Fala dos desafios que temos pela frente, não apenas como país mas como Portugal enquadrado no mundo. D. Duarte Pio acredita que a monarquia, ao contrário de outros regimes, apresenta ‘ uma visão a longo prazo da política que é encorajada pelos Reis ou pelas Rainhas’ e recorda as viagens recentes
que fez a Timor e à Hungria, afirmando que a Europa pode aprender com os húngaros os bons exemplos que tem ao nível da integração dos ciganos e do combate à queda da demografia. Numa entrevista sem filtros, o duque de Bragança não foge a temas como a imigração, o serviço militar e o voto obrigatório.
Recebeu-nos em sua casa, em Sintra. Depois de um pequena visita pelos espaço exterior, explicou-nos a história da casa também ilustrada pelos quadros bem expostos nas paredes. A par dos temas da atualidade, D. Duarte falou-nos da sua vida pessoal e de muitos outros assuntos que marcam a monarquia.
Visitou recentemente Timor, onde foi inaugurada a Biblioteca D. Duarte, em Manatuto…
Esta última visita foi organizada pelo gabinete do primeiro-ministro, Xanana Gusmão, e vieram praticamente todas as comunidades luso-asiáticas da Ásia. Várias comunidades lusodescendentes queixaram-se que havia uma enorme falta de livros em português. Pedi a várias instituições que tivessem livros em bom estado ou que sobrassem ou que, por qualquer razão, não lhes interessasse muito, se os podiam oferecer. Recebi muitos livros e estavam todos em muito bom estado. A biblioteca ficou com cerca de 40 mil livros. Foi muito interessante. Tomei cuidado para evitar livros que pudessem ser ofensivos e que não fossem bem recebidos. Então, tive de verificar…
Ficou surpreendido por terem dado o seu nome?
Tentei evitar isso. Não gostei muito da ideia, mas toda a gente em Manatuto insistiu e acabou por ficar.
Também foi à Hungria. Qual o motivo desta visita?
Primeiro, tive um convite do cardeal de Budapeste, depois, do vice-primeiro-ministro, que é o presidente do Partido Democrata Cristão Húngaro, para a festa de Santo Estêvão, que é o santo padroeiro da Hungria. Fizemos várias visitas muito interessantes a instituições, monumentos. Uma das iniciativas que já tinha conversado com o vice-primeiro-ministro e com o cardeal era que pudéssemos aprender com a Hungria o grande sucesso que tem tido na integração das comunidades ciganas. Vamos convidar pessoas influentes da Comissão a passarem uns dias na Hungria para perceberem o que se fez de diferente na Hungria que permitiu essa integração. Outra coisa que nos interessa muito é que a Hungria era um país que estava em crise demográfica, como nós, mas que inverteu essa crise. Isso foi feito, sobretudo, à base de atribuição de vantagens fiscais e de vários géneros para as mulheres terem mais filhos. Em relação à comunidade cigana, muitos ciganos bem sucedidos dizem que a pior coisa que se faz à comunidade é dar dinheiro sem pedir nada em troca, porque recebem o subsídio e não dão nenhum trabalho em troca, nenhum serviço. Isso é muito deseducativo e desmoraliza muito quem quer trabalhar
normalmente.
Vai ao encontro do que tem sido defendido pelo Chega…
Muitos ciganos também dizem isso. Só que não concordam com a maneira como, às vezes, tem sido abordado o assunto, pouco diplomático. No entanto, concordam com o problema em si.
Nessa visita à Hungria esteve com Viktor Orbán. Um primeiro-ministro muitas vezes contestado por vários dirigentes políticos europeus…
Em todas as eleições tem ganho mais votos e, em vez de dar prioridade absoluta às opiniões políticas estrangeiras, dá prioridade às opiniões do povo húngaro. Fazem muitas consultas à opinião pública para perceber se o povo é a favor, por exemplo, da construção de mesquitas. Em relação à imigração, 90% foi contra a imigração de pessoas que não têm ligação cultural com a Hungria. Mas, por outro lado, receberam dois milhões e tal de ucranianos que vieram fugidos da guerra e que foram bem recebidos, já têm lá trabalho. A grande preocupação do Governo é seguir os desejos da população.
