Jogadas de bastidores ao sol de agosto

Governo afasta concorrentes  às concessões da Solverde e Estoril-Sol. Turismo de Portugal esconde significado da documentação do concurso.

O Governo impediu dois operadores internacionais de se pré-qualificarem para a concessão dos casinos de Espinho e do Algarve, detidos pela Solverde, e da Póvoa do Varzim, concessionado à Estoril-Sol. Os espanhóis da Cirsa, que administram 447 casinos em 11 países, foram afastados por despacho do secretário de Estado do Turismo, Pedro Machado, datado de 4 de Setembro. O grupo canadiano Mercan nem sequer recebeu resposta ao seu pedido de prolongamento do prazo, apesar de ser o maior investidor internacional em hotéis em Portugal.

Este é o concurso público internacional politicamente mais sensível para o primeiro-ministro, pelo facto de a Solverde ter sido um dos seus principais clientes na Spinumviva, empresa que deixou aos filhos, mas ainda sob escrutínio do Ministério Público.

No entanto, o Governo não se coibiu de dar um prazo de 42 dias corridos para a apresentação de candidaturas, cobrindo todo o mês de agosto, por excelência de férias no «espaço europeu», conceito relevante por ser este o território admissível para a sede dos concorrentes. As maiores praças mundiais do negócio, como Las Vegas e Macau, ficaram à partida excluídas. 

O Governo justifica a opção pelo querido mês de agosto pela necessidade de ter a decisão fechada até ao Natal, sob pena de ter de prorrogar as concessões da Estoril-Sol e da Solverde nas costas do mercado. «Retardar a abertura do concurso para depois do verão colocaria em risco o calendário necessário para garantir uma decisão final de atribuição da concessão antes de 31 de dezembro de 2025», justifica o ministro da Economia, em resposta escrita ao Nascer do SOL, a perguntas que endereçámos há um mês e um dia. Castro Almeida só não explica por que razão o concurso não foi lançado antes.

Concursos quase desertos

De acordo com a lista de concorrentes publicada na plataforma oficial do concurso, em Espinho e na Póvoa do Varzim, a Solverde e a Estoril Sol apenas ‘poderão’ vir a ter a concorrência do grupo Lucien Barrière. Os gauleses surpreenderam o mercado com uma candidatura de última hora, sem antes terem apresentado qualquer pedido de esclarecimentos ao júri.

Apesar de pouco jornalística, ‘poderão’ é a palavra exata, porque o júri ainda não publicou o seu relatório final, relativo à aceitação — ou não — da passagem dos concorrentes à segunda fase do concurso. Não é absolutamente seguro para os concorrentes o significado dessas listagens. O Nascer do SOL recebeu pedidos informais de advogados, envolvidos no processo, acerca desta prosaica questão.

A esperança dos juristas era a de que eventuais fontes nossas, não identificadas, no Governo e na Administração Pública, pudessem esclarecer a linguagem do júri. Debalde, porque nem o presidente do Turismo de Portugal nem ninguém no Governo fala ao telefone sobre o assunto. Sem outra solução, colocámos a questão por escrito ao primeiro, responsável pelo concurso. «Uma vez que estas questões foram colocadas também ao Gabinete do Secretário de Estado do Turismo, Comércio e Serviços é aí que deve insistir para ter as respostas», respondeu-nos Carlos Abade, através de um assessor de imprensa.

O grupo canadiano, na tramitação do seu pedido de prorrogação de prazo, foi apanhado no mesmo circuito de passa-respostas, como quem passa-culpas. O Turismo de Portugal declarou à Mercan que um ofício sobre o requerido já havia sido emitido pelo gabinete do secretário de Estado. Pelos vistos, escolheu a pomba errada, porque nunca chegou ao destino, facto já salientado pelo grupo canadiano na correspondência formal do concurso.

