Recente notícia do Expresso ilustra a desinformação em curso sobre a privatização da TAP. É tempo de informarmos o leitor.
1. Uma TAP viável exige tráfego intercontinental gerado fora de Portugal, como o de hub entre Brasil e EUA com Europa, mais o ponto a ponto gerado pela comunidade brasileira em Lisboa e o turismo dos EUA para Portugal. Tráfego de hub e ponto a ponto alimentam as verdadeiras ‘rotas estratégicas’ diferentes da lengalenga ‘diáspora, Regiões Autónomas e serviço público’. O tráfego Brasil ainda é o mais importante, mas o dos EUA tem maior potencial de crescimento.
2. O tráfego Brasil está ‘trancado’ pelo Acordo Bilateral Portugal/Brasil de 2007, que permite à TAP voar para todos os aeroportos do Brasil. O Acordo é entre José Sócrates e Lula da Silva e ‘obriga’ a TAP a suportar a Manutenção Brasil. Sem política de céu aberto entre Brasil e União Europeia, o tráfego do Brasil só sai de Lisboa se a TAP não for suficientemente competitiva para o manter.
Diferente é o caso do tráfego EUA/Europa via Lisboa com início no code-share entre TAP e JetBlue em 2016, que devemos a David Neelean, e que ‘cria’ o mercado dos EUA para Portugal. A política de céu aberto entre EUA e União Europeia abre a livre concorrência e a TAP está sob pressão competitiva e concorrência direta de companhias americanas, e da Iberia. O Governo deve apoiar a competitividade da TAP, ameaçada pelo modelo de privatização absurdo e demoras inaceitáveis na fronteira Schengen de Lisboa.
3. O Expresso escreve «o Governo vai usar os acordos bilaterais de direitos de tráfego estabelecidos com outros Estados como trunfo para assegurar que o comprador não transfere a sede e a direção efetiva para outra geografia». O Governo não precisa destes Acordos para impor à TAP privada manter sede e base em Lisboa.
Em título: Hub da TAP poderá estar garantido: regras europeias não permitem a imposição, mas Governo vai usar outro trunfo. O Governo não pode impor manter o hub em Lisboa por só a competitividade da TAP o poder manter. O Governo ‘usar outro trunfo’ é uma patetice. O Acordo em causa é de 2007 e todos o conhecem, aparentemente com exceção do Expresso.
Vejamos como IAG (BA, Iberia, AerLingus e Vuelong) e Grupo Lufthansa (Lufthansa, Austria Airlines, SWISS e Brussels, com ITA em integração prudente) garantem o sucesso ou ameaçam ‘rotas estratégicas’ da TAP.
4. i) Em 2019.11.04, o IAG denuncia a aquisição da Air Europa, que «transforma o hub do IAG em Madrid num verdadeiro rival dos quatro maiores hubs da Europa». O CEO Willie Walsh afirma a «consolidação de Madrid como ‘leading european hub e IAG ganhando a liderança no Atlântico Sul».
Em 2021.03.01, o CAPA informa sobre acordo entre indústria e governo para desenvolver setor aeronáutico em Espanha e fazer de Madrid um hub global para passageiros e carga sobretudo nos mercados da América Latina.
Em agosto de 2024 o IAG renuncia o acordo de compra da Air Europa a 100%. O CEO Luis Gallego ainda «garante desenvolver a presença do IAG em Madrid de maneira a transformar o hub em rival dos maiores hubs da Europa».
Em 2025.06.17, no Iberia Investor Day, o CEO Luis Gallego já só refere «IAG strategy – Developing Spanish platform».
ii) Os números sobre o hub de Madrid são cruéis na métrica do ACI (Airports Council International) aceite pela indústria:
– em 2024, a Conectividade de Hub de Madrid perde 2% em relação a 2019;
– em 2019 a diferença entre Madrid e o menos importante dos Major Hubs é de 7.367 e, em 2025, a diferença é de 10.971.
iii) Em 2015, a aquisição da AerLingus pelo IAG levanta receios sobre o futuro do aeroporto de Dublin face a Heathrow. O posicionamento de Dublin nos EUA, o estar subutilizado face a Heatrow congestionado e a dinâmica do IAG promoveram o seu crescimento. Este modelo não se aplica na relação Lisboa/Madrid porque contrariamente a Heathrow, Madrid tem importante potencial de crescimento e é Lisboa que está congestionado.
iv) Em síntese, a ambição grandiosa do IAG para Madrid não tem sucesso e o tráfego Brasil da TAP está trancado. Só o tráfego dos EUA para Lisboa poderá dar apoio à ‘spanish platform’. Aqui reside a ameaça às verdadeiras rotas estratégicas da TAP e é aqui que o escrutínio das propostas se deve concentrar.
5. Na quota de mercado do Atlântico Sul, o Grupo Lufthansa é terceiro, após IAG e AF/KLM/SAS, só passa a segundo com a TAP, ficando ‘mais terceiro’ se falhar.
A distância do hub de Francoforte ao de Lisboa impede o tráfego EUA/Lisboa de canibalizar significativamente o de Francoforte e acrescenta valor ao Grupo.
6. Fora oferta financeira e Manutenção, o Grupo Lufthansa parece estar mais bem posicionado do que o IAG. Em Manutenção tem o investimento de €220 milhões e em oferta financeira, veremos.