Acha que em Portugal não há esse cuidado e que o Governo quando chega ao poder esquece-se das promessas que fez?
Como dizia um escritor americano: eu resisto a tudo, menos à tentação. Por um lado, há o entusiasmo das campanhas eleitorais, em que se leva a prometer coisas boas e a dizer o que as pessoas gostam de ouvir. Depois, quando chegam ao poder, não há verba e surgem pressões de vários setores que querem ter prioridade nos seus problemas. Muitas vezes, não são, talvez, os mais importantes, mas são aqueles que fazem mais pressão para serem aceites. Houve uma altura em que havia a mania de fazer autoestradas por todo o lado, muitas têm pouquíssima utilização. Vejo grandes autoestradas em Portugal que estão meio vazias, a não ser, talvez, nos fins de semana, quando os lisboetas vão para a província. Essas autoestradas são muito bem substituídas pelas vias rápidas que em Portugal são, normalmente, as IPs, que são muitíssimo mais baratas.
Falou da imigração. Como vê as alterações à Lei dos Estrangeiros propostas pelo Governo?
Tenho falado normalmente neste assunto. Na minha mensagem do 1.º de Dezembro dei particular atenção à questão da imigração ilegal e o que disse é que era uma porta aberta à escravidão. Muitos imigrantes, sobretudo os ilegais, acabam por ser vítimas de um trabalho muito mal remunerado e não têm condições legais de proteção. Basta ver, por exemplo, os apanhadores de amêijoas no Tejo. É completamente ilegal. Depois há uma coisa que é completamente disparatada, que é a facilidade com que se consegue a nacionalidade portuguesa por pessoas que não falam português, não têm nenhuma integração na cultura portuguesa e só porque ficaram cá uns anos já conseguem nacionalidade. Têm aparecido ultimamente na imprensa vários casos de asiáticos que vivem, como se diz na Marinha, em ‘cama quente’. Dormem várias pessoas na mesma cama rotativamente ou vivem em sítios completamente impróprios, insalubres e que aceitam essas condições, mas que são completamente imorais, não fazem nenhum sentido. Isto é fruto da imigração ilegal.
Tem de haver um maior controlo de entradas?
Acho que sim. E devem sobretudo poder demonstrar que vão ter, no momento em que estiverem cá, condições de subsistência normais e que não vão viver de expedientes ou de marginalidade. Sou muito favorável à imigração dos países da CPLP, particularmente dos países em que o português é mais praticado, como Brasil, Angola, Cabo Verde, etc. A altura em que o regime português foi verdadeiramente racista foi depois de 1974, com as independências, em que o critério para poder ser português era ser europeu, de raça europeia. As pessoas que não tinham ascendência europeia não eram aceites como cidadãos portugueses, sejam cabo-verdianos, sejam timorenses, sejam de outras origens. Isto foi uma atitude racista, porque ninguém foi consultado se queria que o país fosse independente ou não. As independências foram uma decisão unilateral do Governo da época, a pedido de partidos políticos locais que queriam essa solução da independência. Há uns dois ou três anos houve uma enorme manifestação em Timor, em que cercaram a embaixada portuguesa e o consulado português porque não estavam a renovar os bilhetes de identidade de pessoas que tinham nascido portuguesas e que, em muitos casos, tinham feito serviço militar nas forças armadas portuguesas. Fui apanhado no meio dessa manifestação e, como vinha num carro da embaixada, os manifestantes que eram sobretudo jovens começaram a chocalhar o carro. O condutor queria sair para pedir para pararem, pedi para sair e, quando saí, reconheceram-me e começaram a pedir fotografias. Tenho muito orgulho no meu bilhete de identidade timorense.
É normal reconhecerem-no?
