das Nações Unidas, foi apresentado um plano de resolução do conflito no Médio Oriente. Mas as duas dezenas de pontos que preveem o fim da guerra em Gaza não vieram de Nova Iorque. Vieram de Washington, DC. O primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, deslocou-se à Casa Branca para reunir com o Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. Depois do encontro, apresentaram-se ambos à imprensa para revelar o plano de paz forjado pelos americanos.

Ao que parece, e segundo vários especialistas, trata-se da melhor oportunidade para atingir uma resolução definitiva para uma região que, há cerca de sete décadas, independentemente dos avanços e recuos, é dominada pela violência e pela instabilidade.

Assim, e após as reações iniciais favoráveis de Israel e de vários países árabes, a bola ficará do lado do Hamas, grupo terrorista ao qual Donald Trump deu nada mais que setenta e duas horas para se pronunciar sobre o projeto.

Dada a incerteza da resposta do Hamas, muitas dúvidas quanto ao futuro de Gaza continuam no ar. Conseguirá o grupo que controla o território há quase vinte anos abdicar das armas e do poder em prol do povo que jura defender?

O plano

«1. Gaza será uma zona livre de terrorismo e desradicalizada, que não representará uma ameaça para os seus vizinhos», é o ponto de abertura do plano de Donald Trump, que disse, ao apresentar a proposta, que aquele era «potencialmente um dos melhores dias da civilização». O segundo e terceiro pontos são também de extrema importância: «2. Gaza será reconstruída para o benefício do povo de Gaza, que já sofreu mais do que o suficiente.

3. Se ambos os lados concordarem com esta proposta, a guerra terminará imediatamente. As forças israelitas retirar-se-ão para a linha acordada para preparar a libertação dos reféns. Durante este período, todas as operações militares, incluindo bombardeamentos aéreos e de artilharia, serão suspensas, e as linhas de batalha permanecerão congeladas até que as condições para a retirada completa sejam cumpridas». 

Quanto a uma das questões que mais preocupação têm gerado a nível internacional – a da catástrofe humanitária – o plano prevê que «após a aceitação deste acordo, a ajuda completa será imediatamente enviada para a Faixa de Gaza. No mínimo, as quantidades de ajuda serão consistentes com o que foi incluído no acordo de 19 de janeiro de 2025 relativo à ajuda humanitária, incluindo a reabilitação de infraestruturas (água, eletricidade, esgotos), a reabilitação de hospitais e padarias e a entrada de equipamento necessário para remover escombros e abrir estradas» e que a «entrada de distribuição e ajuda na Faixa de Gaza ocorrerá sem interferência das duas partes, por meio das Nações Unidas e suas agências, da Cruz Vermelha e de outras instituições internacionais não associadas de forma alguma a nenhuma das partes. A abertura da passagem de Rafah em ambas as direções estará sujeita ao mesmo mecanismo implementado no acordo de 19 de janeiro de 2025».

Já no que diz respeito à gestão do território, Donald Trump fez uma escolha que não seria expectável: «Gaza será governada sob a administração transitória temporária de um comité tecnocrático e apolítico palestiniano, responsável pela gestão quotidiana dos serviços públicos e municípios para a população de Gaza. Este comité será composto por palestinianos qualificados e especialistas internacionais, com a supervisão e fiscalização de um novo órgão internacional transitório, o ‘Conselho da Paz’, que será liderado e presidido pelo presidente Donald J. Trump, com outros membros e chefes de Estado a serem anunciados, incluindo o ex-primeiro-ministro Tony Blair». Com este Conselho da Paz, será estabelecido «o enquadramento e tratará do financiamento para a reconstrução de Gaza até que a Autoridade Palestiniana tenha concluído o seu programa de reformas, conforme descrito em várias propostas, incluindo o plano de paz do presidente Trump em 2020 e a proposta saudita-francesa, e possa retomar o controlo de Gaza de forma segura e eficaz. Este órgão recorrerá aos melhores padrões internacionais para criar uma governação moderna e eficiente que sirva o povo de Gaza e seja propícia à atração de investimentos». 

Uma das principais críticas à abordagem de Trump face à Faixa da Gaza tem sido o seu sonho de lá construir uma Riviera, expulsando os palestinianos do território. Ora, no plano nada disso está previsto. Pelo contrário. De acordo com o documento oficial, «um plano de desenvolvimento económico de Trump para reconstruir e dinamizar Gaza será criado através da convocação de um painel de especialistas que ajudaram a criar algumas das prósperas cidades milagrosas modernas no Médio Oriente. Muitas propostas de investimento bem pensadas e ideias de desenvolvimento empolgantes foram elaboradas por grupos internacionais bem-intencionados e serão consideradas para sintetizar as estruturas de segurança e governança para atrair e facilitar esses investimentos que criarão empregos, oportunidades e esperança para o futuro de Gaza». 

E não só o povo palestiniano não será expulso, como aqueles que foram forçados a sair terão o direito de regressar: «Ninguém será forçado a deixar Gaza, e aqueles que desejarem partir serão livres para fazê-lo e livres para regressar. Incentivaremos as pessoas a ficar e ofereceremos a elas a oportunidade de construir uma Gaza melhor».

Após apresentar outros pontos sobre o território – cujo plano pode ser visualizado no mapa – a Casa Branca finaliza o plano com a seguinte declaração: «Os Estados Unidos estabelecerão um diálogo entre Israel e os palestinianos para chegar a um acordo sobre um horizonte político para uma coexistência pacífica e próspera».

O que fará o Hamas?

Esta é a questão fundamental neste momento. Trump e Netanyahu colocaram a pressão sobre o Hamas, que tem nas suas mãos uma hipótese real de trazer paz à região. Mas as perspetivas não parecem animadoras.

Como escrveu a CNN Internacional, o «plano parece ultrapassar várias das linhas vermelhas anteriormente declaradas pelo Hamas, incluindo o desmantelamento das armas do grupo e a proibição de participar na futura governação de Gaza. De acordo com a proposta, toda a infraestrutura do Hamas, acima e abaixo do solo, será destruída, sob a supervisão de observadores independentes, ‘e não será reconstruída’». 

Ou seja, aceitar a proposta significa que o Hamas perderia a sua razão de ser. É este o dilema com o qual os líderes do grupo terrorista se estão a deparar neste momento. Um dilema cuja resposta poderá significar uma verdadeira mudança no Médio Oriente ou uma simples continuação do conflito e do terror.