Luís Manuel Rodrigues Rufo, falso fidalgo, reputado causídico sem licenciatura que, com documentos forjados, conseguiu enganar a Universidade Portucalense e a Ordem dos Advogados, está de volta. Em junho, o Ministério Público acusou-o de 141 crimes de usurpação de funções, tendo ainda deduzido um pedido de indemnização de 53 mil euros, valor correspondente aos rendimentos declarados nos seus últimos cinco anos de atividade. Mas o burlão, com os bens salvaguardados, quer evitar o julgamento e pediu a abertura de instrução.
Foi em 2022 que o Nascer do SOL o desmascarou. E o homem, que exercera o mister durante 29 anos sem levantar suspeitas, viu ser-lhe retirada a cédula profissional e emaranhou-se com a Justiça. No entanto, o dote de oxigénio com que a natureza o parece ter brindado não se esgotou. Três meses após a publicação da notícia do Nascer do SOL, já adivinhando a perda do seu património a favor do Estado, adianta-se aos acontecimentos e vende-o a uma sociedade de que ele próprio é titular. O êxito de um burlão depende da sua capacidade para contar uma boa história, e por isso, para o defender, contrata, nem mais menos, do que o distinto advogado bracarense Artur Marques, que em 1990 fora seu patrono no estágio sem também ele dar pela falsificação.
Nascido em 1955, na Areosa, distrito de Viana do Castelo, Luís Rufo exerceu advocacia durante quase três décadas, mas para obter a licenciatura forjou documentos da Faculdade de Direito de Coimbra. O seu nome tinha, porém, grande reputação em Braga, onde já foi advogado da arquidiocese e do então arcebispo D. Jorge Ortiga, além de provedor da Irmandade de Santa Cruz, uma IPSS composta por um lar e uma creche sob a alçada da mesma arquidiocese. Como clientes, Rufo angariara também vários empresários – entre os quais Artur Martins Azevedo, fundador em 1976 da Fricon, uma sociedade de Vila do Conde especializada na produção e comercialização de equipamentos de congelação e refrigeração, com uma fortuna avaliada em milhões. Com subtilezas, conseguiu que o empresário depositasse mais confiança em si do que na sua prole, tendo-o tornado testamenteiro da farta herança, deixando os filhos na sua dependência – um ato que, com a acusação do MP, pode vir a ser impugnado.
Para dar cor às suas origens, Luís Rufo apresentava-se como fidalgo, complementando a farsa com o uso abusivo de um brasão de armas. Investido desta ‘soberania’ e habituado a lidar com diferentes tipos de realidades, o homem não passou despercebido aos atores políticos locais. Em 2017, fez parte da comissão de honra de Ricardo Rio, atual presidente da Câmara de Braga, mas, nos seus volteios de trapézio em trapézio, no novo round autárquico, em 2021, cai nas malhas socialistas, desta vez como mandatário na freguesia onde nasceu.
Os pergaminhos com que se rodeia não apagam, no entanto, as suas origens. Na verdade, Rufo é originário de casa de pouca fartura: o seu progenitor era um simples trabalhador da antiga Sacor (antiga sociedade produtora e distribuidora de combustíveis) e a mãe, como tantas outras mulheres deste país, cuidava da casa e dos cinco filhos que nasceram de afogadilho. Rufo cresce tentando vencer o que lhe fora negado pelo berço. Na adolescência, começa por fazer um curso de hotelaria e tem o seu primeiro emprego na pousada da Caniçada, no Gerês, onde começou a angariar conhecimentos.
Em 1985, com 30 anos feitos, Rufo, sobre o qual não se podia dizer que não fosse homem de labuta, já mudara de ramo profissional. Entrara na EDP como um mero funcionário e, num ápice, chega a chefe de departamento. À espera de encontrar uma vaga na coutada privilegiada dos profissionais de sucesso, é aqui que, com o aval da empresa, pula para a universidade. E foi nesse ano que, sem o ensino secundário completo, se candidatou à Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra através dos então designados exames ‘ad hoc’, que davam aos adultos acesso ao ensino superior. Aqui, segundo os registos a que o Nascer do SOL teve acesso há três anos e que agora são corroborados pela acusação do MP, apenas completou, com singelos 11 valores, a disciplina de História do Direito Português, que fez o milagre de multiplicar.