Nos países da CPLP, sim.
Como vê as eleições presidenciais e a multiplicação de candidatos que têm surgido?
Há um aspeto muito interessante, que é o facto de quase todos os candidatos que tenho ouvido insistirem que são politicamente independentes. Não têm compromissos partidários, estão livres, mas isso são qualidades que tem um Rei. Houve um Presidente, o general Ramalho Eanes, que para mim foi o melhor Presidente que tivemos, e que disse numa entrevista: ‘Tentei agir como um monarca constitucional quando fui Presidente’. Ora, se o Presidente ideal é aquele que atua e que age como um Rei, então o melhor é ir para o original. Segundo aspeto, tenho falado com alguns candidatos e tenho falado nessa citação de Ramalho Eanes para no caso de serem eleitos tentarem seguir essa posição.
Gouveia e Melo tem insistido nessa independência, apesar de ter o apoio de muitos políticos…
É uma ótima candidatura. E um militar, em princípio, como não tem atividades comerciais e empresariais – pelo menos, enquanto foi militar –, terá mais independência do que um civil para o exercício do cargo de Presidente da República. Agora, para primeiro-ministro, não vejo nenhum inconveniente que tenha tido uma atividade empresarial. O facto de não ter nenhuma atividade empresarial e de ser só um político é que pode pôr um pouco em causa as suas capacidades.
Mas depois assistimos a investigações relacionadas com a sua atividade empresarial, como aconteceu com Luís Montenegro…
Os primeiros-ministros deviam tomar cuidado, antes de assumirem a sua candidatura, de verem muito bem se não há nada que possa ser justa ou injustamente levantado. Uma profissão boa para exercer o cargo de primeiro-ministro é o de professor universitário, por exemplo. Não há conflito de interesse e dá uma prova de capacidade intelectual muito boa.
Se vivêssemos numa monarquia, poderíamos estar a viver num país diferente?
Acredito que sim, por várias razões. Uma, porque é uma visão a longo prazo da política que é encorajada pelos reis ou rainhas. Não exercendo atividades governativas, nenhum Rei atual na Europa, nem fora da Europa exerce atividades políticas no sentido de ter participação na vida política e nas decisões do Estado, mas influenciam os políticos. Vejo isso, por exemplo, em Inglaterra, em que um primeiro-ministro socialista disse que quando se ia reunir com a Rainha tinha de se preparar muito melhor do que quando ia para o Parlamento, porque a Rainha sabia tudo, fazia perguntas e dava os conselhos mais apropriados. O mesmo se passa na Suécia, na Holanda, no Luxemburgo, ou seja, basicamente em todas as monarquias europeias que são mais organizadas, mais sérias, mais eficientes e onde há menos problemas. Sou muito amigo do Rei da Holanda e o primeiro-ministro da Holanda diz que quando se vai reunir com o Rei tem de se preparar muito bem.
A monarquia evitaria crises políticas?
Nas monarquias também há eleições, mas, em geral, são regimes mais estáveis. Muitas vezes, em vez de haver uma demissão do Governo, o Rei negoceia, fala com o primeiro-ministro e com o líder da oposição e, às vezes, os dois juntos encontram soluções que evitam uma nova eleição. No caso dos países europeus um pouco mais complicados, como a Bélgica, foi possível não haver um Parlamento a funcionar porque o Rei encarregou o primeiro-ministro demissionário de continuar o seu trabalho, enquanto o Parlamento não chegasse a um acordo. Foi, aliás, um pouco aquilo que o Rei Dom Carlos tentou fazer em Portugal, mas depois foi acusado por vários partidos políticos de governar em ditadura, porque o Governo estava a governar sem Parlamento. Isso é uma prática hoje em dia em muitas monarquias europeias.
Mas Espanha é uma monarquia e tem enfrentado muita instabilidade política…
Espanha tem um grande problema que os outros países europeus não têm, que é a questão do regionalismo. As regiões têm uma autonomia muito grande e, muitas vezes, há um desentendimento grande entre elas. Também tem hoje partidos políticos em Espanha que já são completamente contrários ao Rei e à monarquia e que causam problemas.