A Mercan põe o dedo na ferida do querido mês de agosto. O caderno de encargos era «complexo e exigente» na documentação pedida a quem não estivesse previamente informado. A prorrogação de prazo justifica-se porque o concurso foi «lançado durante o período do mês de agosto (quando poderia ter acontecido noutra qualquer altura até ao fim do ano) o que penalizou ou mesmo impossibilitou candidaturas em consórcio com parceiros internacionais».

O Governo justifica o chumbo, à partida, de candidatos oriundos de países exteriores ao Acordo sobre o Espaço Económico Europeu, pela necessidade de «cooperação administrativa no domínio da fiscalidade e do combate à fraude e ao branqueamento de capitais». O secretário de Estado Pedro Machado invoca legislação do tempo dos Governos de António Costa para resistir à abertura de qualquer exceção.

O concurso relativo aos três casinos do Algarve – Monte Gordo, Vilamoura e Portimão — foi o que despertou maior interesse de mercado. A lista de concorrentes à pré-qualificação, para além da Solverde e do grupo Barrière, compreende dois grupos espanhóis: a Cirsa e a Comar. Como o primeiro, aparentemente, foi chumbado por despacho, falta saber se algum dos outros ‘poderá’ ser, ou não, aprovado pelo júri.  O Governo, pela resposta escrita do ministro Castro Almeida, garante que «não há nenhuma empresa que tenha vantagem sobre outra».

Pelos critérios de experiência na atividade e do número mínimo de máquinas e outros equipamento de jogo, a Estoril-Sol e a Solverde são os únicos grupos portugueses qualificáveis ao concurso. Nos anos 1980, a Sonae perdeu para o Grupo Violas. Hoje não poderia sequer apresentar-se. Agosto já não é como antigamente.

Grupos interessados

Estoril Sol
O grupo Estoril-Sol detém a concessão dos casinos do Estoril, Lisboa e Póvoa do Varzim. Explora duas licenças de jogo online. É detido pela Finansol (58%), onde uma filha de Stanley Ho tem uma posição de controlo, e pela Amorim Turismo (33%). Atravessa um período conturbado: prejuízo de 4,8M€ em 2024 e de 1,8M€ no primeiro semestre.

Solverde
Concessionária dos casinos de Espinho, Chaves, Monte Gordo, Portimão e Vilamoura.  Foi fundada em 1972 por Manuel Oliveira Violas, um empresário visionário, pioneiro em Portugal no fabrico de sacos sintéticos. Explora quatro hotéis de luxo, em Espinho, Gaia, Praia da Rocha e Chaves. Faz uma aposta forte nos jogos online.

Cirsa
Um colosso na área do jogo. Administra 447 casinos, em 11 países, dezenas de bingos e salas de jogo. Orgulha-se de 50 milhões de clientes por ano, incluindo
nas apostas desportivas online. Em 2024, adquiriu uma participação na Casino Portugal, um dos operadores nacionais deste mercado. Só tentou concorrer aos casinos do Algarve.

Comar
Outro grupo espanhol, apenas interessado nos casinos de Monte Gordo, Vilamoura e Portimão. Tem nove casinos em Espanha e 14 na América Latina. Explora ainda seis bingos e 18 salões de jogo, com predominância para a região da Galiza. Tem 850 mil clientes. No passado mês de janeiro, abriu o primeiro Casino de Santiago de Compostela.

Groupe Lucien Barrière
Grupo francês centenário, com uma perna no jogo e outra no turismo. Explora 32 casinos, 20 hotéis, um clube de jogo, 15 spas e 150 restaurantes. É proprietário da célebre Brasserie Fouquet. Tem diversos investimentos em mercados dotados de segmentos de luxo, como Nova Iorque, Abidjan, Dubai e Marrocos.

Grupo Mercan
Com sede no Canadá, é o maior investidor hoteleiro em Portugal. Com a oportunidade criada pela legislação dos Vistos Gold, captou mais de 3.500 investidores internacionais para esses projetos, incluindo unidades com as marcas Sheraton, Hilton, Marriott e Holiday Inn. Tem um parceiro dos Estados Unidos, especializado em casinos e animação turística.