O esquema montado não carecia de grande engenho, mas necessitava de muita lata e confiança nas armadilhas do futuro. Utilizando um documento forjado com timbre da Faculdade Livre, que nunca frequentou, consegue num cartório a certificação de que concluíra todo o ano letivo. O aluno vivia em Braga e estudava no Porto, mas foi em Ponte da Barca, no cartório de Licínio Figueiredo, que completou a falsificação. Ou tinha lá um cúmplice ou tentou a sua sorte por terras onde era um estranho.
Para que lhe percam o rasto, no ano seguinte, matricula-se no 2.º ano de Direito, desta vez na Faculdade Portucalense, que morde o isco dando-lhe a equivalência às cinco cadeiras que não possuía. É coisa sabida que a ambição torna os homens loucos. Sempre que Rufo não consegue triunfar como estudante, agarra-se à criatividade. Nesse ano letivo, a cadeira de Direito Administrativo causa-lhe imensa estranheza, e, para escapar dela, reincide. No mesmo notário, com novo documento forjado, certificam-lhe o expediente. Em 1990, Rufo consegue o canudo. A partir daí, aproveitando as prerrogativas de falso causídico, vai ganhando estatuto amparado pela arquidiocese de Braga.
Sem que a sua conduta levantasse suspeitas, o falso advogado anda uma trintena de anos a brincar às escondidas. Em junho de 2022, a desgraça bate-lhe à porta: uma investigação do Nascer do SOL revela a trapaça. Com base na notícia, Paulo Pimenta, presidente do Conselho Regional do Porto da Ordem dos Advogados (OA), onde Rufo está inscrito, abre-lhe um processo disciplinar e pede, como medida preventiva, a suspensão do exercício da profissão de advogado. Rufo não arrisca e entrega-lhe a carteira. Mas, no mês seguinte, tem a Justiça no encalço: o MP de Braga, com base na denúncia da OA, abre um inquérito. A partir daí, o futuro é para o minhoto um enorme ponto de interrogação. E, projetando com a mente o filme que se segue, precaveu-se. Para quem veio do nada, e com um diploma forjado, Luís Rufo compusera bem a sua vida: tem terrenos, duas belas mansões, três escritórios e, para não cair na rotina, faz-se passear uns dias num Porsche, outros num Mercedes. Mas, dois meses depois de ter sido aberta a investigação, coloca num cartório todo o seu património. Caíam-lhe os títulos, mas não perdera a vocação. A 8 de setembro, faz negócio com ele próprio. Para evitar penhoras ou arrestos, vende por patacos a uma sua sociedade – a Luís Rufo Consultadoria, Lda. – 10 imóveis, entre eles as duas mansões de luxo e os três escritórios no centro de Braga, que valem milhões.
A criatividade não o abandonara e constrói um plano, aparentemente altruísta: na escritura da transação, passa 90% do capital para uma sua irmã e fica com o restante. Ninguém divaga tanto como aquele que tem de fazer uma confissão. Encurralado na teia que criou, Rufo vive com a ansiedade de um fugitivo. Em 2022, quando a jornalista do Nascer do SOL o contactou para o confrontar com as falsificações, ainda estava convencido de que, acontecesse o que acontecesse, se sairia sempre bem: «Mas, sôtora, eu tirei o curso! No primeiro ano da licenciatura, andei até na Faculdade de Coimbra e na Livre ao mesmo tempo. Depois estive na Portucalense. Tenho toda a documentação. Fiz até o estágio com o Dr. Artur Marques. Posso mandar-lhe o diploma, o certificado de habilitações, a minha cédula profissional, o meu título de estágio, tudo isso. Amanhã mesmo, sôtora!».
A documentação, claro, nunca chegou. Mas isso não impediu que, passados três anos, em junho de 2025, fosse acusado pelo MP de mais de uma centena de crimes de usurpação de funções. E, feitas as contas aos seus últimos quatro anos de rendimentos, a Justiça pede-lhe ainda uma indemnização.
Rufo, para escapar à sua ação, fez eclipsar todo o seu património, vivendo agora, aparentemente, na indigência. Se os investigadores dão pela marosca, ainda podem interpor uma impugnação pauliana (ação pela qual um credor contesta atos do devedor que prejudiquem a sua garantia patrimonial) e anular-lhe o negócio.
Encurralado na teia que criou, Rufo já não é o mesmo homem. Vive agora com a ansiedade de um fugitivo. Contactado, de novo, pelo Nascer do SOL, trata as parcas palavras como ouriços. O silêncio é a sua melhor alternativa: «Qualquer coisa que queira, pergunte ao meu advogado».