Também acenam com as despesas relacionadas com a monarquia…
Comparando as despesas da Presidência da República Portuguesa com as da Casa Real Espanhola, a Casa Real Espanhola, se não me engano, gasta cinco vezes menos do que a Presidência da República Portuguesa, tendo em conta a população e a dimensão de cada um dos países.
Acha que os portugueses, de uma forma geral, estão desiludidos ou desencantados com a política e com os políticos portugueses?
Depende muito da linha ideológica e doutrinária das pessoas. Há gente que está satisfeita com a política dos partidos e há outros que não estão. Claro que a tendência natural em Portugal é queixarem-se dos políticos e dizerem que têm a culpa de tudo.
Esse descontentamento acaba por ser visível pelas elevadas taxas de abstenção.
Se pensarmos que o 25 de Abril foi feito por causa da falta de participação política do povo português – pelo menos, oficialmente foi esse o argumento usado. É importante estimular a participação das pessoas nas eleições. Tenho algumas dúvidas se faria sentido termos o que tem o Brasil e mais alguns países em que é obrigatório o voto. Quem não pode provar que votou não tem acesso a uma série de coisas, como o acesso a trabalhos, etc. Como o Brasil faz isso, consegue realmente ter uma grande participação, mas quem é contra essa medida usa um argumento que não é completamente errado: se as pessoas não vão votar é porque acham que não percebem a diferença e não estão a compreender a política e, nesse caso, se calhar é preferível não votarem do que votarem ao calhas. Também importante seria tornar o serviço militar quase obrigatório, mesmo que possa haver exceções por razões religiosas, por exemplo. O serviço militar devia ser muito encorajado, no mínimo com benefícios substanciais para quem o faça, ter prioridades em certos setores ou vantagens importantes. Se isso não funcionasse, então podia-se pensar no serviço obrigatório.
Uma questão que ganha maior relevo quando estamos perante várias guerras?
Os responsáveis pelo fim do serviço militar obrigatório foram as juventudes partidárias, que estavam muito aborrecidas por terem de perder tempo a ir à tropa quando precisavam de estudar e de acabar os cursos. E isso deu o resultado que temos hoje. Quais são as grandes vantagens do serviço militar? Uma, é ter gente preparada para a defesa nacional. Outra é ter uma mistura social, uma convivência social entre pessoas de meios sociais e económicos muito diferentes que normalmente não se encontram em pé de igualdade. Outra grande vantagem também é dar maturidade aos jovens. É uma espécie de passagem da juventude para adulto, é o momento em que o jovem passa a ter uma responsabilidade perante o país, perante a comunidade e passa a ser adulto. No tempo em que fiz a tropa, fui para a Força Aérea, já era piloto civil na altura. Apresentei a minha licença de piloto civil e entrei diretamente para piloto. Além disso, como antigo aluno do Colégio Militar, não precisava de fazer recruta. Não nos podemos esquecer que, neste momento, temos estes conflitos todos e estamos em risco de precisar de mobilizar a população para a defesa do país. Para mim, as melhores forças armadas europeias, sem dúvida nenhuma, são as suíças. Na Suíça, um cidadão suíço é um militar. Todos os suíços fazem serviço militar e depois, todos os anos, até aos 50 anos, fazem uma revisão e vão novamente passar, no mínimo, se não me engano, 15 dias nas forças armadas. Fazem a revisão da parte física, da parte técnica e ficam muito contentes por encontrarem todos os camaradas, já que fizeram a tropa juntos. Por exemplo, um amigo meu que é diretor de um banco importante na Suíça disse que outro amigo que trabalha num cargo do banco mais humilde é o seu capitão no exército. Outra coisa muito interessante do exército suíço é que os militares que ainda estão no ativo têm as armas em casa e quando são mobilizados para os tais exercícios vão de comboio já fardados e com todo o equipamento militar.
Em relação à guerra. Esteve na Ucrânia já neste cenário de conflito…
Estive duas vezes. A primeira vez fui à Universidade Pedagógica Nacional de Dragomanov, que é a mais antiga universidade ucraniana e que me convidou para fazer o doutoramento honoris causa. A segunda vez, foi para inaugurar uma residência para refugiados oferecida pela Ordem de São Miguel e que tem lugar para 200 refugiados lá dormirem. Esses refugiados não são para ficar lá. São pessoas que querem apanhar os comboios para a Hungria ou para a Polónia e que podem ficar para depois, durante a madrugada, irem muito cedo para a estação para apanharem lugar nos comboios. Este espaço é gerido pela igreja ucraniana.
Sentiu-se inseguro?
Tem de se informar bem onde é que se pode ir, quais são os locais apropriados. Com boa informação não há insegurança. Claro que os coitados que vivem em zonas em guerra evidentemente que é altamente inseguro. Mas, se estiver em Kiev, mesmo que caia um míssil de tempos a tempos, estatisticamente o grau de insegurança é muito baixo. Uma cidade que contém milhões de habitantes seria um azar enorme estar exatamente no lugar onde cai um míssil. E até há pouco tempo, se reparar, na zona mais central de Kiev não caía nada. Só caíam nos subúrbios. Agora não.
E concorda com o reconhecimento do Estado da Palestina?
Reconhecer o Estado da Palestina não tem nada a ver com apoiar ou reconhecer um grupo terrorista. Aliás, o Estado da Palestina é uma das vítimas do terrorismo do Hamas e o reconhecimento é um ato de justiça. Se forem reconhecidos como um Estado, têm obrigações, têm de dar contas a quem os reconhece, nomeadamente às Nações Unidas, da sua política, têm de fazer eleições, porque a Cisjordânia não tem eleições há anos, e, portanto, têm de ter mais democraticidade. Mesmo para Israel também seria vantajoso. Aliás, tenho amigos israelitas que são muito a favor e acham que é preferível terem um Estado vizinho que tem obrigações e que tem de tomar compromissos sérios. Por exemplo, os movimentos terroristas nunca poderiam ter candidatos a nada.
‘Vamos abrir ao público os jardins da nossa Quinta’
Sente-se muito acarinhado pelos portugueses e admite que continua a existir muita curiosidade em torno da vida monárquica, lembrando que o casamento da filha Francisca é sinal disso mesmo, assim como as viagens que faz na CP entre Sintra e Lisboa. Recorda os tempos de estudante no Colégio Militar e confessa que gostaria que os filhos tivessem seguido esse caminho, mas a condição imposta por Isabel de Herédia trocou-lhe as voltas: só iam se os filhos dos ex-colegas também frequentassem o Colégio, o que não veio a verificar-se. «Por qualquer razão esquisita, os filhos dos meus amigos camaradas do Colégio não foram», recorda. D. Duarte fala ainda dos projetos que tem em mãos: um deles passa por abrir ao público os jardins da Quinta onde vive, em Sintra.
Sente-se acarinhado pelos portugueses?
Sim, porque parto do princípio que as pessoas que me vêm falar e que me vêm pedir fotografias é porque gostam de mim. Há muitas pessoas a pedir, principalmente no comboio da linha de Sintra. Frequentemente, vou a Lisboa de comboio e são sobretudo as crianças que me vêm pedir fotografias ou uma assinatura no caderno, principalmente de manhãzinha ou ao fim do dia, altura em que utilizam mais aquele meio de transporte.
Não vai a Lisboa de carro?
Às vezes, vou de carro, sobretudo se volto à noite. Agora, se sei que volto mais cedo ou se vou em hora de trânsito, prefiro realmente ir de comboio. Vai-se muito mais rápido e muito mais seguro do que se for de automóvel. Dizia alguém que a IC19 é o maior parque de estacionamento da Europa. Está tudo parado.
Há muita curiosidade em relação à sua vida?
Acho que sim. As crianças têm muitas fantasias. Acham que a minha mulher devia usar coroa. Os adultos fazem perguntas interessantes e vale a pena realmente conversar com eles. Muitas vezes, os empregados dos restaurantes pedem-me para tirar uma fotografia do grupo. Há alguns hotéis e restaurantes que têm a minha fotografia na parede.
Em 2023, assistimos ao casamento de Maria Francisca de Bragança. Foi mais um casamento ‘real’ mediático?
Foi muito bonito. Tínhamos ao princípio pensado em fazer o casamento nos Jerónimos, apesar de eu ser a favor de Mafra. Achava que era mais original e, sobretudo, era uma maneira de promover Mafra, que é uma terra belíssima, mas com turismo insuficiente. Podia ter bastante mais turismo. As pessoas ficam no circuito de Sintra, Estoril, Cascais e não vão ao Mafra. Felizmente, a circunstância acabou por ir a meu favor, os Jerónimos estavam a precisar de restauros, começaram nessa altura as obras e não se podia realizar lá o casamento. Então, eu disse: ‘Nesse caso, é melhor irmos mesmo para o Mafra’. O presidente da Câmara gostou muito da ideia, os mafrenses ficaram muito contentes e participaram muito no casamento. Inclusive, depois do casamento, servimos uns petiscos e umas bebidas às pessoas que não estavam convidadas mas que foram ver. Conclusão: também acabaram por participar na festa e a Francisca esteve bastante tempo a conviver com a população de Mafra.
Há 30 anos, o seu casamento teve um grande impacto, com muitas pessoas a dizerem ‘viva
o Rei’…
Teve um impacto maior porque houve imensa gente de fora que veio ver o casamento. Combinámos com uns grupos de danças tradicionais, grupos folclóricos para participarem e para darem um espetáculo para as pessoas que não estavam propriamente no casamento. No entanto, essa participação foi sobretudo no tempo que passou entre a saída dos Jerónimos e a entrada nos claustros, onde foi depois servida a receção. Já o almoço foi nos claustros dos Jerónimos. Em Mafra também foi um pouco assim, só que foi mais curto, as pessoas demoravam menos tempo. Depois também tínhamos menos estrangeiros e menos portugueses. Quem veio para o casamento em Mafra foi sobretudo a família e alguns colaboradores mais próximos. A família internacional é muito numerosa, mas também tínhamos de convidar aquelas famílias amigas nossas e parentes que nos tinham convidado para o casamento dos filhos deles. Era um bocado escandaloso termos ido a casamentos na Alemanha, na Áustria e por aí fora e depois não serem convidados para o casamento da Francisca.
Na última entrevista disse-nos que a sua mulher tratava das questões financeiras, da casa e dos filhos e que D. Duarte tratava do que sobrava e que era importante. Houve alguma mudança nas tarefas nestes últimos anos?
Não, continua na mesma. A Isabel é formada em gestão de empresas e também tem experiência no campo da arquitetura – o pai é arquiteto e ela colaborou muito com o pai – e, como tal, está muito mais preparada do que eu para a administração. Pela sua experiência, consegue ter uma certa distância, nomeadamente na gestão de alguns negócios, o que, às vezes, é importante no arrendamento, para não ficarmos entalados entre, por exemplo, uma pessoa que tem dinheiro, tem meios, é inquilino, mas não paga. E há quem argumente que não paga porque não quer viver à custa dos filhos. Então não vive à custa dos seus filhos, mas vive à minha custa e à custa dos meus filhos, não acho justo. A Isabel tem mais facilidade em dialogar e em convencer as pessoas. Por um lado, temos projetos que fazemos em conjunto. Recebemos agora de oferta uma casa de Castelo de Vide, de um testamento de uma senhora americana que nos deixou a casa. Morreu e não tinha filhos. Temos uma grande responsabilidade para saber como é podemos aproveitar a casa, porque a parte agrícola não ficou para nós. Portanto, temos a casa, mas não tem rendimentos, daí estarmos à procura ativamente de encontrar uma solução de sustentabilidade económica para a casa, que é muito bonita, é muito interessante. Castelo de Vide é uma terra belíssima, com gente muito simpática e a casa é para manter. Acabámos de fazer obras.
Poderá ser uma aposta turística?
É, por exemplo, umas coisas que se está a tentar. Também vamos ter oferta turística aqui na Quinta. Vamos fazer visitas guiadas ao jardim, mas primeiro tem de ser organizado. A pessoa não pode chegar à porta e dizer que quer visitar. Ainda nos falta ter uma pessoa que receba as pessoas, as oriente, que possa guiá-las e que conte as coisas interessantes da história da casa. É muito interessante. No caso de Castelo de Vide, estamos a pensar mais nas comunidades de ascendência judaica. Há um grande bairro de judeus em Castelo de Vide, muito bonito e muito bem conservado e, ao lado, Marvão também tem muitas memórias judaicas. Tenho encontrado no estrangeiro comunidades judaicas que têm saudades da sua origem portuguesa e estão interessados. Praticamente todos os judeus de origem portuguesa são pessoas, em geral, válidas e são ótimos participantes na comunidade portuguesa. Por isso, acho que é justo e é útil para Portugal esta proximidade com os descendentes dos judeus portugueses. Embora tenha havido alguns abusos, no sentido de que há pessoas que argumentam que são descendentes dos judeus portugueses, mas não são, esta lei em que os descendentes dos judeus portugueses podem pedir a nacionalidade portuguesa é muito interessante. A Lei que é vista como um ato de justiça histórica e foi proposta no Parlamento por uma associação de que sou presidente honorário, juntamente com o professor Mendo Castro Henrique. A ideia destina-se a quem teve de sair do país por obrigação para não perder a sua religião e, por isso, é justo que possa voltar a Portugal e ser português. Os abusos foram feitos por pessoas que não têm nenhuma ascendência portuguesa e conseguiram beneficiar da lei.
Nasceu na Suíça e regressou a Portugal quando tinha cinco anos. Tem memórias desse regresso?
Sim, sim. O lugar para onde fomos era muito bonito. Era uma quinta em Coimbrões, ao lado de Gaia, com muitas histórias engraçadas e com lendas. Com o mais velho dos meus irmãos, que é o Miguel, fazíamos passeios nas florestas, nas matas, íamos de bicicleta até à praia. Uma vez tive um furo no pneu da minha bicicleta, vi um acampamento de ciganos e fui falar com eles. Pedi-lhes se me podiam emprestar uma bomba de ar para a bicicleta, emprestaram-me e ainda me vieram ajudar e mudaram o pneu. Uns tempos depois, convidei-os para o meu aniversário, vieram os miúdos todos e os outros convidados que eram do Porto ficaram muito admirados. O convívio foi muito bom. De vez em quando, ainda encontro pessoas dessas famílias do Porto que têm a minha idade e aproveitamos para conversar e conviver. Fiz a escolaridade primária em Coimbrões, depois fui para o Colégio das Caldinhas, onde comecei a fazer o liceu. E depois fui para o Colégio Militar, onde fiz o resto do ensino liceal.
Uma das questões fundamentais num herdeiro ou pretendente ao trono é a preparação que recebe. A sua educação foi especialmente direcionada para isso ou foi uma educação comum?
Acho que a melhor preparação que tive foi no Colégio Militar. Sobretudo nos primeiros tempos, os alunos todos, por recomendação superior, faziam de conta que não tinham ideia de quem é que eu era para não ficar incomodado ou atrapalhado, foi um gesto muito simpático. Mas durou pouco, porque a certa altura começaram todos a perceber. Mas no colégio éramos todos iguais, há um sentido de camaradagem e de entreajuda fortíssimo. Tive muita pena que meus filhos não tivessem ido para o Colégio Militar. A Isabel pôs como condição que só iriam se os filhos de antigos alunos conhecidos meus estivessem lá, realmente não encontrei nenhum. Por qualquer razão esquisita, os filhos dos meus amigos do colégio, antigos alunos, não foram para o colégio. Agora estão arrependidos.
Como viu a notícia da Infanta de Espanha ter vindo estudar para Portugal?
Acho ótimo, porque é uma maneira de ficar a conhecer bem Portugal. Infelizmente, não sei se por culpa nossa ou por culpa deles, a maioria dos espanhóis são muito ignorantes em relação a Portugal. Sabem que é um país agradável, que se pode ir à praia e que se pode comprar coisas portuguesas mais baratas e boas, mas depois têm uma ignorância enorme em relação a Portugal. A maior parte dos portugueses sabe muito mais, inclusive, sobre a vida política espanhola do que eles em relação a nós. Então em relação à vida política portuguesa não têm sequer noção.
É um bom cartão de visita?
É ótimo, porque certamente com a convivência com os alunos e com outras pessoas portuguesas vão começar a perceber e interessar-se mais pelo nosso país. O Rei Filipe sabe hoje em dia muito sobre Portugal, tal como o seu pai. Aliás, o Rei Filipe fala português com uma pronúncia muito galega, mas fala português fluente e muito correto.
Já teve a oportunidade de estar com ela?
Não, espero que haja a oportunidade. Até agora não tem havido, mas também tenho estado bastante fora.
Acredita que Juan Carlos sempre vem viver para Cascais?
Não sei, mas seria ótimo. Ótimo para ele e ótimo para nós, porque realmente é um bocado chato viver lá nos Emiratos. Não tem assim muita graça e o clima também é um bocado quente demais.
E como vê tantos escândalos em volta das monarquias?
Por exemplo, no caso da Inglaterra, os problemas estão relacionados com a família. Há uns anos foram os problemas entre a princesa Diana e o príncipe Carlos, mas não teve nenhuma responsabilidade política, a não ser no sentido que causou uma imagem que não foi muito bonita. No entanto, grande parte dessa responsabilidade foi do príncipe Filipe, porque fez uma grande pressão para o filho se casar urgentemente. Diana estava interessada e casaram-se. Algumas pessoas amigas e eu próprio sempre achávamos que não fazia sentido, porque a princesa Diana tanto intelectualmente, como culturalmente era completamente diferente do príncipe Carlos, assim como os seus interesses. Acho que esse casamento foi um erro. Os ingleses, aliás, não se podem queixar dos divórcios, porque a Igreja Anglicana foi fundada porque o Rei queria divorciar-se e o Papa não deixava. Agora, o Rei Carlos não sei em que ponto está, mas reduziu muito o conceito de Família Real. A Família Real na Inglaterra vai ser o Rei, a Rainha e os filhos. Os outros parentes não vão ser considerados Família Real, pelo menos, é aquilo que consta. Depois, fazem uma distinção entre as pessoas que desenvolvem atividades para a Coroa. O príncipe Eduardo, Duque de Edimburgo, tem sido uma pessoa que trabalhado muito para a imagem da Família Real inglesa. Há, em todo caso, um aspeto de curiosidade que é o facto de haver muita gente que admira e aprecia a ideia de monarquia, mas depois não a estuda para perceber as suas vantagens. É uma pena, porque conheço pouca gente que tenha dito que é republicano e tenha dado uma boa razão para isso. Mas também conheço imensa gente que diz que é monárquica, mas depois as razões que dão não são válidas. Em Portugal, segundo as sondagens que houve, cerca de 20% a 30% dos portugueses consideram que um Rei seria melhor do que um Presidente da República para a democracia portuguesa e para manter Portugal como um país próspero. E os que não são a favor, normalmente, não dão razão para isso e há outros que dão por razões completamente erradas e pensam que nas monarquias o Rei manda em tudo.